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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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O fascismo bolsonarista versus o humanismo cognitivo

O Presidente da República é extremamente cruel, sádico e debochado

Jair Bolsonaro durante almoço no Restaurante Serviço - Sesi Presidência da República (Foto: Carolina Antunes/PR)
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No primeiro plano nos vale, sem perder tanto tempo e sem repetir por tanto o óbvio, citar a importância de Bolsonaro, este que é a fonte de inspiração – sazonal desta época – do bolsonarismo, isto é, do pensamento daqueles que o seguem cegamente. O Presidente da República é extremamente cruel, sádico e debochado.

Senão, vejamos. Não é possível haver alguma empatia neste homem que vê tanta gente no Brasil passando fome, e gastar 20,6 milhões de reais em sua farra com “tapioca”[1], no escândalo – pouco comentado – do cartão corporativo. Não há pudor num ser humano que, tendo o poder de comprar as vacinas, permitiu a seus assessores roubar o dinheiro que serviria à imunização de nosso povo, pois, ao invés de coordenar os comitês de crise sanitária, preferiu negar a gravidade da doença COVID-19 e promover seu show patético de cloroquina. Não se pode respeitar um cidadão que, sentado à cadeira mais importante de um dos maiores países do mundo, vê a Amazônia e outros biomas e riquezas naturais tão fundamentais à vida sendo aniquilados, e enquanto isso gasta milhões de reais dos recursos públicos com seus passeios inúteis de moto (as motociatas), ignorando – e tantas vezes estimulando – a morte das pessoas e da natureza.

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Enfim. Sabe qual é a síntese possível: Bolsonaro não passa de algo que, se ficar 17 minutos parado à beira do asfalto fazendo “selfie” para reverenciar sua beleza narcisa, uma revoada de urubus logo pairará sobre ele. E se não sair da estrada, será devorado, sem dúvidas. Esta é a essência de seu ser... Todavia, interessa-nos mesmo é o segundo plano deste texto, qual seja, pensar sobre este humanismo cognitivo e seu avesso, aspecto típico acerca das pessoas que são capazes de apoiar gente (se é que dá para chamar de “gente”) como Bolsonaro, que humilha as vidas humanas; tripudia sobre os cadáveres de nossos parentes. Como? Ainda tem cidadãos e cidadãs que ignoram seus crimes e o defendem como se fosse a um filho? É sobre este fato social que os especialistas e historiadores – ao futuro – carecem investir mobilização reflexiva. Nessa esteira, é bastante oportuno, i) não buscar apenas no bolsonarismo as mazelas centrais do Brasil, entretanto, a gravidade extrema que é este pensamento para nossa civilização (afinal, o bolsonarismo é um dos afluentes do fascismo, este rio maior que inunda parcela da humanidade); e ii) depreender que não haveremos nunca de alterar nossa estética civilizatório se não aprofundarmos a interpretação com primor sobre nós mesmos, destarte, revelar o que somos, como agimos, o que fazemos... a seguir. Pois bem! Nosso problema enquanto gente brasileira reside, a meu ver, em dois aspectos corrosivos. O primeiro deles irei chamar de entendimento de menor esforço, que, grosso modo, trata-se de uma aceitação fácil, cômoda sobre os prismas da existência e das circunstâncias sociais. Isto é, para a maioria das pessoas não há porque construir um pensamento complexo. Aliás, quanto menos tiver que pensar, melhor. Portanto, todo fato social, discurso social, narrativa social, consequentemente, o que gira e influencia, em maior ou menor medida, a estrutura de sua vida e dos que estão próximos a este, requererá a leitura rápida e acrítica, ou nenhuma.

Esse tipo de gente (e somos tantos assim), pensa: o tempo que iria investir numa análise profunda sobre as coisas (e a política), melhor apenas “gastar” fazendo churrascos ou qualquer outra coisa para gozar a vida precária, menos pensar mais analiticamente. Daí, para parecer que não é alienado, alheio às coisas, explica aos amigos sua visão de mundo com tanta “autoridade”, engando a si mesmo que sabe “alguma coisa” sobre a política, por exemplo, ou sobre como os outros devem viver – para dar certo o Brasil; para dar certo a vida alheia. É, no entanto, incapaz de olhar para si e perceber sua miudeza de trabalho mental sobre os próprios pontos que opina tão tacanhamente.

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O segundo elemento, passo a caracterizar como sendo o cheiro do elitismo, ou gatilho de superioridade. Isto é, sendo rico, pobre, classe média, ou intercalando as fronteiras destas categorias sociais, somos humanos com aversão (ainda que inconsciente) ao que está imediatamente abaixo a nós. Destarte, qualquer assobio que se pareça com a possibilidade de nos manter “superiores” ao que ali estava inferior a nós, ou quaisquer cantos de sereia (discursos vazios, mitológicos, demagogos, ilusórios) que nos seduzam erguer-nos à instância superior de classe, é suficiente para convencer nossos moucos ouvidos. Não importa a real eficácia da ação, a objetividade fática, ou mesmo a dor coletiva imposta. O que conta é essa sensação de ser superior e ter quem “proteja” (mesmo que não proteja de fato, mas apenas virtualmente) essa condição.

A pontuar, tais questões acima são, portanto, eventos sensacionais. Entorpecem nossa frágil visão do mundo e da existência, quando não a consignam a uma corrente de crenças e de moral próprias de nossa personalidade e caráter, forjados nas influências acumuladas da cultura (os fatores históricos consolidados), do meio (ideologias diversas: família, igreja, mídia, escola etc.), da potência nata (sem determinismo, as inclinações biológico-cognitivas) e do reforço estratégico (as campanhas pedagógicas da hegemonia de um tempo a induzir um tipo de pensamento de rebanho). 

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Retornando ao que chamei de entendimento de menor esforço e gatilho de superioridade: ora são acumuláveis, ora são isolados. Isto é, estão em nós, atuam em nossa ação social como forças sinérgicas a nos pressionar de um lado e outro, com maior ou menor intensidade. Todavia, o fato é que estes dois instrumentos nos destroem, individual e coletivamente. São, por conseguinte, forças “do mal” que não podem ser ignoradas se pretendemos outra civilização.[2]

Feita esta análise, passamos a uma etapa problematizadora. O que chamei de humanismo cognitivo é, doravante, a experiência (ou o conjunto delas) que nos ensina a ser solidários. Trata-se, portanto, de um amadurecimento ético (sua evolução), ou amadurecimento empírico da solidariedade. Caracteres que são conquistados por meio do conhecimento agregado e da experiência na compartilha social, e que também reside neste espaço de evento sensacional.

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É fundamental que se diga que esses caracteres são diretamente proporcionais, isto é, quanto mais solidariedade se adquire, mais desapego (às coisas menos úteis) se conquista, destarte, mais ético, mais humanista nos tornamos. 

Não podemos aqui perder um detalhe: também o entendimento de menor esforço e o cheiro de elitismo são experiências que transladam na cognição, cujo acesso ao conhecimento diverso e profundo podem significar um novo modo de viver. E ambos são proporcionais, mobilizando uma equação, isto é, a soma ou subtração de uma variável com a outra faz gerar um resultado social (mais nefasto) a partir da sensação ativada em cada indivíduo.

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Dito isto, retornarmos ao Bolsonaro e àqueles que o defendem (o bolsonarismo como pensamento e ação). Ora, se as pessoas não se importam com a dor alheia (ou pouco se importam; ou inventam desculpas esfarrapadas, tipo: “não é culpa do Bolsonaro”; “é culpa da pandemia” etc.); se estes defensores do Presidente do Brasil não possuem empatia frente a uma mãe de família que fica numa fila gigante para ganhar ossos (restos) a levar para casa a fim de cozinhar aos filhos por não terem comida em casa; se alguns[3] são incapazes de se indignar com tantas injustiças reais (não as virtuais que o “mito” sugere em suas lives), certamente é porque lhes falta o humanismo cognitivo; certamente a potência do entendimento de menor esforço e do cheiro de elitismo é feito em grau ultra elevado.

Dessa maneira, sem pretender dar conclusão ao texto, interrompo a abordagem para pedir aos mobilizadores sociais (na universidade, na política, nas mensagens autênticas de algumas espiritualidades, nas influências das redes sociais, nos bons veículos de comunicação) que interpretemos essa semântica do humanismo cognitivo (solidariedade herdada na experiência generosa) e atuemos pelo fim do fascismo, desidratando nascentes como o bolsonarismo emergido no rio social.

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[1] A “tapioca” aqui é uma ironia. Muitos vão se lembrar desse “escândalo” que abalou a República em 2008. 

O fato histórico se deu quando o então ministro do Esporte, Orlando Silva, usou o Cartão Corporativo para comprar uma tapioca no aeroporto no valor de R$ 8,30 (oito reais e trinta centavos).

A imprensa e a oposição “caiu matando” no Governo sobre o uso deste cartão, alegando que não se podia (e não se pode mesmo) ser usado para pagar despesas pessoais com o recurso e somente para emergências e despesas circunstanciais do governante.

Pois bem! Hoje, 14 anos depois dessa hipocrisia discursiva ocorrida com o ex-ministro, Bolsonaro gasta escandalosamente com viagens de férias e seus prazeres milhões de reais.

Quem denunciou essa semana foi o deputado Marcelo Freixo, em seu Twitter: "Bolsonaro gastou R$ 20,6 milhões no cartão corporativo em apenas um ano. Queremos o extrato impresso e auditável do cartão do presidente".

Enquanto isso, milhões de pessoas não tem um pãozinho para se alimentar.

[3] Grosso modo, devemos perceber estes dois eventos sensacionais tal como doenças sociais. E saber que, ao modo de uma pessoa com o vício do alcoolismo – que não percebe sua doença –, precisamos nos auxiliar, uns aos outros, prover condições (ambientes, diálogos, pedagogias, campanhas etc.) para que, cada um de nós seja capaz de medir nossa deficiência (no entendimento e/ou na superioridade) assim evoluindo juntos e juntos prover nova civilização.

[4] Duas considerações aqui são de fundamental importância. A primeira é que este entendimento de menor esforço e gatilho de superioridade não é algo exclusivo dos eleitores de Bolsonaro. Infelizmente isso reside em todos nós, sejam os liberais, os socialistas, os capitalistas. Portanto, todos nós precisamos o tempo inteiro nos avaliar enquanto sujeitos, enquanto humanos para que possamos evoluir.

É verdade que tais caracteres são elevados à milésima potência nos apoiadores de Bolsonaro. Estes não enxergam o mínimo de maldade do Presidente e a estimulam, subsidiam ou praticam. E isso é grave.

Outra consideração é que existe um contingente forte de apoiadores de Bolsonaro que são exclusivamente presos a poder e/ou dinheiro. Exemplo: Augusto Aras, o Procurador-Geral da República; André Mendonça, o ex Advogado-Geral da União; e Arthur Lira, o atual Presidente da Câmara: estes três sabem que Bolsonaro não presta, entretanto, é tão importante para eles a “carreira” e o poder ou dinheiro em volta dela que se anulam de agir pelo bem geral da sociedade.

Assim também são os pastores evangélicos poderosos (como Silas Malafaia, Edir Macedo etc.) e vários empresários (como Silvio Santos, Carlos Wizard etc): possuem algum entendimento, contudo, o gatilho de superioridade prevalece em sua essência e cognição. 

São todos aí maus caráteres extremos. Incapazes de um humanismo cognitivo autêntico.

Ódio e interesse (de gente assim) são componentes sensacionais que se retroalimentam as cruezas de classe e sucumbem nossa estética civilizatória.

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