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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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O holocausto Bolsonaro

O linguista Gustavo Conde afirma que Bolsonaro representa a aniquilação do sentido e a impossibilidade de uma democracia política e linguística; ele diz "ao se deixar levar por uma bestialidade enunciativa, repleta de velharias históricas pressupostos caquéticos e premissas-cadáveres, ele pratica a tortura do sufocamento na própria linguagem institucional que nos permite habitar a condição humana"

O holocausto Bolsonaro
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Toda essa ameaça bolsonarista, essa onda de violência, de truculência, de impotência, de incapacidade de o jornalismo e das instituições responderem a tudo isso, da conivência das cortes superiores com a bestialidade fascista, da incompetência das linhas editoriais em fazerem uso do privilégio civilizatório que lhes foi dado para exercerem a liberdade de expressão, tudo isso teve e tem realmente um impacto cognitivo muito forte em todos nós.

Eu fui tragado por esse abismo e minha escrita travou diante da impotência de ver os sentidos do discurso girarem em falso em todo o tecido do comentário público.

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Hoje, volto a escrever um artigo diante da perplexidade da minha própria paralisia, tão acostumado que estava e compulsivo que era na arte de escrever pelos cotovelos sofridos e democráticos.

Ver uma personagem sombria, totalitária, violenta, blasfêmica, repulsiva, traiçoeira, racista, escrota e covarde arrastando metade da população de um país que aprendi a amar é um esmagamento espiritual de proporções épicas.

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Com Bolsonaro, o sentido da vida e do mundo agonizam. A espiritualidade se estilhaça. A esperança mergulha no precipício. Os afetos definham no lodo do desespero. O humor se retorce e se transforma autoflagelo.

O corpo não aguenta tamanho volume de estupidez e torpeza. O sangue corre com medo, a pressão dispara, a gastrite estrila, as pálpebras gemem, a libido derrete e o ar se rarefaz.

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O futuro desaparece, o passado é assassinado e o presente é um delírio sem fim. A própria Terra se entristece e se contrai diante da ameaça de genocídio assistido, devastação ambiental explícita e aniquilamento educacional programático.

Nem o nazismo me parecia tão catastrófico. Nem o fascismo ousou tanta desumanidade junta. Nem o inferno, nem o apocalipse, nem os romances distópicos constituíram, em suas respectivas narrativas imaginárias e literárias, tamanha retorsão subjetiva.

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Bolsonaro, hoje, é sinônimo de holocausto. É um nome mas é também uma palavra, ou uma antipalavra. A antipalavra Bolsonaro é o buraco negro da linguagem, o significante que traga e tritura todos os sentidos de uma língua deixando apenas um vácuo perpétuo de auto aniquilamento e vazio.

É um antissignificante que estrala, que assusta, que insulta, que ofende, que estanca toda e qualquer possibilidade de interação, que representa a negação, mas não uma negação gramatical, e sim uma negação existencial.

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A catástrofe semântica que define a vida e o discurso daquela que é possivelmente a personagem mais tétrica da história da humanidade não é uma percepção destituída de tecnicalidades. Há parâmetros e há medições.

O nazismo e o fascismo – fenômenos historicamente bastante recentes, nunca é demais lembrar – produziram genocídios em massa e esmagamentos em série, mas foram decorrentes do estilhaçamento geopolítico de um continente, com n culturas disputando espaço e poder.

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O bolsonarismo é mais violento e genocida do que – até então – as duas maiores chagas sociais da humanidade.

O dado mais elementar que corrobora esta tese é de ordem técnica. Ainda que um boçal genocida, Hitler era amante da arte. Ele foi um péssimo pintor e um sofrível conhecedor do classicismo – além de ter inegável inteligência militar estratégica.

Nem isso, Bolsonaro foi capaz de construir na sua notória antibiografia de militar fracassado e rejeitado. Dê um pincel a Bolsonaro e ele desenhará uma suástica faltando uma ‘perna’, do alto da sua severa limitação motora.

Se comparado a Mussolini, Bolsonaro realiza a proeza de vencer no quesito deseducação. O jornalista Eugênio Bucci destaca em artigo recente uma afirmação de Mussolini, datada de 1924, proferida em um congresso sobre fascismo: “a liberdade de imprensa não é somente um direito, mas um dever”.

Bolsonaro não foi nem é capaz de enunciar sentença similar, nem mesmo por demagogia. Há uma impossibilidade na sua moenda verbal em produzir quaisquer enunciados que tenham alguma conexão com o sentido de ‘democracia’.

Bolsonaro simplesmente não fala a palavra ‘democracia’. Ele não fala a palavra ‘trabalhador’. Ele não movimenta sua boca para produzir qualquer tipo de significante que contenha algum sentido afetuoso. São os limites do discurso de um sujeito integralmente mergulhado na repulsa a tudo que se assemelhe à vida.

Esta personagem não foi capaz de condenar publicamente os assassinatos hediondos feitos por seus eleitores. Ele apenas insinuou com sua indiferença e oportunismo: “você que matou ‘petista’, não precisa votar em mim”.

Perto de Bolsonaro, Mussolini e Hitler são apenas genocidas totalitários. O candidato a ditador brasileiro chega a ser mais do que isso. Ele representa também a morte do sentido.

Não é trivial explicar o que seria essa ‘morte do sentido’, mas com o auxílio da ciência linguística, é possível traçar um esboço. Trata-se do bloqueio permanente da interlocução social.

Uma das condições básicas para a existência de uma língua humana é a interação entre seres humanos. Não existe ‘língua de um sujeito só’. Os experimentos desumanos do século 19 corroboraram tragicamente esta tese.

Crianças eram isoladas ao nascer e privadas de qualquer contato com outro ser humano. A intenção era descobrir que ”língua” elas falariam e, assim, ‘compreender’ a origem da linguagem.

Essas crianças chegavam à adolescência e à vida adulta sem jamais pronunciar uma palavra sequer. A tese do input social como pré-requisito básico para a existência de toda  e qualquer linguagem humana foi consolidada depois por vários psicólogos e linguistas, de Vygotsky a Chomsky.

Ocorre que este é apenas o grau zero da possibilidade da existência de uma língua. A interação e a interlocução são necessárias para a manutenção da linguagem, abrindo novas perspectivas de produção de sentido e de inovações gramaticais e sintáticas.

A ausência de contraditório, de crítica, de diversidade não apenas aniquila a democracia, mas aniquila a existência da língua, língua esta que é a instituição social mais importante da história da humanidade, além de ser a materialidade simbólica que nos permite habitar o mundo da civilização.

Para resumir, é a língua que nos torna humanos.

Qual é o tratamento dado a esta língua por Bolsonaro?

Bolsonaro não dá entrevista, não vai a debate, não aceita crítica, não produz argumento, não estuda cenários, não circula entre o povo, não se dá ao trabalho de interpretar o seu outro, não estimula a busca pelo conhecimento e apresenta fobias múltiplas diante de toda e qualquer diversidade de gênero e de classe.

Todas essas antiações de um antissujeito, tomadas por um regime de fraudes covardes propagadas em massa via plataformas digitais promovem o aniquilamento da linguagem política e da linguagem ela mesma. É um coquetel de horror associado à mais grotesca violência explícita de que já se teve notícia.

Bolsonaro assusta o mundo. Ele não é um fenomenozinho marginal subdesenvolvido. Ele é um dos maiores perigos postos para a humanidade no século 21. A imprensa internacional e a opinião pública mundial já entenderam isso.

Roger Waters, talvez o maior pacifista da história do rock, está terrificado com a existência de uma aberração deste nível em um país como o Brasil, tradicionalmente humanizado, seja pela multietnicidade, seja pela tradição democrática dos últimos 30 anos.

O mundo chora pelo Brasil.

Não há um intelectual de prestígio no planeta, nem os de orientação mais conservadora, que não esteja perplexo diante da ameaça de devastação da humanidade que se apoderou de um dos maiores e mais pujantes países do mundo. Não é preciso citar: eles estão em todas as mídias do mundo inteiro neste momento manifestando dor, preocupação, estarrecimento e revolta.

A ameaça do bolsonarismo é uma ameaça para o mundo. É uma ameaça que extrapolou a mera truculência troglodita de um projeto fracassado de homem. Trata-se de um antissentimento que tomou conta de parcela significativa da população de um país.

Perdendo-se ou ganhando-se uma eleição, o bolsonarismo já é uma ameaça planetária de imensas proporções, como o aquecimento global, as armas nucleares e o financismo darwinista.

O traço definitivo de uma ameaça que supera nazismo e fascismo é a infeliz coincidência de se ter um anti-ícone que massacra a língua humana como quem espanca e tortura uma criança indefesa.

Bolsonaro simplesmente não produz sentido, ele violenta o sentido.

Bolsonaro agride a gramática, a sintaxe, a morfologia, a prosódia, a semântica, a retórica e todo e qualquer tipo de encadeamento discursivo. Ao falar do que não existe, ele mata o processo simbólico de produção de sentido.

Ao mentir compulsivamente, ele fulmina as possibilidades de interação social.

Ao se deixar levar por uma bestialidade enunciativa, repleta de velharias históricas pressupostos caquéticos e premissas-cadáveres, ele pratica a tortura do sufocamento na própria linguagem institucional que nos permite habitar a condição humana.

Bolsonaro detesta a linguagem porque a linguagem é justamente o traço mais humano dos traços humanos. Bolsonaro é a regressão total, o mergulho no passado, no grito primal, no mundo animalesco e sangrento de um mundo sem linguagem.

Sua força primitiva e anticivilizatória, mantida artificialmente por táticas ilegais de comunicação de massa, de posse da maior plataforma digital já criada pelo homem, transformou sua emergência em uma ameaça global sem precedentes.

O coquetel Bannon-Bolsonaro é o efeito colateral deletério das maravilhas inventadas pelo homem, justamente com o auxílio da linguagem, da ciência e da tecnologia.  

Bolsonaro é sinônimo de morte, de desesperança, de horror, de medo, de dor, de tortura, de devastação, de tristeza, de caos, de prepotência, de ódio, de suicídio, de terror.

Hoje, ao sentir meu corpo hesitar diante da dimensão deste holocausto, eu respirei fundo e abracei meu filho. Pedro, dez anos, é a minha conexão máxima com a vida, meu motivo maior de orgulho, minha delicadeza, meu sentido.

Perguntei a ele, pressionando suavemente o seu peito contra minha mão espalmada, como que querendo aquecê-lo em meus braços: “- Filho, a gente vai conseguir?”. E aquela voz, que é o som mais lindo que um ser humano pode querer ouvir, plena de doçura, de amor e de generosidade, enunciou com a espontaneidade dos justos: “ – Vai sim, pai. A gente vai conseguir, sim.”

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