CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Daniele Barbosa Bezerra avatar

Daniele Barbosa Bezerra

Doutora em Educação (UFC), professora, pesquisadora de gêneros biográficos e memorialísticos, contista e cronista.

35 artigos

blog

O medo

Infelizmente, quando sou contatada, fico sabendo de pessoas que adoeceram pelo Covid-19 ou que morreram devido a esse vilão invisível

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Os estudos psicológicos nos esclarecem que o medo é uma alteração das emoções e dos sentimentos do indivíduo, de fundamental importância para a nossa autopreservação, muitas vezes nos livrando de correr riscos desnecessários. Minha mãe, que não era psicóloga, na sua sabedoria ancestral e temor materno, me dizia, em tom de preocupação, que eu deveria cultivar alguns medinhos para que eu corresse menos riscos. Sou um tipo arredia e selvagem que sai desbravando a vida e seguindo em frente, sem pensar nas pedras do meio do caminho. Se elas aparecem na minha caminhada, vou tratando de chutá-las ou brincar de Cinco Marias, um dos meus jogos prediletos na infância.

Todavia, como todos, tenho alguns medos. Poucos. O meu maior pavor ainda é o de ir ao dentista, a tal odontofobia. Quando tenho procedimento marcado, penso sempre em boicotá-lo, mas o senso do dever com a minha saúde acaba por  me coagir. Na cadeira odontológica, suo frio, coração dispara, a boca  trava e suplico por todas as anestesias possíveis, normalmente mais de uma, pois como se não bastasse, tenho uma certa resistência aos anestésicos.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Uma vez, eu estava num consultório odontológico, que ficava num hospital militar, tão apavorada que quando o dentista aproximou a broca da minha boca, segurei sua mão com força, me contorci e as lágrimas correram pelo rosto. Após a segunda e infrutífera tentativa, o milico dentista, sem a menor paciência, levantou-se da cadeira, abriu a porta e falou em tom grave e autoritário: _Senta ali naquela cadeira. Quando você deixar fazer o procedimento, bata na porta! Constrangida, saí dali para nunca mais voltar, desde quando obedeço milico? Até hoje o grosseirão deve estar me esperando  ou aliviado com a minha ausência.  

Rodando por muitos consultórios, achei o cirurgião dentista ideal para lidar com os meus temores. Além de uma santa paciência, possui muitos dons artísticos. Ele canta enquanto faz os procedimentos com uma voz de barítono empostada. O repertório, normalmente, são dos anos 50, 60 da MPB. Durante o atendimento puxa conversa sobre cinema, teatro, política, e ainda conta piada; acabo esquecendo o martírio contagiada por sua risada excêntrica, na iminência de um engasgo com a saliva acumulada na bocarra aberta. O pequeno homem com sobrenome de inseto, Formiga, puxa assunto e eu sem poder falar fico grunhido o diálogo que ele entende e ainda replica. Assim o tempo vai passando e os procedimentos vão sendo feitos. Antes, na sala de espera, e olha que a espera é grande! Deleito-me com as paredes coloridas por telas de artistas cearenses consagrados e dele próprio, que além de cirurgião dentista é ator, cantor e artista plástico.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Depois que pari, outro medo veio marcado na pele da maternidade, a tanatofobia. Não o medo da minha passagem para o outro plano, mas o da morte de um filho, que é recorrente não só a mim, mas a outros pais. Desse, sou convicta que só me curarei quando estiver indo para a cova sabendo que eles ficaram bem.

Nesses meses ilhada na minha casa e nas minhas coisas, tenho observado que de pouco tempo para cá, fico em alguns momentos ansiosa, ofegante e suando frio, do mesmo jeito quando estou na cadeira do dentista. O mal estar acontece quando penso em abrir o computador e checar as notícias  do mundo, ou mesmo quando o meu telefone toca e sinaliza alguma mensagem. Meu coração dispara, o estômago dá um pulo e imediatamente o pensamento adoecido pelo momento tenebroso questiona: O que será dessa vez?

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Infelizmente, quando sou contatada, fico sabendo de pessoas que adoeceram pelo Covid-19 ou que morreram devido a esse vilão invisível. Algumas passaram pela minha vida, seja no trabalho, nas rodas sociais ou mesmo na universidade. Lamentavelmente, para esse medo, ainda tão moço, não encontrei nenhum Formiga que o desfizesse cantando ou contando piada. Viva as cadeiras de dentista.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO