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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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O que falta para o impeachment?

Alguns acham que não é hora de pensar em impeachment, pois não há “correlação de forças” ou “não temos mobilização suficiente”, muito menos “maioria no Congresso”. Penso que o ponto não é esse. Alinho-me, obviamente, com aqueles que defendem que nunca vai existir “correlação de forças” de maneira propícia.

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Um dia, se indagado por que Bolsonaro foi eleito presidente da República, eu direi que a história é longa e com relação a autoritários, tenho-os na conta apenas de imbecis. É que a minha atitude com tiranos é uma só: eles de um lado e eu do lado oposto.  

Bolsonaro faz velha política há mais de 30 anos. Sua passagem pelo Exército foi desprezível. Quando era tenente, arquitetou com um colega um plano para explodir bombas em quarteis e explodir a adutora do Guandu, no Rio. 

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Quando era deputado, Jair Bolsonaro defendia o fim do Bolsa Família e embolsava auxílio-moradia enquanto tinha apartamento próprio em Brasília. Colocou o coronel Ustra no patamar de “herói nacional”, exatamente porque se tratava de um torturador da época da ditadura. Na campanha eleitoral para presidente, em Juiz de Fora (MG), mal arrancada a faca de sua barriga, já estava postando foto com gesto de atirar em cama de hospital. 

No distanciamento social forçado pelo coronavírus, em meio de uma pandemia com altíssimo número de mortes no país, o atual mandatário se agarra ao descaso acima de tudo. O tal do “e daí?” e o “não sou coveiro”, atestaram a insuficiente formação dele em educação humanitária básica.

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Irresponsavelmente, o presidente minimizou as recomendações da OMS. Não estimulou o desenvolvimento de um protocolo sério para o tratamento da doença. Limitou-se a fazer campanha em prol da hidroxicloroquina como remédio milagreiro em casos de Covid-19, mesmo sem comprovação de eficácia. Mais: preferiu fazer piada na data em que o país registrou mais de mil mortos em 24 horas (aqui).No domingo de 3 de maio, na rampa do Palácio do Planalto, o presidente vociferou: “Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade, também estão ao nosso lado” (aqui). 

A experiência grega, que nos legou a palavra “democracia”, aparece na boca de Bolsonaro, que nem sequer esclarece a que veio a Constituição de 1988, nem qual democracia se pretende (?) no Brasil, muito menos quem é esse povo (?) que ele tanto fala. Aliás, o “povo está conosco” é de uma obscuridade horripilante. A menos que se ilustrasse esse “povo”, em uns 30% de cabeças. 

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E no meio desse agrupamento de 30% de cabeças despolitizadas (ou mal politizadas pela propaganda de extrema-direita), há os que parecem ter até um certo tipo de vício emocional em torno de Bolsonaro. Por conta disso, essas cabeças são estimuladas por ele na vida cotidiana. Fazem carreatas e esbravejam insultos e agressões a enfermeiros e jornalistas de forma repetitiva. São neuróticos por estarem fixados em certo tipo de tema específico como prepotência e certeza, algo que parece até uma espécie de “Síndrome de Estocolmo”, em que a vítima, por um estado psicológico particular, deixa-se convencer inteira e irremediavelmente pelas verdades de seu agressor.A continuidade de Bolsonaro no cargo se torna cada dia mais grave. Seria impossível ignorar os crimes de responsabilidade cometidos por ele. Além de não ter uma proposta clara para os problemas do país, vê-se que ele não se importa com o que está previsto na Constituição. E assim avança com a sua proposta autocrática de todo fim de semana reunir algumas cabeças em Brasília, a fim de fazer ameaças e boicotar o combate à pandemia. É hoje um político que se alimenta do caos e age apenas de modo a segurar as cordas a mover marionetes de camisa amarela. Desde o golpe de 2016, o Brasil não virou a chave. Em 2018, o país passou por uma eleição viciada em fake news. Depois veio um governo fascistoide. Hoje estamos longe de uma democracia plenária. Basta partir de conceitos e teorias mais exigentes de democracia para avistar que convivemos sob um regime mesclado, entre uma democracia danificada e um autoritarismo que gradualmente se estabelece.A OAB Nacional considera inevitável subscrever um pedido de impeachment contra o atual presidente da República (aqui). Aliás, na última quinta-feira (21), a Câmara recebeu o primeiro pedido coletivo para afastar o mandatário. Partidos de oposição (PT, PCdoB, Psol e PCO, de um total de sete da oposição) e cerca de 400 entidades da sociedade civil, associações de professores universitários e grupos ligados a direitos da população LGBT, por exemplo, assinaram a peça de 75 páginas (ler aqui). É o 36º pedido de impeachment a chegar na mesa de Rodrigo Maia, presidente da Câmara.

Alguns acham que não é hora de pensar em impeachment, pois não há “correlação de forças” ou “não temos mobilização suficiente”, muito menos “maioria no Congresso”. Penso que o ponto não é esse. Alinho-me, obviamente, com aqueles que defendem que nunca vai existir “correlação de forças” de maneira propícia. 

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Nada obriga Rodrigo Maia, que preside a Câmara, a decidir em um prazo definido. Mas ocorre que ele está encurralado. Se Maia arquiva o pedido, teremos a comprovação de que ele está acorrentado à ideologia de Bolsonaro. Se o pedido é acolhido e o procedimento segue, o risco é o de não atingir os 342 votos necessários para tirar Bolsonaro da cadeira presidencial. 

O quadro é, sem dúvida, extremamente complexo e o conteúdo do vídeo da reunião no dia 22 de abril ajuda a embaralhar o momento, pois escancarou de vez a face agressiva do governo. O presidente da República confessa o desejo de que toda a população se arme para reagir a decisões de autoridades. Estaria ele pensando em guerra civil? 

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Mesmo sabendo que o presidente Bolsonaro foi às compras e já tem como aliado o “Centrão”, subgrupo que troca votos por cargos, ainda assim é uma obrigação formalizar o pedido de deposição do mandatário. Por quê? Porque se a legislação define parâmetros, violadas os requisitos legais, há, sim, que se falar em impeachment. 

O que está previsto no inciso II do artigo 85 da Constituição não comporta relativismos. O mesmo se diga quanto a exigência de decoro que está inscrita na Lei n. 1.079, de 1950, art. 9º, notadamente o item 7. Os delírios de Bolsonaro atingiram um grau tal que ignorá-los seria consentir com o agressor. Bolsonaro terá de responder extensivamente sobre os episódios em que violou a Constituição e outras agressões à lei de número 1.079, de 1950, desde o ato de ofender a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, até a ação de sair em defesa de golpe militar e atentar contra a saúde pública e discursos contra o STF, só para ficar nestes quatro exemplos, uma vez que o número de agressões à ordem legal é enorme (aqui). 

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Se a alguns anos atrás tínhamos que enfrentar o passado para agasalhar a jovem democracia, agora temos que enfrentar o presente para termos, quem sabe, um futuro melhor. A necropolítica não pode triunfar.

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