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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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O cineasta japonês do momento

"Drive My Car" e "Roda do Destino" exemplificam o cinema de encontros humanos surpreendentes que projetou o diretor Ryûsuke Hamaguchi

(Foto: Divulgação)
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No próximo domingo, o filme japonês Drive My Car chega como favorito à entrega do Oscar de filme internacional. Está em cartaz nos cinemas brasileiros e chega dia 1º de abril à plataforma Mubi. Já no streaming pode ser visto Roda do Destino, o filme anterior de Ryûsuke Hamaguchi, o cineasta japonês da vez.

Murakami e Tchekhov no banco da frente 

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"Temos que seguir vivendo, Tio Vanya" - é a pura e simples frase final de Sonya na peça de Tchekhov. É também como termina (ou quase) Drive My Car. Seguir vivendo apesar dos sofrimentos é como manter o carrinho vermelho de Yusuke em constante movimento pelas ruas e estradas do Japão, entre Tóquio, Hiroshima e Hokkaido. 

O interior do carro é o refúgio perfeito para Yusuke, ator e diretor de teatro famoso, principalmente depois que sua mulher, uma roteirista de televisão, morre subitamente. Ela deixou uma versão gravada de Tio Vanya com sua voz e os espaços vazios para o marido praticar as suas falas no papel-título da peça. Yusuke ouve a fita obsessivamente enquanto dirige. Por isso, dois anos depois, ao ser convidado para uma residência artística em Hiroshima, ele não aceita bem a destinação obrigatória de uma motorista para guiar seu carro.

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Baseado em conto de Haruki Murakami, o filme reedita a habitual construção multicamadas do escritor. No prólogo que dura 40 minutos, assistimos à mania do casal de fazer sexo enquanto ela inventa histórias para seus roteiros da TV. Vemos também que Yusuke releva a traição da mulher com um jovem ator, que reaparecerá no elenco da montagem de Tio Vanya em Hiroshima.

Entre os ensaios da peça e os longos trajetos no carro com a motorista Misaki, Yusuke vai gradualmente adquirindo a consciência de que sua mulher não era a única a ser duas pessoas ao mesmo tempo. Todos nós, afinal, temos pelo menos dois lados que se dão (ou não) a conhecer em diferentes contextos da vida. As aproximações com o ex-amante de sua mulher e com Misaki trazem à tona segredos, culpas e inclinações que influem no modo de ser de cada um.

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A compreensão mútua pode se dar mesmo à falta de um "idioma" comum. A montagem de Tio Vanya é preparada com um elenco multilíngue, em que cada ator se expressa no seu idioma, incluindo uma Sonya muda usando a linguagem de sinais.

Durante quase três horas, o diretor Ryûsuke Hamaguchi conduz esse pequeno emaranhado de histórias com bastante clareza e sem nenhuma pressa. Combina o filme de estrada com o "filme de teatro" e o drama psicológico num todo coeso e despido de efeitos. O diálogo sutil entre vida e peça me trouxe à lembrança Moscou, de Eduardo Coutinho, criado em torno de As Três Irmãs, também de Tchekhov. Ambos os filmes concluíram lindamente sua exposição com dicções inusitadas para as linhas finais das respectivas peças. A voz off de Coutinho em um; os sinais de uma atriz áfona em outro.

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Três mulheres e seus enganos

O acaso dá as cartas em mais um filme de Ryûsuke Hamaguchi. Roda do Destino (Gûzen to sôzô) traz três histórias envolvendo mulheres em situações inusitadas que elas pensam controlar mas são derrotadas pela sorte.

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Na primeira, a modelo Meiko, ligeiramente perversa, descobre que seu ex-namorado, a quem traiu no passado, está saindo com uma de suas melhores amigas e tenta reconquistar o rapaz. No desfecho desse episódio, Hamaguchi parece querer emular o coreano Hong Sang-soo, criando duas soluções diferentes e consecutivas. 

A segunda história se passa num ambiente escolar. Para vingar seu amante de uma humilhação como aluno, Nao tenta seduzir o professor lendo em voz alta um trecho erótico de um livro dele. Também aqui o erotismo verbal atua como mote dramático, impelindo os personagens para seus objetivos. 

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O terceiro episódio trata do encontro casual de duas mulheres que pensavam se conhecer. Um vírus teria vazado informações em massa dos computadores e celulares, fazendo com que as comunicações voltassem ao estágio pré-internet. Isso não produz nada de especial no desenrolar dos acontecimentos, mas é fascinante como o engano compartido das personagens progride para um jogo de role-playing e daí para a criação de um laço inesperado entre elas.

Hamaguchi confirma sua aptidão para narrar confluências humanas incomuns de maneira formalmente simples, mas garantidas por elencos excepcionais. As mulheres de Roda do Destino perseguem seus objetivos com um misto de malícia e inocência, bem sublinhado musicalmente pelas Cenas Infantis, de Robert Schumann.

>> Roda do Destino está nas plataformas Now e Belas Artes à la Carte.

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