O medo
Infelizmente, quando sou contatada, fico sabendo de pessoas que adoeceram pelo Covid-19 ou que morreram devido a esse vilão invisível
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Os estudos psicológicos nos esclarecem que o medo é uma alteração das emoções e dos sentimentos do indivíduo, de fundamental importância para a nossa autopreservação, muitas vezes nos livrando de correr riscos desnecessários. Minha mãe, que não era psicóloga, na sua sabedoria ancestral e temor materno, me dizia, em tom de preocupação, que eu deveria cultivar alguns medinhos para que eu corresse menos riscos. Sou um tipo arredia e selvagem que sai desbravando a vida e seguindo em frente, sem pensar nas pedras do meio do caminho. Se elas aparecem na minha caminhada, vou tratando de chutá-las ou brincar de Cinco Marias, um dos meus jogos prediletos na infância.
Todavia, como todos, tenho alguns medos. Poucos. O meu maior pavor ainda é o de ir ao dentista, a tal odontofobia. Quando tenho procedimento marcado, penso sempre em boicotá-lo, mas o senso do dever com a minha saúde acaba por me coagir. Na cadeira odontológica, suo frio, coração dispara, a boca trava e suplico por todas as anestesias possíveis, normalmente mais de uma, pois como se não bastasse, tenho uma certa resistência aos anestésicos.
Uma vez, eu estava num consultório odontológico, que ficava num hospital militar, tão apavorada que quando o dentista aproximou a broca da minha boca, segurei sua mão com força, me contorci e as lágrimas correram pelo rosto. Após a segunda e infrutífera tentativa, o milico dentista, sem a menor paciência, levantou-se da cadeira, abriu a porta e falou em tom grave e autoritário: _Senta ali naquela cadeira. Quando você deixar fazer o procedimento, bata na porta! Constrangida, saí dali para nunca mais voltar, desde quando obedeço milico? Até hoje o grosseirão deve estar me esperando ou aliviado com a minha ausência.
Rodando por muitos consultórios, achei o cirurgião dentista ideal para lidar com os meus temores. Além de uma santa paciência, possui muitos dons artísticos. Ele canta enquanto faz os procedimentos com uma voz de barítono empostada. O repertório, normalmente, são dos anos 50, 60 da MPB. Durante o atendimento puxa conversa sobre cinema, teatro, política, e ainda conta piada; acabo esquecendo o martírio contagiada por sua risada excêntrica, na iminência de um engasgo com a saliva acumulada na bocarra aberta. O pequeno homem com sobrenome de inseto, Formiga, puxa assunto e eu sem poder falar fico grunhido o diálogo que ele entende e ainda replica. Assim o tempo vai passando e os procedimentos vão sendo feitos. Antes, na sala de espera, e olha que a espera é grande! Deleito-me com as paredes coloridas por telas de artistas cearenses consagrados e dele próprio, que além de cirurgião dentista é ator, cantor e artista plástico.
Depois que pari, outro medo veio marcado na pele da maternidade, a tanatofobia. Não o medo da minha passagem para o outro plano, mas o da morte de um filho, que é recorrente não só a mim, mas a outros pais. Desse, sou convicta que só me curarei quando estiver indo para a cova sabendo que eles ficaram bem.
Nesses meses ilhada na minha casa e nas minhas coisas, tenho observado que de pouco tempo para cá, fico em alguns momentos ansiosa, ofegante e suando frio, do mesmo jeito quando estou na cadeira do dentista. O mal estar acontece quando penso em abrir o computador e checar as notícias do mundo, ou mesmo quando o meu telefone toca e sinaliza alguma mensagem. Meu coração dispara, o estômago dá um pulo e imediatamente o pensamento adoecido pelo momento tenebroso questiona: O que será dessa vez?
Infelizmente, quando sou contatada, fico sabendo de pessoas que adoeceram pelo Covid-19 ou que morreram devido a esse vilão invisível. Algumas passaram pela minha vida, seja no trabalho, nas rodas sociais ou mesmo na universidade. Lamentavelmente, para esse medo, ainda tão moço, não encontrei nenhum Formiga que o desfizesse cantando ou contando piada. Viva as cadeiras de dentista.
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