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Bia Willcox

Empresária que escreve sobre relações de afeto, editora que fez Direito na UERJ, professora que dá palestras, mãe que produz conteúdos

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O Brasil banal

Num Brasil de disputas, farsas, ganâncias e total descaso às questões que envolvem ética e humanidade, é sempre bom ter em mente a imagem do Groning ou Eichmann negando suas culpas e crimes e alegando fazer parte "do trabalho"

Num Brasil de disputas, farsas, ganâncias e total descaso às questões que envolvem ética e humanidade, é sempre bom ter em mente a imagem do Groning ou Eichmann negando suas culpas e crimes e alegando fazer parte "do trabalho" (Foto: Bia Willcox)
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Recentemente um antigo oficial nazista foi condenado a 4 anos de prisão por ter sido cúmplice na morte de 300 mil judeus. Ele confiscava dinheiro, joias e outros objetos de valor dos judeus deportados em Auschwitz, campo de concentração nazista, administrando-os e enviando-os para Berlim, por isso era chamado de "contador' de Auschwitz. Crimes de guerra e contra a Humanidade são imprescritíveis, portanto, por mais anacrônico que possa parecer, é possível condenar alguém por algo monstruoso (como foi o Holocausto) feito há 70 anos atrás. É um acerto de contas com o passado, afinal todo esse tempo não apagou a gravidade do que foi feito. Jamais apagará. É preciso deixar tal catástrofe viva na memória de todos (aliás, a Alemanha cuida bem disso com uma profusão de memoriais, datas comemorativas e programas educacionais excelentes), principalmente das novas gerações - é preciso deixar uma lição, educar a sociedade. Não discuto isso.

Mas, com nenhuma profundidade sobre o tema, eu humildemente trago algumas reflexões a este meu espaço.

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Primeiramente, por que demoraram tanto a condenar Oskar Gröning? A lei certamente contribui com a História, mas o processo judicial cai em descrédito. Levar décadas para levá-lo ao tribunal passa a seguinte mensagem (turva) aos genocidas contemporâneos: "Sim, a justiça é implacável, mas pode demorar muito tempo para se fazer presente. Relaxe, mas não para sempre."

A condenação do contador de Auschwitz me remeteu (e deve ter remetido muitos dos que leram a notícia) à condenação de Eichmann, alto funcionário de Hitler, responsável pela deportação de judeus para campos de concentração, em 1961. O caso Eichmann (não tenho espaço aqui pra narrar mais detalhes mas recomendo a pesquisa) me levou à filósofa Hannah Arendt que, ao ser enviada por uma revista americana ao julgamento de Eichmann, definiu aquele homem que viu numa cabine de vidro (durante o julgamento) como banal, comum, medíocre - um burócrata sem qualquer pensamento crítico. E dessa percepção, nasceu o conceito de banalidade do mal.

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Pense bem: Adolf Eichmann não tinha traços antissemitas e não parecia ter um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu acreditando que estava cumprindo o seu dever, buscando reconhecimento e sucesso profissional, na mais perfeita lógica carreirista-burocrática. Cumpria ordens superiores com zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar - agiu sempre de acordo com os limites permitidos pelas leis numa obediência cega.

Normalidade. Burocracia. Cotidiano. Por trás de tais "homens normais" (Eichmann e Gröning não eram os únicos) foram cometidas as maiores atrocidades que o mundo tem visto, como Arendt bem disse, eis a banalidade do mal.

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O contador Gröning disse que ele via a matança dos judeus húngaros, meticulosamente planejada e para a qual várias câmaras de gás novas tinham sido construídas em Auschwitz, como algo "de rotina"

Hannah Arendt não defendeu "os monstros nazistas" nem tampouco minimizou a dor e sofrimento dos judeus, ela só definiu brilhantemente o que acontece com mais frequência do que gostaríamos na História da Humanidade - a banalização do mal.

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O mal é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional - em razão de uma escolha política. Torna-se a violência, a impiedade e a frieza individualista e cega numa trivialidade. O pensamento se esvazia e a banalidade do mal se instala.

Ė quando se abraça o ódio compulsoriamente.

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Num mundo de ódios anciãos, refugiados e egos inflados, é sempre bom lembrarmos da ideologia do "Nunca Mais" implícita nos julgamentos alemães.

Num Brasil de disputas, farsas, ganâncias e total descaso às questões que envolvem ética e humanidade, é sempre bom ter em mente a imagem de Groning ou Eichmann negando suas culpas e crimes e alegando fazer parte "do trabalho", para se pensar um pouco mais pra onde estamos indo e o quanto estamos banalizando o mal brasileiro que entra pela TV ou internet diariamente sem que talvez tenhamos nos dado conta.

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O futuro do Brasil próximo não pode ser banal.

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