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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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O precariado contra-ataca

A luta dos precarizados passa por foçar as empresas que utilizam este tipo de trabalhador a reconhecerem que o que elas chamam de “colaborador” é, de fato, seu empregado que possui direitos trabalhistas. Viva a greve dos entregadores de aplicativos!

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No dia 1 de julho de 2020, foi realizada a primeira greve dos entregadores de aplicativo de entrega. O movimento deu demonstração de força ao reunir grandes aglomerações em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Salvador, Recife e outras cidades Brasil afora. Outra greve já está sendo organizada para o dia 11 de julho.

As principais reivindicações dos grevistas são o aumento da taxa mínima e do valor pago por quilômetro rodado nas entregas, o fim dos bloqueios indevidos, o custeio de equipamentos de proteção individual (EPIs) durante a pandemia, vale-refeição e seguro contra roubo, acidente e de vida.

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Os entregadores recebem um real por quilômetro rodado. Os dias em que o entregador não trabalha não recebe e isto o obriga a não tirar nenhum dia de descanso por semana. Os entregadores acusam os aplicativos de os obrigarem a trabalhar sexta, sábado o domingo, sob pena de sofrerem desligamentos ou “bloqueios brancos” – o aplicativo deixa de solicitar o trabalho do entregador em represália à recusa em trabalhar nestes dias - ou desligamentos indevidos.

Em entrevista ao site Infomoney, um entregador declarou receber dois mil e quatrocentos reais brutos por mês, trabalhando dez horas por dia de domingo a domingo. O pagamento recebido pelos entregadores deveria assegurar a sobrevivência deles e a de sua família, deveria cobrir as despesas de custeio dos entregadores e todas as outras necessidades desses trabalhadores. Contudo, a realidade dos entregadores está bem distante disso.

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Embora a demanda dos aplicativos tenha aumentado duas vezes e meia entre abril e maio de 2020, o valor pago ao entregador diminuiu. O lucro da empresa aumentou, aumentou a demanda de trabalho para o entregador, mas o valor pago pela entrega diminuiu, obrigando o entregador a trabalhar mais horas para receber o que recebia antes da pandemia. 

Estudo recentemente publicado, entrevistou 298 entregadores em 29 cidades. Os dados compilados mostram que a porcentagem dos entregadores entrevistados que trabalham nos segmentos entre nove e dez horas, entre onze e doze e mais de quinze horas por dia aumentou de 45,19% para 52,96%. A porcentagem daqueles que trabalham até oito horas por dia diminuiu de 43,33% para 35,92%. 

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Os aplicativos alegam que os entregadores não trabalham para eles, já que são autônomos, “empreendedores”, “microempresários”. Contudo, a relação que os próprios aplicativos estabelecem com os entregadores é regulamentada pelos próprios aplicativos que, na prática, atuam como patrões. Se os entregadores não fossem empregados dos aplicativos eles poderiam estabelecer quando, onde, a carga horária e em que dias eles trabalhariam. Como bem enfatizou Gregório Duvivier em um Greg News intitulado Delivery, se os entregadores não são empregados dessas empresas, estas não deveriam divulgar em seu material de marketing e propaganda que realizam milhões de entregas mensalmente porque, afinal de contas, quem faz a entrega é o entregador e não o aplicativo, já que este não emprega ninguém. Se são os aplicativos, por meio dos entregadores, que realizam as entregas, então, estes realizam as entregas para as empresas e fica caracterizado, para todos de boa-fé, que os entregadores trabalham para as empresas que lucram com a mais-valia extraída do trabalhador em cada viagem realizada durante sua jornada de trabalho.

O valor repassado aos entregadores não é mais suficiente para assegurar a reprodução social destes e aí se acirra uma contradição do capital: o patrão, os aplicativos, quer aumentar seus lucros, mas o entregador não trabalha porque gosta ou porque o empregador é gente boa. Ele trabalha porque precisa assegurar a reprodução social sua e de seus dependentes. Se o trabalho não lhe assegura mais esta reprodução ou o trabalhador muda de patrão ou o pressiona por meio de luta política para reduzir sua margem de lucro e aumentar o valor do trabalho. Mudar de patrão não é fácil, embora a reforma trabalhista realizada pelo governo golpista de Michel Temer alegue que a relação de trabalho entre patrão e empregado se realize entre dois entes em igualdade de condições que têm liberdade de negociação. O Brasil está em recessão e o número de trabalhadores desempregados só aumenta. Poucos setores da economia estão contratando e entre os que ainda contratam estão os aplicativos de entrega. Não há muita muitas opções para o trabalhador se este optar por mudar de emprego. Resta-lhe pressionar seu patrão por melhores condições de trabalho.

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O capital vive da apropriação do trabalho não pago. Quanto mais precarizado for o trabalho e menos direitos gozar o trabalhador, mais o capital cria e se apropria do trabalho não pago e aumenta sua margem de lucro. Dentro de certas circunstâncias, o ideal para o capital é que este trabalho não pago, a mais-valia, seja apropriado com o aumento das horas trabalhadas, e assim temos a chamada mais-valia absoluta. Quando o aumento das horas trabalhadas é associado à diminuição do salário do trabalhador, o capital reproduz-se mais rapidamente e de maneira mais segura.

Este é o quadro que regula a relação de trabalho entre os entregadores de aplicativos e seu patrão que, como já afirmamos, se recusa a se reconhecer enquanto tal. O patrão, os aplicativos, vem diminuindo o valor pago pelo trabalho dos entregadores, embora tenham aumentado os custos da gasolina, dos insumos e dos serviços necessários para se manter as motocicletas e as bicicletas dos entregadores funcionando e em condições de trabalho.

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A exploração do trabalhador tem um limite que é imposto por este ao patrão. Neste processo, o trabalhador vai adquirindo consciência de classe e organizando-se para lutar contra o patrão por melhores condições de trabalho, para vender sua força de trabalho por um valor maior. Por isto o patrão, cada vez mais, substitui a mão de obra humana por robôs. Robô não reclama da quantidade das horas trabalhadas e não fica doente. O custo de manutenção de um robô é menor do que o custo de manutenção de um trabalhador.
Os entregadores tentam impor limites à exploração de seu trabalho. 

Seria importante as centrais sindicais ou o sindicato dos entregadores desenvolverem um aplicativo de entrega onde o dinheiro arrecadado fosse dos entregadores e lhes fosse assegurado aposentadoria, plano de saúde e tudo o que a categoria reivindica.

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A nova paralisação no dia 11 de julho fortalece o movimento porque cria empatia entre eles e organiza o movimento e a luta. Ela alcançará tanto mais sucesso quanto for o grau de participação dos entregadores e dos consumidores, evitando utilizar os aplicativos de entrega.

Nesta etapa em que capitalismo se encontra, o empregado torna-se “colaborador” e mantém vínculo empregatício formal muito frágil com as empresas para as quais trabalham, sobretudo as do setor de serviços. Algumas das maiores companhias mundiais em seus setores possuem muito poucos empregados com vínculos trabalhistas em suas atividades-fim. A grande maioria dos trabalhadores da maior empresa de transportes do mundo, a Über, não mantém nenhum vínculo empregatício com ela. O mesmo acontece com a maior empresa de hospedagem do mundo, a Airbnb, que não emprega ninguém. Uma categoria caminhando rapidamente para uma relação de trabalho precarizado como este é a dos professores. Que estes organizem-se enquanto ainda é tempo.

A luta dos precarizados passa por foçar as empresas que utilizam este tipo de trabalhador a reconhecerem que o que elas chamam de “colaborador” é, de fato, seu empregado que possui direitos trabalhistas.

Viva a greve dos entregadores de aplicativos!

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