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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

35 artigos

blog

O aniversário da destruição de Dresden e o que temos para aprender com a Alemanha nazista

Quantas guerras serão necessárias para se compreender que, na guerra, o horror se faz preponderante sobre tudo!?

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Você sabe quando um livro simplesmente “salta” na estante? Não é novidade que os livros piscam, saltam, acenam, dançam, gritam. Pois este saltou, seu título brilhou em neon para mim, fui convocada a lê-lo. 

O Adeus à Mulher Selvagem, de Henri Coulonges, foi comprado na Feira do Livro de Porto Alegre, há dois anos. Ele estava naqueles sebos, a preço irresistível. Apesar de não conhecer o livro ou o autor, gostei da descrição na orelha, em que constam prêmios literários recebidos na França, e ser considerado “um libelo contra a violência”. Agora, depois de lê-lo, entendi a sua importância... e preciso contar a vocês.

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Trata-se da saga de uma menina, no desespero por sobreviver aos horrores da Segunda Guerra Mundial, e por resgatar a alma da mãe... a tal “mulher selvagem”.Tudo começa, em contraste, com a leveza e a alegria de uma festa popular. Johanna vai ao circo na companhia de uma amiga. São duas meninas de doze anos, com esperanças e sonhos característicos da idade, partilhados conosco. Porém, toca a sirene de ataques aéreos, e o que era para ser uma noite agradável torna-se o início de um pesadelo sem fim. Suas vidas nunca mais serão as mesmas. 

Ainda sem saber disso, elas se dirigem ao abrigo junto com os presentes, ato a que já estavam acostumadas, como um simples ritual. Quando a amiga diz sentir que, dessa vez, a cidade será bombardeada de fato, Johanna se exalta: “Mas não! Eles sabem muito bem que as ruas estão cheias de crianças em uma tarde de carnaval” (pag. 13). Sua afirmação ingênua, mas lógica, nos mostra o absurdo das guerras, em que vidas humanas deixam de ter valor, até mesmo as das crianças...

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Nesta noite, na corrida desesperada para tentar voltar para casa e para suas famílias,  irão escapar de sufocamento, incêndios, desmoronamentos, bombas, rajadas de tiros, fósforo liquido, saltarão sobre corpos de outras pessoas e ouvirão gritos inumanos dos atingidos ao seu redor. 

Perdem-se uma da outra por instantes. No reencontro, a amiga conta:  “ 'Eu vi uma mãe e um filho estendidos na calçada – começou ela com uma voz extinta,   - lá embaixo[...]. No local onde se descia do elétrico para patinar.' Interrompeu-se, engoliu a saliva e deitou sobre Johanna um olhar inexpressivo. 'Estavam completamente achatados sobre o solo. Completamente achatados, tu me entendes, ela e ele. Só se via a forma deles.' ” (pág. 37).

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Como o autor do livro é francês, eu imaginava que a história se passava na França. Depois de algumas páginas, me dei conta que era uma cidade alemã! Eram meninas alemãs... Mas e dai? Isso importa? São meninas sofrendo a violência e o terror da guerra. Pouco importa se francesas, alemãs, congolesas, asiáticas, extra-terrestres... São ME-NI-NAS!

Esta questão, aliás, é uma das principais reflexões que o livro provoca. Alguns personagens fazem de tudo para ajudar a pequena e sua mãe, mas outros, cheios de ódio e desejo de vingança, veem todo o povo alemão como responsável pelas violências cometidas pelo nazismo, e as crianças não são excluídas disso... 

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A cidade bombardeada no livro é Dresden, em 13 de fevereiro de 45. Que coincidência, hein!? EXATAMENTE 75 ANOS depois, o livro salta diante de meus olhos na estante! Setenta e cinco anos atrás, o centro da cidade de Dresden, conhecida como capital cultural, foi destruído. Monumentos, construções históricas e áreas residenciais, quinze quilômetros quadrados destruídos...

Quando a menina Johanna consegue voltar, sozinha, para casa, a encontra bombardeada, a irmã morta e a mãe ausente de si, em choque. O desejo de ser acolhida na segurança do lar e no abraço materno não se realiza. “Ia precipitar-se-lhe nos braços quando recebeu em pleno rosto o seu olhar. Johanna ficou pregada onde estava. Seus olhos. Estavam fixos e vazios. E seu rosto. Vazio tambem de qualquer expressão.” (pag. 55).

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O amanhecer traz a luz do dia, mas não o final do pesadelo. Aviões fazem rondas, em voos rasantes, disparando rajadas sobre tudo que se move. Com a percepção de que aquilo nunca iria acabar, a menina decide abandonar a cidade, conduzindo a mãe debilitada... 

Mesmo no campo, que não está na mira dos bombardeios, outros horrores da guerra as esperam. Lá, a mãe é abusada e chicoteada por soldados russos desertores, que lutavam ao lado dos nazistas, mas já percebiam a derrota inevitável. Seu destino incerto, provavelmente a morte, os faz perder todos os limites de humanidade... 

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Johanna consegue, através da ajuda de pessoas comovidas com o destino das duas, avançar em uma nova viagem, levar a mãe até Praga, para tratamento psiquiátrico em uma clínica. Porém, a cidade para a qual se dirigem também traz tensões e ódios ocultos.  Lá, a menina descobre, surpresa, parte da realidade que não conhecia... Em uma conversa, ouve  referência à invasão alemã à Praga, e se surpreende. “Mas eu acreditava que tínhamos sido chamados […] Em triunfo – murmurou ela com voz aterrada – Eis o que nos diziam diversos anos depois. Que tínhamos entrado em triunfo. E nós acreditávamos, convictamente. Acreditávamos que éramos amados.” (pags 227-228). Em outro diálogo, uma mulher cheia de ódio conta a ela que crianças são mortas em campos de concentração pelos alemães... 

De minha parte, também fiquei chocada com a ideia de que muitos alemães (não só as crianças) eram mantidos alienados dos horrores cometidos pelos seus. Ésquilo, dramaturgo grego da antiguidade, dizia: “Na guerra, a verdade é a primeira vítima”.

Mas nós, brasileiros, da mesma forma, estamos em meio a tantas mentiras, agora chamadas fake news. A nova guerra, ou novo conceito de guerra passa despercebida para muitos. A guerra híbrida, não convencional, envolve a manipulação através das mídias digitais, a interpretação distorcida das leis (lawfare), o controle da grande imprensa e outras estratégias. É usada para derrubar governos e facilitar a exploração geopolítica do território “bombardeado”, digamos assim. E o Brasil está sendo “bombardeado”, você já notou!?

Quantos de nós, como os alemães na Segunda Guerra, têm acreditado em mentiras criadas para manipular mentes? E você, acredita em quê!? De onde vêm as informações que criam sua visão de mundo? Você consegue separar, nas notícias, os FATOS  das interpretações que os embrulham sutilmente? Você percebe que nem sempre o que vira manchete é o mais importante? Distingue o quanto algumas informações, memes ou mensagens de whatsapp são formuladas para atingir diretamente seu emocional e ANULAR A CAPACIDADE DE RACIOCÍNIO?  Quem nunca compatilhou uma notícia falsa nas redes sociais, no calor do momento!? Alguma vez você já fez isso, semeando ódio?

Voltando ao livro, mãe e filha estarão presentes em mais um momento triste da humanidade,  de grande violência. A tensão latente em Praga explode antes que consigam partir. O que acontece é tão chocante que fui buscar informações sobre os fatos reais, que inspiraram o autor. E os encontrei no trecho de um outro livro (que pretendo ler), Os bebês de Auschwuitz, em que a jornalista Wendy Holden narra a história real de três bebês que nascem no campo de concentração, ou a caminho dele. Sobre Praga, ela conta: “A cidade havia enfrentado uma revolução sangrenta de três dias, iniciada em 5 de maio […]. Os soldados tchecos e soviéticos da Guarda Revolucionária derrubaram os nazistas dois dias antes da capitulação oficial da Alemanha, pregando, via rádio, a “morte de todos os alemães”. Os cidadãos tchecos, com sede de vingança, saíram as ruas, e centenas de soldados e civis alemães foram mortos, muitos de maneira brutal. A milícia transformou diversos membros da SS [...] em “tochas humanas”, e a multidão perseguiu homens, mulheres e crianças, independente de sua posição durante a guerra. Eminentes professsores e médicos estavam entre as pessoas mutiladas, linchadas ou mortas à bala.” E, nos dias anteriores a isso, pasmem, muitos alemães andavam pela ruas normalmente, como moradores antigos do local. O ódio estava enterrado sob camadas de civilização que se desfizeram qual fumaça no ar, assim que o equilíbrio do poder foi alterado. 

Haverá situações semelhantes a esta, ainda por ocorrer na história da humanidade? Há quem diga que os tempos são outros, “evoluímos”. Será!? Então por que ainda existem guerras? Por qual motivo não existe fraternidade entre os povos a ponto de  refugiados precisarem arriscar a vida em travessias perigosas, e corpos de crianças aparecerem nas praias!? Se a evolução é tão natural assim, por que foi preciso uma SEGUNDA Guerra Mundial, então? Ou estaremos a caminho da TERCEIRA!?

Quantas guerras serão necessárias para se compreender que, na guerra, o horror se faz preponderante sobre tudo!? Que, se em um primeiro momento ela se reveste de  justificativas ideológicas, ou supostamente éticas, dadas pelos líderes das nações envolvidas,  quando, porém, realmente ACONTECE, em embates ou bombardeios, não passa, e nunca passará, de uma escalada de assassinatos em série, chacinas, holocaustos de pura barbárie!? Que sentido têm, então, as guerras que já ocorreram, senão nos ensinar que podem, sim, repetir-se, devido à cobiça e às paixões tão humanas? Que devemos estar alertas para impedi-las!? De nos ensinar que o ódio e a intolerância podem correr  como rios subterrâneos debaixo da pele das pessoas, até aflorarem, mortais como a lava de um vulcão, destruindo tudo, nos tornando vítimas, ou AGENTES  da violência? 

Mas se era preciso que eu lesse este livro, mesmo tendo sido devastada por toda a dor nele contida, era para dar-lhe voz. E também devo comunicar a vocês a mensagem de consolo dada a Johanna (e a nós!?) logo depois da chegada a Praga, exortando-a a desfrutar a beleza da cidade: “Não se deve acreditar que a gente há de ser forçosamente infeliz nas épocas conturbadas”. (pág. 231).

Por fim, fica fácil entender o motivo de ditadores e ditaduras temerem tanto a leitura. 

Abençoados sejam os livros, que nos alegram e entristecem, que nos fazem pensar quem somos e como é o mundo; quem queremos ser, e como é o mundo no qual queremos viver e, acima de tudo, o que podemos fazer para construí-lo... 

Ah, o bombardeio de Dresden ainda provoca polêmica, era uma cidade conhecida como pólo cultural, mas também sede de fábrica de armas. Até que ponto era necessário sua destruição? Neonazistas usam o acontecido como argumento para vitimizar a Alemanha, inflando o número de vítimas (mais fake news?) em centenas de milhares. Um levantamento feito na época, entretanto, considera que houve aproximadamente 25 mil mortos. Na Alemanha, hoje, há manifestações de grupos neonazistas, revoltados com a “invasão” de imigrantes, e a extrema direita tenta angariar mais adeptos. Mas há também manifestações daqueles que se esforçam por “perturbar os neonazistas”, cidadãos que, acima de tudo, querem evitar a repetição da “tempestade de fogo” que tirou tantas vidas em Dresden e tudo o mais que veio antes.

O Presidente da Alemanha, em pronunciamento referente a este triste aniversário, buscou um discurso em que não esquece as crueldades cometidas pelo nazismo e, ao mesmo tempo, não relativiza a destruição de Dresden. Falou em defesa da democracia, e concluiu: "Vamos proteger a dignidade de cada ser humano, também – e especialmente – aqui em Dresden." De CADA SER HUMANO, e não apenas de cada alemão. 

O momento atual, do surgimento de tantas tensões no mundo, nos exige lembrar exaustivamente que somos, acima de tudo, SERES HUMANOS. Não permita que roubem a sua humanidade. Não se deixe levar pelo ódio. Verifique as fontes, desconfie das informações, mas LEIA!

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