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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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O dia em que o nome de Pelé foi arrastado

"Os craques não foram ao velório só por soberba ou inveja, mas por alienação mesmo", escreve Moisés Mendes

(Foto: Reprodução)
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Por Moisés Mendes, para o 247

Uma cena terrível foi o prenúncio da ausência de craques no velório de Pelé. Como é recente e foi desprezada, vale relembrá-la com seus significados para muito além do mundo do futebol e de suas mitologias.

É a cena da foto acima. No dia 5 de dezembro, depois do jogo contra a Coreia do Sul, Neymar e Danilo pegam na lateral do campo uma faixa com o nome de Pelé.

O Rei já estava internado em estado terminal, e a Seleção o homenageava com o que existe de mais óbvio nessas situações.

Mas ninguém deu atenção ao que acontece durante 53 segundos, desde que os dois pegam a faixa, caminham e param no meio do campo.

Galvão Bueno narra a cena na Globo e diz que “aí vêm eles com todo o respeito necessário”. O narrador sabia que tentava fantasiar o que a imagem não mostrava.

Neymar, de chinelo de dedo, caminha meio sem jeito com a faixa, sem saber se a estira ou a enrola, e por vários momentos a homenagem arrasta no chão.

Aquele Neymar de chinelo, gingado, meio enfarado, construiu uma cena inimaginável se o personagem fosse um grande jogador alemão, argentino ou inglês.

Uma cena impensável para um jogador uruguaio, sueco ou francês. Inimaginável, naquelas circunstâncias, em qualquer outro esporte.

Quando os dois chegam ao centro do campo, a faixa é amontoada e quase pisoteada, antes de ser finalmente estendida.

Não faltou só a liturgia que precede uma homenagem. Faltou carinho com a faixa, como são tratadas até em cerimônias singelas as medalhas, comendas e outros objetos que expressam reconhecimentos e muitas vezes são carregados em almofadas de veludo.

Faltou o que Didi fez no dia 29 de junho de 1958, no Estádio Rasunda, em Estocolmo, na final da Copa entre Brasil e Suécia.

Pouco depois dos quatro minutos, após o primeiro gol dos suecos, Bellini pega a bola no fundo da rede.

Didi vai ao encontro do capitão, perto da risca da área. Era sua a tarefa de conduzir a bola ao meio do campo. Ele iria liderar a resolução daquela parada.

O vídeo do jogo mostra que Didi dá 40 passos, da risca da grande área ao meio do campo. Com firmeza, mas sem pressa.

Logo no começo da caminhada, um menino de 17 anos se aproxima de Didi e fala alguma coisa, acenando com a mão. O guri queria ser cúmplice do que aquele momento representava.

Didi não vai chutando a bola. Ele a carrega na palma da mão direita. Depois, passa a bola para a palma da mão esquerda, como se as suas mãos fossem bandejas.

A cena é quase cerimoniosa, porque ela, a bola, é que vai permitir o que acontecerá logo depois. E o Brasil reage e vence a Suécia por 5 a 2, com dois gols de Pelé.

Nelson Rodrigues viu naquele momento o começo do fim do complexo de vira-latas que vinha desde 1950, na derrota para o Uruguai no Maracanã.

Foi da convicção de Didi na solução daquele impasse que o futebol nos tirou, como diz o antropólogo Roberto Da Matta, da vala comum dos povos sem mapa.

Firmou-se ali o vínculo entre pátria e futebol, entre os negros e a nossa identidade, entre Pelé e o povo e entre a Seleção e todas as expressões de afirmação, existência e pertencimento.

Neymar nunca deve ter visto aquela cena em que Didi carrega com respeito a bola que permitiria a sua redenção. Sobrou na Suécia a reverência que faltou no Catar.

Na Suécia, era apenas uma bola. E no Catar era a faixa com o nome do cara que elevou a bola à condição de objeto mágico capaz de transformar um momento em arte.

Os craques não foram ao velório só por soberba ou inveja, mas por alienação mesmo. Se estivesse vivo, mesmo que não fosse preciso, Didi explicaria melhor.

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