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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Nossa pátria-mãe nada gentil

O governo Bolsonaro governa para os mais ricos e trai o povo. A demora para liberar os 600 reais da Renda Básica Emergencial (RBE) é mais uma comprovação do desprezo do governo pelo povo

Jair Bolsonaro e ministro Paulo Guedes (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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O governo Bolsonaro governa para os mais ricos e trai o povo. A demora para liberar os 600 reais da Renda Básica Emergencial (RBE), aprovada pelo Congresso no dia 30 de março e que só começou a ser paga no dia 9 de abril, nove dias após a sua aprovação, é mais uma comprovação do desprezo do governo pelo povo. Diferentemente do que fez com o RBE, no dia 23 de março o governo anunciou um pacote de 1,216 trilhão, equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, para proteger os bancos durante a crise do Covid-19. A ajuda aos mesmos que, historicamente, sempre se favoreceram das ações e políticas do governo brasileiro veio célere, como vem ocorrendo ao longo da história do Brasil. 

Com o RBE, o governo brasileiro vai gastar 59,8 bilhões de reais em três meses para disponibilizar 600 reais para cerca de 75 milhões de cidadãos brasileiros registrados no cadastro único. Se o RBE fosse estendido por 12 meses, o governo investiria cerca de 239,2 bilhões de reais em 35.83% de seus cidadãos. Isso quer dizer que o governo prefere investir vinte vezes mais para salvar os bancos instalados no país, preservando o lucro das poucas famílias que os controlam no Brasil e no exterior, do que investir nos cidadãos brasileiros. 

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Este desprezo pelos mais pobres e extrema empatia para com os mais ricos não é de hoje; historicamente sempre foi assim e muitos fatos da nossa história o comprovam. As classes dominantes se apoderaram do Estado e transformam de nossa pátria em uma entidade nada gentil para a maioria de seus cidadãos.

A escravidão é um marco neste processo e lança as bases do desprezo pelo povo e abandono da maioria da população pelas classes dominantes que utilizam as instituições nacionais como seu banco ou sua milícia particulares. Segundo o censo demográfico de 1872, o Brasil tinha 61,9% de sua população formada por “negros”, “pardos” e “índios” que, em sua maioria, viviam em situação de extrema pobreza e exclusão social. Do total de 9.930.478 habitantes, 15,2% eram escravizados o que representava cerca de 1,57 milhão de pessoas. As instituições brasileiras asseguravam a existência das desigualdades e as forças armadas brasileiras sempre garantiram o funcionamento desta distopia, se colocando contra o povo.

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O Massacre de Porongos, também conhecido como Traição dos Porongos, 1844, foi o penúltimo confronto da Revolução Farroupilha onde os últimos combatentes dos Lanceiros Negros, negros livres ou libertos que lutaram ao lado dos defensores da República Riograndense, foram dizimados pelo exército imperial comandado pelo Barão de Caxias, futuro Duque de Caxias, patrono do exército brasileiro. A chacina foi resultado de um acordo entre David Canabarro, general farroupilha que traiu aos seus, e Caxias. Os Lanceiros Negros foram enviados, praticamente desarmados, para enfrentar o exército imperial. O massacre de cerca de 200 negros realizou uma limpeza étnica na população Rio Grande do Sul. O exército já nesta época era utilizado como milícia pela oligarquia brasileira e se colocava a sua disposição para executar os trabalhos mais sujos.

Em 1896 latifundiários baianos solicitaram apoio do governo da recém-criada República para massacrar os 25 mil habitantes de Canudos que os incomodavam com um modo de vida igualitário que ameaçava o domínio da oligarquia rural da região. Foram três campanhas contra Canudos em 11 meses de guerra. Como resultado morreram pobres entre os seguidores de Antônio Conselheiro, bem como entre os militares: quase todos os praças eram oriundos de famílias pobres. A oligarquia rural manteve seu poder com o apoio do Estado brasileiro, representando a pátria. 

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Esta não foi a primeira vez que aglomerações humanas foram dizimadas por se organizarem de maneira diferente daquela preconizada pelas classes dominantes do Brasil e ameaçarem seu o modo de vida. O quilombo dos Palmares e outros quilombos também foram duramente destruídos por ousarem implementar um tipo de organização social diferente das hegemônicas.

Entre 1891 e 1894, ocorreu a Revolta da Armada, uma revolta que confrontou os interesses de altos oficiais da marinha contra altos oficiais do exército como um jogo de War ou Batalha Naval, uma brincadeira inconsequente entre membros das classes dominantes brasileiras, cujo prêmio era o governo da República. Houve bombardeio à cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Acabada a escaramuça, foram distribuídas severas punições aos revoltosos, mas não aos oficiais. Marinheiros, taifeiros, suboficiais sofreram pesadas punições, alguns sendo condenados à morte, fato magistralmente descrito por Lima Barreto na obra Triste fim de Policarpo Quarema. Os altos oficiais foram poupados devido a um acordo entre as elites e muitos deles fizeram parte do governo vitorioso. 

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No Brasil, a punição, quando há, sempre desce feroz sobre o lombo do povo e poupa os dominantes que se acertam entre si para que nada mude. Foi assim também com o golpe de 1964 e o golpe de 2016; como bem escreveu Tomasi di Lampedusa em O leopardo, “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Este é o lema das classes dominantes brasileiras.

Em 1937, o governo de Getúlio Vargas mobilizou tropas e a força aérea para dizimar os moradores da fazenda Caldeirão de Santa Cruz, no Ceará. Nela formou-se em 1926 uma comunidade religiosa liderada pelo beato José Lourenço; tudo o que era produzido era dividido igualmente entre os membros da comunidade e o excedente era vendido. Era uma sociedade igualitária baseada em princípios religiosos, tal qual Canudos. Sua população era formada por flagelados da seca e pequenos agricultores que abandonavam seus empregos e seus lotes em busca de uma vida melhor no Caldeirão. Enquanto viveu, Padre Cícero protegeu seus moradores da sanha dos latifundiários locais. Depois da morte do padim Ciço, a comunidade passou a ser combatida por causa de sua organização social comunitária, desprezada pelos donos de terra que temiam que seu exemplo fosse copiado pelos sertanejos e adotado em outras regiões. Em 1937 a comunidade foi destruída, acusada de comunismo. Foi atacada por terra e bombardeada pela força aérea em uma campanha onde o uso desproporcional da força expõe o ódio das classes dominantes para com o povo e o servilismo das forças armadas aos donos do poder. Foram 400 mortos cujos corpos não foram enterrados pelos seus familiares porque o exército e a polícia do Ceará esconderam os cadáveres em uma vala comum em endereço desconhecido.

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Outros exemplos poderiam ser listados. É importante notar que quando algo é feito em prol do povo tem sempre a marca do populismo e são medidas que mais fazem propaganda dos governos, visando a manter o povo subserviente, do que resolvem os problemas da população mais pobre. Durante várias décadas governos populistas instalavam bicas d’água no sopé dos morros ou na entrada das comunidades e anunciavam que estavam levando água até o povo, quando o correto seria fornecer água nas casas dos moradores.

As farmácias populares são outro exemplo de improbidade e cinismo de governos populistas. Disponibilizam medicamentos de graça ou a baixo custo em estruturas específicas montadas pelos governantes com o dinheiro de todos para fazer propaganda deles mesmos. Assistimos, frequentemente, reportagens que mostram filas de cidadãos que esperam horas para ter acesso aos medicamentos necessários para o tratamento de suas doenças crônicas. Fosse realmente uma política pública que desejasse resolver o problema e não fazer propaganda de governantes, toda farmácia funcionaria como farmácia popular e isto não teria nada de inovador. Na Europa e no Canadá este tipo de política é executado há muito tempo. No Canadá, na província de Quebec, por exemplo, quando um cidadão tem uma receita em mãos ele se dirige a qualquer farmácia e a apresenta ao farmacêutico ou a um dos seus auxiliares. Toda farmácia tem um farmacêutico de plantão que trabalha com dois ou três auxiliares, alguns deles estagiários, estudantes de farmácia. O farmacêutico avia a receita e entrega ao cidadão a quantidade exata do medicamento prescrito. Se a receita prescreve dois comprimidos ao dia durante sete dias, o farmacêutico entregará ao cidadão catorze comprimidos, não uma caixa com mais ou menos medicamentos do que o necessário, onde sobrarão alguns comprimidos que não terão nenhuma utilidade para o usuário ou faltarão uns poucos, o que obrigará o cidadão a adquirir mais uma caixa. Junto com os comprimidos é entregue uma folha com a posologia e outras informações relevantes, como os efeitos colaterais e a maneira correta de armazenar o medicamento, por exemplo. Na hora de pagar, o cidadão apresenta seu cartão de saúde, o mesmo apresentado à secretária do médico quando da consulta. Nada é pago ou é pago um valor muito baixo. O farmacêutico imprime um recibo da operação em duas cópias: uma é enviada ao governo e outra é entregue ao cidadão que, em alguns casos, pode abater o custo do medicamento do imposto de renda provincial. Desta maneira o usuário do serviço de saúde tem uma das ações fundamentais do direito de acesso à saúde, o acesso ao medicamento, assegurada pelo governo. Para que isto ocorra tem que haver um governo popular, o que não é o caso do Brasil contemporâneo, governado por traidores do povo.

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Outra ação que poderia ser desenvolvida e copiada pelo governo brasileiro durante a epidemia do Covid-19, não fosse ele inimigo do povo, é o que está fazendo a prefeitura de Paris que mantém as escolas fechadas para evitar a propagação do vírus, mas envia  às famílias dos alunos matriculados o dinheiro gasto com a merenda de cada um deles. Assim, os responsáveis poderão comprar os alimentos necessários para seus filhos, enquanto as escolas estiverem fechadas.

Com o governo Bolsonaro, mais uma vez, as classes dominantes brasileiras acionam suas milícias armadas, sobretudo o exército, para assegurar a sujeição do povo às medidas impopulares. E as forças armadas, mais uma vez, demonstram o seu servilismo e antipatriotismo, traindo os interesses das classes sociais de onde a maioria de seus oficiais, suboficiais e praças são oriundos. Por outro lado, distribui fartamente o erário público para banqueiros, latifundiários, grandes empresários aqueles que nunca perdem, ganham quando há crescimento econômico e ganham em épocas de crise.

Nossa pátria-mãe, como sempre, demonstra ser gentil com muito poucos e desleal com a enorme maioria. 

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