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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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O Espírito chega antes do missionário na Panamazônia

"Seguramente num contexto da velha cristandade europeia seria impossível dar esse passo avante. Mas estamos no novo mundo, onde somos maioria de católicos e temos condições de gestar um rosto novo da Igreja de Cristo", escreve o teólogo e escritor Leonaro Boff sobre o Sínodo da Amazônia

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O Sínodo Panamazônico, celebrado-se em outubro em Roma, suscitou grande discussão, especialmente, entre católicos ligados a certas tradições e doutrinas, envolvendo até cardeais e bispos europeus acerca da evangelização das culturas dos povos originários. Neste ponto houve uma real mudança de orientação, fruto da abertura teológica do Concílio Vaticano II (1962-1965) e do diálogo interreligioso e intercultural, provocado pelo processo de mundialização. Este propiciou o encontro de culturas e de religiões que antes mal se conheciam. Desenvolveu-se rico diálogo e a exigência de ver a presença do Espírito naquelas culturas e religiões.

A questão tornou-se aguda quando se tratou da evangelização dos povos amazônicos que habitam em 9 países de nosso Continente. Evangelizar suas culturas ou evangelizar nas suas culturas, perguntava-se. A evangelização tradicional buscava evangelizar suas culturas, convertendo-as ao cristianismo, vazado na cultura ocidental. O índio, ao fazer-se cristão, praticamente deixava de ser índio e vinha incorporar-se à cultura dominante ocidental. Sempre foi assim por séculos. O cristianismo foi imposto pela cruz e pela espada, ocasionando, não raro, por causa de sua resistência, grandes matanças de indígenas.

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Como esquecer aquela voz dolorida do profeta maia Chilam Balam de ChumayelAi! Entristeçamo-nos porque os espanhóis chegaram…vieram fazer nossas flores murchar para que somente a sua flor vivesse…vieram castrar o sol”. E sua lamúria continua:”Entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o cristianismo…Esse foi o princípio de nossa miséria, o princípio de nossa escravidão”.

A Igreja tem dificuldade em admitir que o projeto de colonização e o projeto missionário era, na verdade, um único projeto. Ela fez-se, destarte, cúmplice do extermínio de milhares de indígenas com a oposição de um Bartolomeu de las Casas, Sahagún, o Pe.Vieira e outros.

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Precisou vir o Papa Francisco, do grande Sul do mundo, para, na abertura do Sínodo Panamazônico, reconhecer: ”Quantas vezes o dom de Deus não foi oferecido mas imposto.Quantas vezes houve uma colonização em vez de evangelização”. Mais enfático foi em Puerto Maldonado no Peru, quando disse:”Peço humildemente perdão não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos originários cometidos durante a conquista da América”.

Agora se propõe evangelizar nas culturas. A Igreja não escolhe a cultura na qual quer encarnar-se. Toda cultura é apta a assumir a mensagem evangélica e a expressá-la com os recursos linguísticos e simbólicos de que dispõe. Portanto, trata-se de evangelizar na e a partir da cultura própria dos indígenas. Isso parece uma obviedade. Mas não o é, em muitos círculos, até os dias de hoje. Reina ainda certo exclusivismo cristão e católico, na convicção de que a única forma de Igreja de Cristo é esta que existe atualmente, com o Papa, toda a hierarquia eclesiástica e a multidão de fiéis. Esta seria a única válida e legítima.

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Esquecem que Jesus não era um romano ou grego. Era um hebreu médio-oriental, mais próximo da cultura daqueles povos do que daquele grego-latino. O atual cristianismo, concretamente, é fruto de um grande sincretismo, tomado positivamente, com elementos judaicos, gregos, romanos, germânicos e modernos. Ele não constitui uma religião revelada, mas um produto da fé de convertidos que com os instrumentos de suas respectivas culturas deram corpo às Igrejas históricas, máxime, à Igreja católica romana com suas teologias, liturgias e símbolos.

O que foi direito dos cristãos europeus vale também para os povos originários panamazônicos.Diz com razão o texto preparatório: “Uma Igreja com rosto amazônico deixa para trás uma tradição colonial, monocultural, clerical e impositiva, e sabe discernir e assumir sem medo as diversas expressões culturais dos povos”. Aqui há a chance de uma eclesiogênese, vale dizer,da gênese de um outro tipo de Igreja católica, não romana, mas em comunhão com ela.

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A evangelização convencional incorre num reducionismo: só prega o Cristo encarnado, limitado ao espaço palestinense. Mas o Cristo real é o ressuscitado que enche o universo, o mundo, as pessoas e as Igrejas como ensina a teologia de São Paulo e de São João.Esta visão cristocêntrica esqueceu o Deus-comunhão de divinas Pessoas,a Santíssima Trindade, fundamento da comunhão entre os seres humanos e as culturas. Esqueceu o Espírito Santo que esteve presente no ato da criação, que fez gerar Jesus no seio de Maria e em seguida, continua e atualiza sempre sua mensagem. Este Espírito está sempre presente na criação, nas culturas e no coração das pessoas. Lá onde reina o amor, vigora a solidariedade, triunfa o perdão, se atualiza a misericórdia e o coração se abre, na veneração e na unção, a Deus, lá estava e está o Espírito. Ele sempre vem antes do missionário na Panamazônia. Este acolhe o dom do Espírito no povo, o abraça e enriquece com a boa nova de vida eterna de Jesus.

Belamente diz o texto preparatório: “Temos que captar o que o Espírito do Senhor tem ensinado a estes povos ao longo dos séculos: a fé em Deus Pai-Mãe Criador, o sentido de comunhão e harmonia com a terra, o sentido de solidariedade com seus companheiros, o projeto do bem viver... Necessitamos que os povos originários moldem culturalmente as Igrejas amazônicas locais”.

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Seguramente num contexto da velha cristandade europeia seria impossível dar esse passo avante. Mas estamos no novo mundo, onde somos maioria de católicos e temos condições de gestar um rosto novo da Igreja de Cristo.

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