O ódio
Ao ódio reinante não basta contrapor o amor, seria idealismo, ingenuidade ou inocência. É preciso pautar um propósito político, logo societário e civilizacional, superior, concreto, material e realístico
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Na sua passagem da infância para a adolescência minha filha adquiriu um hábito vocabular que me provocava preocupação e incômodo. A cada situação desagradável ou de contrariedade lá vinha ela com frases iniciadas em “eu odeio” ou com sentenças terminadas em “que ódio!”.
Em determinado momento passei a repreendê-la pacienciosamente, sem maiores estribilhos. Dizia-lhe: “filha, o ódio é um sentimento muito ruim, nem em palavra ou pensamento devemos invocá-lo ou alimentá-lo. Troque por raiva, desprezo, fúria ou qualquer outro substantivo, mas evite, elimine, o uso do termo ódio de teu vocabulário”.
Com o tempo, após sucessivas correções, ela abandonou o uso de “ódio” em suas expressões e, mais e melhor, da sua índole.
Conto essa história íntima porque penso que estamos diante de uma realidade dura, difícil e ameaçadora. A elevação do ódio ao nível de mentalidade, ideologia e discurso naturalizados representa uma derrota severa dos princípios humanistas, racionais e éticos da sociedade.
Fere, inclusive, os valores amplamente presentes, influentes e dominantes das profissões de fé religiosa – as quais, queiramos ou não, fazem parte da formação e identidade de parcela majoritária da população.
A naturalização do ódio, sua aceitação e prática, tornando-o inclusive plataforma política não só para disputas eleitorais, mas também (e principalmente) para projetos de poder, é a marca terrível de tempos que parecem ignorar as experiências históricas ainda tão vivas e dolorosas.
Os terrenos, ou melhor, os territórios por onde o ódio transita e se potencializa parecem incluir ou envolver as modernas tecnologias de informação e comunicação, o que por si só é uma ironia mordaz e cínica, afinal é justamente a incapacidade, impossibilidade e indisponibilidade em comunicar-se (essa incrível característica do ser humano) que torna o ódio tão aprazível às mentes fracas ou tóxicas, aos corações maldosos ou insensíveis e aos espíritos ocos ou sombrios.
O post truth e as fake news se transformaram numa arena de gladiação entre as pessoas e suas fórmulas maniqueístas, intolerantes e excitadas funcionam em perfeita sincronia com o desenrolar das obsessões políticas e perversões econômicas. A incomunicabilidade entre os seres é a falência da própria humanidade, hoje um aglomerado de odientos, odiosos e odiados.
Há quem diga que tudo isso não tem novidade alguma, que a mentira, a enganação, a ganância, o preconceito, a violência, o autoritarismo, entre outras características fazem parte de uma suposta natureza humana. Nada mais falso e demagógico, pois na medida em que nos tornamos conscientes e capazes, adquirimos prerrogativas e responsabilidades que não podem se deixar frustrar.
Ao ódio reinante não basta contrapor o amor, seria idealismo, ingenuidade ou inocência. É preciso pautar um propósito político, logo societário e civilizacional, superior, concreto, material e realístico. A luta de classes não é um conceito calcado na revanche, é uma constatação científica que revela o conflito gerado pela existência de modos particulares de produção e reprodução da vida econômica e social em formações históricas variáveis, porém com um fio condutor comum: a propriedade privada dos meios de produção e a consequente divergência de interesses e necessidades entre os proprietários e os produtores.
Superar essa incongruência histórica só se dará por caminhos revolucionários, não haverá transição pacífica, mas isso jamais deve ser confundido com qualquer espécie de ódio, pois como vaticinou Ernesto Che Guevara, “ o verdadeiro revolucionário é guiado por fortes sentimentos de amor”.
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