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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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O filho perdido ou A mãe perdida

(Foto: Divulgação)
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Desde a estreia na Netflix, o filme "A Filha Perdida" tem sido um dos longas mais vistos no Brasil, no serviço de streaming. O grande crítico de cinema Celso Marconi assim publicou no Vermelho:  

“A filha perdida” (The lost daughter) é o que há de mais atual em matéria de produção industrial de cinema. Ele foi lançado em dezembro de 2021 e premiado no Festival de Berlim. Embora seja o primeiro filme dirigido pela atriz Maggie Gyllenhaal, é uma produção de estúdios norte-americanos e sua estória foi extraída de um romance de mesmo nome da best-seller italiana Elena Ferrante”. 

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No começo desta semana, a psicóloga Vera Iaconelli assim falou sobre o filme em um trecho do seu artigo na Folha de São Paulo:  

“Ao se envolver na intensa relação entre mãe e filha, Leda se vê às voltas com o fato de que, quando suas filhas eram pequenas, ela desapareceu por três anos....

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A boneca que Leda ganhou da mãe quando criança, ao contrário, foi meticulosamente guardada para as filhas. Acabou destruída num rompante de ódio diante de sua maternidade frustrante”.

Cada vez mais sabemos que a sociedade estranha e discrimina as mulheres que não aceitam a função de parideiras, e que não encontram  nisso a sua realização. Essa é uma concepção histórica, atrasada, desde a Grécia homérica.  Mas agora eu prefiro falar de outro ponto da relação mãe-filho:  o quanto e como se sentem filhos perdidos, aqueles que perdem a própria mãe. No romance “O filho renegado de Deus”, escrevi em determinadas páginas:

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“Pois saber da perda também não é voltar? Há pouco, procurei documentos, qualquer um, fotos, papéis, anúncios comerciais, bugigangas, qualquer bugiganga que remetesse aos anos da primitiva infância. Aquela, quando eu mal sabia o meu nome. No entanto, descubro agora, é uma característica geral dos pobres o não ter fotos ou quaisquer lembranças materiais de suas vidas. Nada fica. Nada. É como se Deus fosse mais cuidadoso em infligir aos miseráveis danos especiais, como uma provação e prova de fé, pois os que nada têm assim Lhe agradecem o bem. Tendo perdido tudo, se ficaram com restos de vida, dirão ‘graças a Deus’. Graças a Deus, portanto, por haver perdido minha única foto de infância, meus desenhos, minhas letras, o afeto de dona Maria, o seu sorriso, mas estou vivo. Graças a Deus. O menino, sozinho à sua maneira, repetia os comunas de Paris, porque ele se lançara para assaltar o céu da sua mãe. Estivera, quis estar com absoluta solidariedade na sua agonia, e se essa busca não era a felicidade, o objetivo não podia ser infeliz. Por que se envergonhar da sua visita ao corpo de Maria, por que se envergonhar da sua insubmissão ao fato de que os mortos não falam? Pois ele era e seria até o fim dos dias um homem insatisfeito com os limites da natureza.   

Hosana, Senhor! Tu me concedes a ilusão do que me pertencia antes, ele se disse ao voltar maduro à ilusória visão da mãe. O que ele fizera para merecer semelhante vingança? E ali no ônibus, enquanto rezava sem saber que rezava, enquanto dizia balbucios do tempo da idade das pedras, um terceiro se levantou dele e ergueu um dedo para os céus. E gritou para as nuvens no céu azul, o mesmo céu azul em que fizera sombra o tio Maciel, na janela do quartinho do beco, no dia em que lhe anunciou a morte de Maria. E gritou, no seu terceiro ser:  

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- Deus, isto é pessoal! O que Te fiz para ser assim desmerecido?”.   

Assim foi a perda, para um tal filho perdido da sua mãe.  

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