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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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O partido-rede

"Quem compõe o 'partido', 'parte' orgânica que processa o conjunto de interesses das elites rentistas-burguesas do país?", questiona o advogado e ex-ministro da Justiça Tarso Genro

(Foto: Renato Rovai)
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Por Tarso Genro 

(Publicado originalmente no site A Terra é Redonda)

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“Introduzo na poesia\ A palavra diarreia\ Não pela palavra fria\Mas pelo que ela semeia\\ (…) No dicionário é mera palavra abstrata.\ Mais que palavra, diarreia\ é arma que fere e mata\ Que mata mais do que faca, \ Mais que bala de fuzil\ homem, mulher e criança no interior do Brasil\\(…) E sobretudo é preciso\ trabalhar com segurança\ pra dentro de cada homem\ trocar a arma da fome\ pela arma da esperança.”

Este poema de Ferreira Gullar, “A bomba suja”, zunia na memória como um relâmpago cortante nas noites de peste e morte, que se alastram no país insano. O poema de Gullar toca as cordas da alma generosa e faz pensar que este poder, na poesia, é o mesmo que irradia escolhas para decidir quem morre e quem vive, como se a sociedade tivesse uma porta sempre aberta para um campo de execução dos “sobrantes” no capitalismo em crise.

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Na sexta-feira, 17 de abril, uma conversa pública via internet com Benedito Tadeu, Miguel Nicolelis e Fernando Moraes, explicou-me com a inteligência destes companheiros de mundo, porque zunia o poema de Gullar. É preciso introduzir no debate – mesmo parecendo estranha obsessão – a palavra “partido” não como palavra fria, mas pelo que ela semeia. Penso que sem ela os tempos de cólera serão piores depois dos tempos da peste, pois seremos frágeis para trocar a arma da morte pela arma da esperança.

Introduzindo a palavra “partido”, vem a pergunta. Qual é o “partido” que nos domina e consegue se contrair e se expandir – romper-se internamente e reatar-se – sem perder sua organicidade de fundo, perante os temas conjunturais que deve enfrentar? Qual é o “partido” que consegue uma unidade férrea, nos temas-chave, tais como manter o poder do capital financeiro sobre a política nacional e processar as reformas ultraliberais?

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Certamente não é mais o “partido-tipo”, que se constituiu de forma explícita na legalidade democrática, vinculado a um programa formal, para cativar os grupos e setores sociais que os tornem majoritários nas competições eleitorais, com suas alianças e conveniências.

O partido “dominante” das classes dominantes, hoje, é aquele complexo de interesses em rede – de comunicação e virtuais – que concebeu retornar à origem da palavra partido. O Partido como “parte” da sociedade que se relaciona por “verdades” políticas e interesses materiais visíveis, que hoje torna os partidos institucionais-legais irrelevantes. Eles passam a ser meros canais de acesso ao conjunto de instituições, classes e setores de classes, que podem ser hegemonizados, mobilizados ou abandonados, segundo as suas conveniências de poder.

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O maior ou menor sucesso dos partidos formais – conservadores, direitistas ou meramente oportunistas – depende do acolhimento deste “partido” – articulado organicamente dentro da legalidade vigente- que tem capacidade dirigente superior como órgão ideológico dirigente, sobre os próprios partidos institucionais, cujas lideranças se tornam pura formalidade, assentada no clientelismo interno das já velhas organizações políticas do Século XX.

Quem compõe este “partido”, “parte” orgânica que processa o conjunto de interesses das elites rentistas-burguesas do país? E como ele organiza seu Comitê Central – que se contrapõe aos partidos democráticos, de esquerda ou centro esquerda – que mantém as suas velhas formas de operar a política dentro de uma tradição republicana mínima? Penso que a sua composição é atípica dentro da tradição política da modernidade e as suas relações de comando e execução são integradas por “nós” de relacionamento horizontal, cuja ideia comum para viabilizar um novo ciclo de acumulação, é a destruição do Estado Social.

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Seus integrantes mais potentes são os seguintes: o baronato do oligopólio da mídia, frações dos partidos tradicionais, lideranças fortes dos empresários locais e globais –articulados com intelectuais da elite conservadora – dotados de um enorme poder econômico e comunicacional; parlamentares vinculados ao neoliberalismo, think-tanks” nacionais e internacionais e grupos religiosos fundamentalistas, ramificados em diversas organizações da sociedade civil e nos partidos. Eles formam a rede de poder que o “partido novo tipo” da dominação global, que na era do capital financeiro se sobrepõe aos Estados e administra as suas crises.

A agenda política deste “bloco” é processada por dentro do oligopólio das comunicações que se disputam influências sobre poder político entre si –como fazem neste momento – mantêm e induzem a pauta irrenunciável das “reformas”. A estabilidade desta agenda, cuja manutenção é a “lei de bronze” para a saída da crise depois do vendaval, é o que hoje ainda mantém Bolsonaro no poder. Seu mandato é refém deste “partido orgânico da dominação ultraliberal”, que foi obrigado a criá-lo, com a sua política necrófila ao contrair compromisso com as reformas que ele antes deplorava.

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O moderno “partido” orgânico e plural da dominação – que se alastra e se contrai segundo os temas econômicos em curso – tem o seu Comitê Central. Este ata os nós das redes políticas e culturais contraditórias, quanto às agendas que devem ser tocadas com prioridade e ao mesmo tempo bloqueia as possibilidades de compartilhamento republicano do poder. Este só deve ser aberto a quem se identifica com o reformismo ultraliberal e não ouse testar novas saídas para o Brasil, fora dos esquemas primários de Hayek e Friedmann.

Seu keinesianismo de ocasião visa dar solidez a uma saída liberal-rentista que não hesite (após a tempestade e depois de se livrarem do grupo fascista que ajudaram a prosperar) – não hesite– em destruir o Estado Social. Os partidos de esquerda e centro esquerda, trabalhistas, sociaisdemocratas e comunistas, mesmo setores centristas democráticos – em nome do humanismo universal – devem compor uma ampla frente de defesa sanitária e da democracia no país. Mas também devem ter consciência que as suas propostas programáticas precisam ser atualizadas e que seus modos de relacionamento social – seus discursos em busca de novas utopias e a sua visão da estrutura de classes da sociedade não têm mais o vigor de antigamente.

O mundo do trabalho ainda é a base da emancipação humana e de qualquer projeto democrático moderno, mas as formas de organização da produção, as transformações tecnológicas e culturais e os modos de interferência na formação da consciência social são diferentes daquilo que vivemos no passado. Não é de graça que o poder político atual conseguiu fazer uma pesada reforma trabalhista com uma brutal extorsão de direitos, sem colocar nada “protetivo” em seu lugar, com total complacência das classes trabalhadoras adormecidas nos seus Sindicatos.

Ao partido orgânico do liberal-rentismo, horizontal e descentralizado, logo re-centralizado (dependendo da disputa em curso) os partidos da esquerda – do socialismo, da socialdemocracia, do republicanismo democrático – devem opor não só pontos concretos anticrise do coronavírus, mas também, para depois da crise, um programa mínimo de unidade contra o fascismo e um programa econômico de salvação da economia, em defesa do emprego, da soberania e da democracia.

Para isso, devemos tomar o exemplo organizativo dos inimigos do Estado Social e das liberdades democráticas: iniciar a formação frentista de um macro partido-rede, no qual cada organização política não perca as suas características, mas que passe a operar – em cada cenário crítico da disputa – de maneira combinada e harmônica. É a hora da utilização do poder convocatório das nossas principais lideranças, para a formação de uma nova maioria política em defesa do Brasil. Introduzo, portanto, a palavra “partido”, para que pensemos na esperança com novas formas de organização e cumplicidade humanística, perante o desastre social que nos assola e a morte física e política que nos espreita.

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