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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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Nunca antes na história deste país.. estamos com Lula em um novo momento histórico

A inteligência, a genialidade e a intuição fizeram com que Lula enfrentasse a prisão e o ostracismo com inacreditável e serena teimosi

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Nos contos de fada, gênero que o filósofo Christoph Türcke reporta como fundamento do remoto livro de Jó, há um padrão de recorrência: um evento se repete até que, em sua terceira vez, encontra a libertação. São três os porquinhos, e apenas na terceira ocorrência há algo que fuja da repetição, ao encená-la levemente diferente; são três as perguntas de Chapeuzinho Vermelho, e por três vezes a madrasta tenta matar Branca de Neve. Duas são as discussões entre Deus e Satã que culminam nas desgraças de Jó, e no terceiro momento o servo fiel é recompensado em dobro. São lições narrativas, que têm íntima relação com nossa psique, capazes também de nos entregar, hoje, uma verdadeira lição política.

Por que não apenas duas vezes? Por que não a mera repetição? Ora, se assim fosse - como o é em alguns casos - teríamos apenas oposição ou repetição do mesmo. O que aconteceu voltou a acontecer ou foi revertido. Em nossa realidade social, política e mental, não é tão fácil livrar-se daquilo que adere a nós como um destino. O esquema da primeira ocorrência, da segunda ocorrência semelhante e, enfim, da terceira em que tudo parece igual mas de repente há um salto qualitativo que nos liberta, esse é o esquema da alteração pela repetição, tão cara ao espírito humano. Se tivéssemos duas ocorrências opostas, o que pareceria libertação seria tomado por nós como apenas uma prisão: não seríamos capazes de nos imaginar fora do esquema repetitivo, sob a imposição do eterno retorno do mesmo.

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José Genoíno, em entrevista ao jornalista Luís Nassif, disse, com razão, que no Brasil “o passado se recusa a passar”. Quando caminhamos para ganhos progressistas, a nação retrocede ao reacionarismo e freia aquilo que nos daria, de fato, uma nação. Pois ainda não temos Brasil. E, quando ele ameaça surgir no horizonte, forças ditas patriotas se erguem das sombras e dos casarões da história e negam o Brasil em nome do Brasil. A imprensa oficial, vítima de um AVC imemorial que mantém ativo apenas o lado direito do corpo social, faz sua parte e voltamos à estaca zero.

Tivemos Getúlio Vargas. Terminamos com um tiro no peito.

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Tivemos João Goulart, que não era apenas João Goulart: eram os Arraes, Brizolas, ligas camponesas, teologias da libertação, e terminamos em exílio.

Tivemos por fim Lula. Terminamos presos.

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Só que não.

A inteligência, a genialidade e a intuição fizeram com que Lula enfrentasse a prisão e o ostracismo com inacreditável e serena teimosia. As direitas atacavam, parte das esquerdas não compreendiam - por que não a aliança Ciro-PT? O Lula não sabe que seria inelegível? Que seria censurado, que sua imagem e sua voz se tornariam tabus nas mídias oligárquicas e no próprio processo político?

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Pois Lula manteve-se firme. Decidiu, em nome da instituição abstrata da justiça, que imporia ao judiciário uma derrota seguida de autocrítica. Quem antes o criticava por seu pragmatismo político, agora lhe implorava pragmatismo: fuja do país, faça alianças, assuma o poder avassalador do antipetismo e retire o PT de campo. E Lula se manteve firme. Citou Getúlio, citou Jango. Disse que não tinha vocação para o exílio ou para o suicídio. Sabia sua vocação, portanto. Sabia que retroceder seria impor ao país a repetição do mesmo.

O esquema de recorrências do conto de fadas não é um mero recurso narrativo. É a forma com que compreendemos o mundo - a manhã, a tarde e a noite; a infância, a idade adulta e a velhice; as três vias políticas - e também a forma com que roda a história. Para ir adiante, a história, como a roda metafórica que usualmente a acompanha, precisa parecer ir para trás.

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No julgamento da suspeição de Moro, Gilmar Mendes relembrou o termo alemão “Flucht nach vorn”: fuga para a frente. Sua proposta era uma reformulação do sistema judiciário. É preciso olhar o que foi feito para fazer de outro modo.

E então, dentro do esquema repetitivo que nos aniquila e que chamamos história, surge um vilão de novelas, de conto de fadas. E Lula volta ao noticiário por uma manobra que não era a seu favor. Um homem de capa quer salvar ao mesmo tempo seu colega e sua reputação e faz uma mixórdia. O país se alvoroça. A mídia oficial em sua hemiplegia treme o lábio esquerdo, um olho antes morto pisca: há sinal de vida.

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Surge então uma esperança política estranha, que contamina até mesmo direitistas empedernidos. Por quê? Porque há um sentimento coletivo, generalizado, de que algo imprevisível possa ocorrer. Que estejamos enfim libertos da repetição, da prisão histórica que culmina em prisões reais. Lula está de volta e a terceira onda de progresso não foi abortada, não é idêntica às anteriores. A teimosia não foi apenas um erro de cálculo, uma peculiaridade de caráter. A teimosia, que normalmente não aceita o novo, aqui faz nascer a possibilidade do novo. Diz: não repetiremos nosso infortúnio. É a teimosia de quem toma chibatadas e encara seu algoz.

Isso, sim, é a verdadeira e legítima guerra narrativa. A que busca a verdade. Por isso Lula é importante. Não se trata de culto à personalidade, mas de percepção de que a história não se faz sem personagens e sem paixão. E sem ações repetidas, sem obstáculos, sem a sublime teimosia do que não aceita o mesmo. “Flucht nach vorn”, ir adiante para trás como forma de se libertar, enfrentar e corrigir um passado que nos assombra. Se nos comovemos com os acontecimentos da última semana, agora no entanto é hora de canalizar essa comoção em ação, apoio, em entendimento da história.

Até agora, olhávamos a roda muito de perto, sem entender sua mecânica. Com esse entendimento, com Lula de volta ao jogo político, somos habilitados a agir melhor. Essa é a nossa verdadeira chance, como nunca antes, um ponto culminante de nossa história. 

Pois, a depender também de nós, talvez seja no terceiro parto que finalmente nasceremos como país.

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