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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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O que suponho que Lula deveria dizer

A resposta a ser dada pode vir -por exemplo- da assumida pela Senadora Elizabeth Warren (“Eu , Fim de Semana”, “Valor”,14-15 nov. Helena Celestino), “que move multidões ao propor uma taxação maior aos super-ricos, mas assusta com a ideia de garantir saúde de graça para todos”.

O pânico da direita com as palavras de Lula (Foto: Stuckert)
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Carlyle dizia que a “história do mundo é apenas a biografia dos grandes homens”. Exageros à parte, as diversas teorias e filosofias da História com credibilidade intelectual -de Plekanow a Toynbee, de Nietzsche a Marx- sempre reservaramparte da suas abordagens sobre os processos históricos ao papel dos “heróis”, tomados como “grandes homens” independentemente do tipo que caracteriza a “grandeza”.

O Governo democrático e popular que pensávamos em 88 realizou-se em 2002 como um Governo Democrático, centrista e progressista, que respeitou rigorosamente as “regras do jogo” democrático e conseguiu melhorar as condições de vida do nosso povo, prestigiou a Constituição e deu solidez ao nosso prestígio internacional, como em nenhuma outra época da nossa História. Deve-se isso à liderança de Lula, ao respeito que àquela época o ex-Presidente FHC impregnou na transição e ao talento político magnífico de  Lula. Ele é o nosso “grande homem” e o que ele diz e faz é também da nossa conta e responsabilidade.

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Assim como Bolsonaro é o”grande homem” de uma parte da população que, enganada ou conscientemente cultua a tortura e a morte como solução para os litígios políticos do Estado Democrático de Direito, Lula é o “grande homem” do acordo, da compreensão da correlação de forças para governar com respeito e autoridade dentro da democracia. Só que a nossa herança, a democracia e os pobres entrando na Casa Grande, pode ser varrida pelo fascismo,

Pela visão de Carlyle, D.Pedro II e Deodoro, Getúlio e Juscelino, Castelo Branco e Ulysses, Lula e Fernando Henrique – pelo papel forte que tiveram em determinados períodos da nossa história- seriam “grandes homens”, que moldaram nossa vida nacional nos seus respectivos tempos.

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Um livro de intelectuais e filósofos peronistas (“Que es el peronismo – una resposta desde la filosofia”, Ed. Outubre, 2O14, 377 pgs.) trata deste viés das concepções da história, a partir da vida política e pessoal do “grande homem” -neste sentido- que foi Juan Domingo Perón, na Argentina do século passado, tomando-o como modelo de “grande homem” latino-americano a quem deve  a Argentina
o que ela tem de melhor.

A “condução política” e a “valorização cultural” dos territórios -nos quais os “grandes homens” atuaram- seriam os elementos primários considerados para compreender o efetivo papel que aqueles “grandes” exerceram”, nas condições sócio-culturais que lhes formaram enquanto líderes. Assim, a visibilidade de um “céu iluminista” com as estrelas da inteligência ilustrada -acessível para os “grandes homens europeus”- influíram na moldagem específica, jurídica e econômica, que eles instauraram nos seus respectivos Estados Nacionais.

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Este céu iluminista, entretanto, transplantado para periferia do sistema global, gerou -segundo estes intelectuais peronistas- uma “autoconsciência” que acompanharia os processos de formação dos novos Estados da periferia. Neste espaço periférico, líderes locais promoveram a referida “autoconsciência”,
não como pura imitação -mas como apelo aos demais líderes- para “recuperar e compreender o valor da cultura popular que, nos marcos do país iluminista era, e é, não só deixada de lado -pelo predomínio da cultura ‘purista’ e racionalista extrema- mas também (por ser) depreciada (na Europa)”.

Aí estariam as raízes da implantação do peronismo na alma argentina, com suas barbáries e grandezas: de Perón a Isabelita, de Câmpora às pandilhas fascistas e assassinas de Lopez Rega. A adaptação do iluminismo a um “grande homem” local teria promovido a vertebração dos Estados modernos locais, mediada pelo encontro entre “cultura popular da resistência x civilização colonial iluminista”. Seria o conflito permanente pelo qual se disputaria na Argentina, até hoje, a sua chegada à modernidade madura do Estado Social.

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A luta política é uma das mais curiosas e relevantes atividades (“praxis”) humanas, que nos distingue da animalidade pura. A nossa luta -para afirmação e reprodução da espécie na nave Terra- percorre um
infinito indeterminado e nós, na superfície desta nave, vamos afirmando nossos desejos, misérias e grandezas: somos indivíduos feitos de “cal, desejo e sangue”.

Erros e acertos, paixões e desapreços,  são produtos também deste encontro permanente, entre golpes e revoluções, revoltas, morticínios e chacinas. É a Argentina, a América, o Brasil colonial e escravista, que foi herdado pelas nossas classes dominantes, sumulado por Machado de Assis no seu conto genial, “Pai contra Mãe”, escrito 18 anos após o fim da escravidão.

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A curiosidade atual, neste caminho da esquerda que não desistiu de lutar por um mundo melhor possível, é a exigência de que Lula faça uma “autocrítica” dos seus governos, proposta principalmente dos que apoiaram o golpe contra Dilma. Na imprensa e nos partidos eles ajudaram a formar um Governo composto por religiosos do dinheiro, milicianos e fascistas, que envergonha o Brasil no mundo. Agora não se cansam de pedir uma autocrítica de Lula sem se envergonhar do que nos legaram: Ernesto Araujo, Weintraub, Bolsonaro, Queiroz, Witzel e os milicianos no poder -a crise profunda do Estado de Direito- e a fragilização de todas as instituições do Estado que protegem os direitos fundamentais.

Organizaram uma chacina social, com suas reformas “à chilena” e que terão (não duvidem) resultados “à chilena”, no campo das relações sociais e da política. Mesmo assim querem uma autocrítica de Lula e agem como se o processo político fosse um culto fundamentalista, no qual os demônios são expulsos por uma catarse que sempre termina na contribuição em dinheiro para os donos da religião. No caso da “autocrítica” de Lula -todavia- terminaria numa contribuição política para fazer esquecer a tragédia moral e política que eles representam para o Brasil no Século XXI.

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Não integro mais a direção do PT e sou divergente de uma boa parte da linha adotada pela nossa Direção Nacional – sem deixar de reconhecer seus méritos, por dois motivos fundamentais: primeiro, porque ela não processou um debate interno, “aberto” à sociedade civil democrática, para analisar em profundidade
– durante os últimos anos –  quais foram as condutas – na economia e na política – que “facilitaram” os procedimentos individuais de continuidade – não de “inauguração” como diz a direita craque em corrupção- de métodos oligárquicos de governabilidade; segundo, divirjo também porque a atual hegemonia interna no PT não nos conduziu para uma discussão madura – em tempos de crise global do sistema do capital – sobre qual o projeto que devemos à sociedade, após a brutal “desindustrialização” dos últimos 10 anos, que não permite qualquer recuperação gigantesca do emprego, a curto prazo, como parece propor Lula, após a sua saída do cárcere.

A primeira pergunta diz respeito ao Partido político que, durante o Governo, deveria propor condutas a quem estava no Governo -pelas suas direções colegiadas- num cenário histórico de alta complexidade, gostassem eles (lideres governantes) -ou não- das orientações produzidas pelo Partido político, que deveriam ser ofertadas abertamente, como propostas concretas para elidir a crise, especialmente durante os Governos Dilma.

A segunda pergunta diz respeito ao que deveria ser dito, ao líder mais importante, que encarnava -mesmo preso num processo político (mas preso)-  as melhores possibilidades do projeto petista. E assim tratar de contribuir, mesmo discordando dele,  para potencializar  o seu papel na História da forma mais ampla da que pode ser vista das janelas do seu cárcere. Eximido-se dessa responsabilidade o Partido reservou para si apenas o papel de um prolongamento burocrático das palavras do líder injustamente preso.

As respostas a estas perguntas estão vinculadas às propostas imediatas que devemos oferecer -em conjunto com a esquerda e o centro progressista que ainda resta no país- para conversar com a ampla maioria dos chamados “pobres de direita” (designação humilhante e injusta com os mais oprimidos), precários, intermitentes, desempregados, meio-jornadistas, que estão fora da classe trabalhadora tradicional, mas são a base popular do proto-fascismo em curso no país. Os trabalhadores majoritariamente hoje formam um contingente muito maior do que a classe trabalhadora tradicional resguardada pelas normas da velha CLT

A resposta a ser dada -opino- revoga a designação “democrático-popular”, que está na base das elaborações estratégicas que fizemos nas últimas duas décadas, como tentativa mal-sucedida de não parecermos assemelhados aos enjambramentos autoritários que os “soviéticos” implantaram nos países
do Leste Europeu. A resposta a ser dada pode vir -por exemplo- da assumida pela Senadora Elizabeth Warren (“Eu , Fim de Semana”, “Valor”,14-15 nov. Helena Celestino), “que move multidões ao propor uma taxação maior aos super-ricos, mas assusta com a ideia de garantir saúde de graça para todos”.

Warren propõe a tributação dos 1% mais ricos do país, que detinham 8% do PIB e “agora detém 22% de toda a riqueza” dos EEUU, taxação que atingiria 175 mil pessoas e empresas e que aportariam recursos ao Estado -por exemplo- para promoverem cuidados integrais a todos os bebês de zero a quatro anos, reduzirem pela metade a dívida das famílias com o crédito educativo, aportando -ainda- recursos que poderiam manter sem pagamento, na Universidade -por 4 anos- todos os que quisessem estudar e ainda permitiriam aumentar, significativamente, os salários de todos os professores americanos.

Estes exemplos concretos serviriam para dar sustentação a uma social-democracia novo tipo e mais democrática -na era do capital financeiro dominante, que se oponha à extração de recursos feita pelos diversos tipos de “rentismo” (incidiria nos EEUU sobre fortunas acima de 50 milhões de dólares) que é sobreposto como um sistema de confisco que rouba renda de toda a sociedade, inclusive das empresas capitalistas da indústria tradicional.

Celso Furtado foi um “herói” e “um grande homem”, assim como o nacional-desenvolvimentismo foi uma importante elaboração estratégica de um grande período de lutas. Suponho todavia que hoje, o que resgata para o futuro a ideia primária de um projeto socialista contemporâneo é a ideia de tirar dos ultra-ricos seus excedentes, que são supérfluos até para manterem seus modos de vida abastados, para assim integrar -socialmente- as grandes maiorias populares que estão fora do jogo, tanto da vida comum, como da própria democracia política em crise.

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