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Tânia Maria de Oliveira

Secretária-Executiva Adjunta Secretaria-Geral da Presidência da República

87 artigos

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O cheiro do fascismo

Parece imperioso reconhecer que há raízes profundas na consciência coletiva, que conduzem pessoas a abraçar acordes dissonantes, tanto na classe média, como nas classes mais baixas. E elas estão dispostas a impor um único ritmo e perfume a toda a sociedade. Que produzam o som e o cheiro que lhes agrade

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O fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório

de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”

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(Wilhelm Reich)

Os atos de militantes bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 1º de maio, hostilizando e agredindo verbalmente um grupo de enfermeiros e técnicos da área de saúde, que protestavam de forma silenciosa, usando jalecos, máscaras e empunhando cruzes, reforçando a importância das medidas de isolamento diante da pandemia do novo coronavírus, são imagens que chocam e beiram o dantesco.

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“Vocês não vão destruir essa nação”, “analfabetos funcionais”, “esquerdopatas”, “nós vamos varrer os comunistas desta nação”, foram algumas das frases gritadas próxima a mulheres e homens, que chegaram a ser cuspidos, mas não reagiram.

A certa altura, a empresária Marluce Carvalho de Oliveira Gomes, uma das agressoras, disse a uma manifestante: “quando a gente sente o cheiro de quem não passou perfume, a gente entende o tipo de pessoa que você é!”.

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Embora não haja, nas ciências sociais, uma definição de fascismo que seja universal, existem determinados elementos que autorizam o emprego do conceito para descrever um conjunto homogêneo de fatores. Nessa compreensão, o fascismo é tido como um movimento de vocação autoritária, nacionalista e militarista, que despreza a democracia e é inimigo dos direitos humanos. Focado na figura de um chefe carismático, a quem se atribui divindade e qualidades quase mitológicas, proponente de uma ideologia que destaca os valores da ordem e da disciplina, disposto a aniquilar seus opositores, inclusive pela violência.

A ideologia fascista, paradoxalmente, conclama à liberação raivosa dos impulsos, verbais e físicos, e depois oferece a ordem como resultado, inspirada no militarismo, dialogando assim, diretamente, com o fundamental da estrutura do caráter universalizado pela sociedade, principalmente das chamadas classes médias. Como se vincula a ideias de supremacia racial, é comum que fascistas persigam minorias e grupos étnicos, além de gays e comunistas, a quem acusam de serem portadores de todos os males terrenos. Em regra, também são fundamentalistas religiosos e se comportam como lunáticos em ambientes que não podem dar vazão à agressividade.

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No campo dos valores reacionários encontram-se alinhavadas o amparo abstrato da ideia de nação, e o moralismo ligado aos costumes, que carregam a tiracolo os preconceitos e a defesa da família tradicional. E, ainda, disfarçado por uma máscara da modernidade e por um falso combate à corrupção. As mais recentes cenas divulgadas nas redes sociais de uma coreografia cantada pelo mesmo grupo que se autointitula “300”, na Praça dos Três Poderes, pela letra, gritos e gestos, são a imagem que sumariza todos esses elementos.

Não há, na história política brasileira, nada que se assemelhe mais ao fascismo que o bolsonarismo. As manifestações públicas têm se reproduzido como hábito nos últimos tempos, intensificadas após a eleição de Bolsonaro à presidência da República, e poderiam não ter tanta relevância não estivessem amparadas pelo Estado, que a elas não reage. Se o governo do país, por meio de seu dirigente máximo, relativiza, ampara e respalda práticas antidemocráticas, como as que pedem fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, as demais instituições permanecem inertes, legitimando-as pelo silêncio, por vezes quebrado pelas falas isoladas de algumas autoridades e por decisões pontuais.

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No Legislativo, temos falas e notas reiteradas do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, mas nenhuma do presidente do Senado e do Congresso Davi Alcolumbre. O mesmo silêncio gritante se ouve do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.

Pesquisas realizadas nos últimos dias nos dão conta de que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro caiu na chamada classe média, mas manteve-se ou até aumentou entre as pessoas mais pobres, o que implica que sua pregação está entrando nas classes mais baixas.

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Teoricamente, menos pelo que conclui e muito pelo que questiona, a obra do psicanalista ucraniano Wilhelm Reich “Psicologia de Massas do Fascismo” nos impele a buscar compreender como o discurso fascista pode penetrar em camadas sociais cujos interesses são diretamente por ele atacadas. Analisando a sociedade europeia pré-fascismo, o autor constata que a situação econômica e a situação ideológica das massas não coincidem necessariamente.

Na compreensão de Reich não há contradição nessa conclusão com o pensamento marxista, haja vista que o materialismo dialético de Marx não compreende a relação entre a situação econômica e a consciência de classe de forma mecânica, ou seja, como se a situação material decretasse a consciência dos membros de uma classe social, em uma antítese perfeita entre economia e ideologia.

Não enxergo nenhuma abordagem contemporânea que possa dar conta de todos os elementos históricos, sociais, culturais e políticos do tema. O que indica ser pertinente, é que o comportamento fascista no Brasil não pode mais ser ignorado, tratado como radicalismo de extrema-direita em sua acepção mais simples. Tampouco pode ser reduzido a Bolsonaro ou à manipulação, “lavagem cerebral” e engodo. Parece imperioso reconhecer que há raízes profundas na consciência coletiva, que conduzem pessoas a abraçar acordes dissonantes, tanto na classe média, como nas classes mais baixas. E elas estão dispostas a impor um único ritmo e perfume a toda a sociedade. Que produzam o som e o cheiro que lhes agrade.

Mesmo que saibamos reconhecer diferenças e limites na analogia com o fascismo histórico, o show de horrores produzido nas ruas do Brasil, as ameaças reais, verbais e físicas, dotadas de cinismo e sadismo, que determinam quem são os “donos da praça”, em uma mistura de guerra psicológica com tática militar e brutalidade crua, não podem mais receber outro nome.

Por outro lado, diante do caos institucional que emerge da crise sanitária de ordem mundial que o Brasil vive, a ausência de uma política de Estado que freie os impulsos de grupos que conclamam pela ordem, mas se prestam, de fato, a uma aventura de ordem fascista, faz aumentar a responsabilidade das forças sociais-democráticas, dentro e fora da institucionalidade, indicando uma longa luta para enfrentar esse “movimento”. Não é simples nem de curto prazo, não haverá solução com vitória eleitoral. É disputa profunda, de mentes e corações, um resgate da valoração dos signos mais antigos do liberalismo: liberdade, igualdade e fraternidade. Axiomas ressignificados pelas lutas sociais e de direitos humanos ao longo da História, e que agora parecem merecer, novamente, serem postos como carros chefes das narrativas em defesa da democracia.

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