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Helena Iono

Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

122 artigos

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O significado estratégico e organizativo do pronunciamento de Lula e o seu papel fundamental como liderança

Já passou da hora para se constituir uma alternativa midiática, pública e aberta, unindo todos os meios de comunicação da esquerda

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Por Helena Iono

O fato em si da decisão judicial de Fachin de anulação dos processos contra Lula, seguidos pela declaração dos juízes Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski da segunda turma do STF sobre a suspeição de Moro, foi o primeiro abalo deste terremoto de grande magnitude no esquema da Lava Jato e do lawfare no Brasil.  Mas o maior tremor, com repercussão mundial, veio depois com o discurso de Lula na coletiva de imprensa, ocupando ao vivo as telas das Redes Sociais e em parte das grandes redes de TV nacionais, as manchetes de todos os jornais do planeta, e particularmente da Telesul latino-americana (com tradução simultânea) por três horas.

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Lula, naquele 11 de março, da tribuna do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, encarnou tudo num só homem: o guerreiro, o estadista experiente, o dirigente operário de massas e o líder político de transcendência internacional. Lula, em três horas, em discurso comovedor, representou um alto nível de vontade, revolta contida e consciência do povo brasileiro que, pela Pandemia e limitações da própria esquerda nos últimos anos, não conseguiram ainda se manifestar.

Mal apitou o juiz , Lula sai do banco de reserva e já entra em campo, com a sabedoria de David para derrotar o troglodita no poder. Falou como um estadista, como se fosse o Presidente em exercício, repropondo um projeto de nação, o renascimento da Pátria Grande da América Latina. Oxigenou o clima político e deu esperanças a um povo em situação de miséria e tragédia sanitária orquestrada pela gestão criminosa de Bolsonaro, com o Brasil reduzido ao epicentro da Pandemia mundial. Lula falou como o presidente real, Bolsonaro ficou insignificante! 

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Lula, reelegível, não fala em eleições, nem fala como candidato presidencial para 2022. Lula fala como único líder nacional para sacudir as organizações políticas e mobilizar a população trabalhadora e, hoje e já, sem perder tempo. Dá a entender que não se pode, e nem vai esperar 2022. Lula falou com o coração, com o olhar sereno dos justos e as palavras simples do povo. Fez um discurso histórico, completo, para o povo brasileiro, sem olhar para consequências pessoais. Deu o combustível para mobilizar e partir para as caravanas. Citar o Papa Francisco que hoje abala o Vaticano e fala de “Pão, Paz e Terra”, não é um simples reconhecimento, mas também um estímulo à retomada da luta das comunidades eclesiais de base, dos teólogos da Libertação – da estatura de Leonardo Boff e do padre Lancelotti – , para que saiam dos templos e voltem a ocupar o espaço, entre as massas populares, que foi tomado pelas correntes evangélicas obscurantistas e agentes do imperialismo.

Lula reivindica o papel histórico dos trabalhadores e a atuação política dos sindicatos

Lula faz um convite à luta. Escolheu  voltar ao seu berço político, de operário e sindicalista, para dirigir-se ao povo brasileiro e deixar claro que os trabalhadores e os excluídos são decisivos nas transformações sociais. Fez questão de ressaltar o sentido da volta ao sindicato dos Metalúrgicos do ABC: aí foi que decidiu promover um salto político às lutas, uma revolução sindical e criar um Partido, do e para os trabalhadores. Consciente do seu papel histórico:  “Então eu digo que eu sou o resultado da consciência política da classe trabalhadora. Na hora que ela evoluiu, eu evoluí”.  Quando Lula criou o PT nos anos 78, foi algo grandioso para a América Latina, que transformou-se no  maior partido de massas na região que, nos seus primórdios defendeu um programa de transformações, garantias sociais, e de soberania nacional.  Pode-se discutir se esse PT é ainda o mesmo, após ter governado a Nação, com todas as implicações de ser partido de governo. Mas, o certo é que a reconstrução deste PT enquanto partido progressista e de massas depende mais que nunca de Lula, e ele ainda é o seu líder central.

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Ao tentar recuperar as suas raízes, Lula enfoca sua razão original: politizar e conscientizar o povo; seja através do partido, ou de todas as forças que o transcendem nos movimentos sociais e sindicais. Não recompor este vínculo perdido em grande parte com as massas seria o início de uma nova derrota. Lula agradece a força propulsora dos movimentos sociais como o MST, MTST, MAB, dos Comitês Lula Livre, dos militantes da Vigília de Curitiba, intelectuais, advogados e tantos outros que resistiram ao golpe até recolocá-lo na tribuna. Mais que um agradecimento, é um impulso a dinamizar o vínculo e a mobilização social.

As  novas gerações esperam por um Lula mais radical; que vá à raiz dos problemas sociais do Brasil; com diálogo político e alianças, sim, mas com independência e garantias para os direitos dos trabalhadores, com programa para reconstruir a nação e reconquista da soberania nacional. Isso não é impossível na crise financeira e capitalista global destes tempos e o início do fim do lawfare. A correlação de forças vai mudando pela crise do Capital, e permite colocar na pauta o fortalecimento do Estado. Lula acena para a burguesia produtiva uma política de incentivo às indústrias, ao pequeno e médio comerciante e ao produtor agrícola, garantindo-lhes o mercado interno, defendendo salário e emprego por meio do fortalecimento do Estado. Repudia o liberalismo selvagem, concentrador do poder financeiro e das oligarquias exportadoras, que atuam em detrimento da indústria e da burguesia local.

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Lula acena em vários pontos que poderá ser mais radical. Citou os debates do qual participou nos BRICs sobre a necessidade de uma nova moeda com a Rússia e a China contra o dólar, que hoje já é uma realidade. Enfocou a questão da Petrobrás, da descoberta do Pré-sal, do golpe contra Dilma. Disse referindo-se aos EUA: “É preciso não ter petróleo aqui nas mãos dos brasileiros, é preciso que esteja nas mãos dos americanos porque eles têm que ter o estoque para a guerra. Depois da 2a. guerra mundial eles aprenderam que só ganha a guerra quem tem muito estoque de combustível”.  ...”Nós criamos os BRICS, o Banco do Sul. O Brasil tinha um projeto de nação. O Brasil tinha um projeto de soberania. Faz 500 anos que nós fomos descobertos. Quando é que vamos tomar conta do nosso nariz?”.... Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença para o governo americano? 

A reabilitação de Lula e a ofensiva contra o lawfare na América Latina

Neste contexto, Lula amadureceu não só com os revezes que a sua prisão significou, mas com as lições de seus irmãos vizinhos golpeados pelo lawfare na Bolívia, que resultou  no golpe encabeçado por Jeanine Añez, no Equador com a grande traição de Moreno ao correismo, e na Argentina com o governo neoliberal radical de Macri, todos fenômenos interligados. As novas correlações de força nesta etapa na região latinoamericana estão mudando esta situação. A prisão da autoproclamada ex-presidenta, Jeanine Áñez, indica que a Justiça boliviana caminha rumo a um “Nunca Mais”. A história ensina a não repetir os erros. Com o mesmo sentido o ex-ministro, Roberto Amaral apela a uma CPI para apurar os crimes da Lava Jato. Não basta que os juízes responsáveis pelo lawfare lavem as mãos e que a Globo mude de discurso como quem não tem nada a ver com isso: eles foram cúmplices da eleição de Bolsonaro, e têm que pagar pelos seus atos
A saudação de Lula ao presidente Alberto Fernandez e aos argentinos é mais que um agradecimento; é um sinal para unir-se frente ao lawfare regional; um aplauso (sem meter-se nos problemas internos do vizinho) à batalha pela Reforma Judicial na Argentina, à resposta aguerrida da vice-presidenta Cristina Kirchner que desmascara os juízes do lawfare. O governo de Alberto abre um processo contra Macri pelo crime das negociações desastrosas com o FMI. Eis uma medida “radical”, para ir às raízes do lawfare que são econômicas e financeiras. E daí, partir para um “Nunca Mais”.

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Lula fez como Cristina Kirchner

Lula fez como Cristina Kirchner, cujo pronunciamento não foi  em defesa própria, mas do povo injustiçado e da pátria saqueada. Para Cristina, o vento sopra a favor, porque junto a Alberto Fernandez, exerce o cargo de vice-presidenta e presidenta do Senado na Argentina, podendo empreender a luta pelas reformas no poder judiciário. Arce na Bolívia, discreto no início, aciona o poder judiciário para processar os responsáveis pelo golpe contra Evo e acabar com o lawfare, contra ele aplicado amplamente. Lula, porém, ainda deve driblar os seus leões, como Spartacus na arena do Coliseu. Mas  não perdeu esta oportunidade aberta por esta crise política de um sistema neoliberal fascista, que conduziu à decisão do STF até o momento, e a crise derivada de um desgoverno  incapaz de deter a hecatombe econômico-sanitária do povo brasileiro; e passou o  recado:

Eu sei que eu fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. Eu sei que a minha mulher, a Marisa, morreu  por conta da pressão e o AVC se apressou. Eu fui proibido até de visitar o meu irmão dentro de um caixão.... Então, se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas mágoas sou eu, mas não tenho. Sinceramente não tenho, porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando, o sofrimento que as pessoas pobres estão passando neste país é infinitamente maior de qualquer crime que cometeram contra mim.  É maior do que cada dor que eu sentia quando estava preso na polícia federal. Porque não tem dor maior para um homem ou mulher em qualquer país do mundo do que levantar de manhã e não ter a certeza de um café com um pãozinho com mantega para tomar. Não tem dor maior para um ser humano do que ele chegar na hora do almoço e não ter um prato de feijão com farinha para dar ao seu filho. Não tem nada pior do que o cidadão saber que ele está desempregado e que no final do mês ele não vai ter o salário para sustentar a sua família. Essa dor que a sociedade brasileira está sentindo agora é a que me faz dizer para vocês:

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A dor que eu sinto não é nada diante da dor que sofrem milhões e milhões de pessoas; é muito menor que a dor que sofrem quase 270 mil pessoas (mortas por coronavirus) que viram os seus entes queridos morrer, seus pais, seus avós, sua mãe, seu filho, seu marido, e sequer puderam se despedir dessa gente na hora que sempre consideramos sagrado a hora  da última vista e a última olhada na cara das pessoas que a gente ama. E muito mais gente está sofrendo. Por isso, eu quero prestar a minha solidariedade nesta entrevista às vítimas do coronavirus, aos familiares das vítimas do coronavirus, ao pessoal da área da saúde (privada e pública), mas sobretudo, dos heróis e  das heroínas do SUS.”

Um dos reflexos desta crise de governabilidade foi a tomada de posição de Rodrigo Maia, o ex-presidente da Câmara de Deputados, corresponsável pela manutenção de Bolsonaro no governo, já que nunca colocou em votação os inúmeros pedidos de impeachment: este veste a carapuça e faz elogios rasgados a Lula.  O presidente miliciano da Pandemia, acuado, poucas horas depois do discurso de Lula, assustado, faz manobra de marketing apresentando seu gabinete negacionista com máscaras, proclamando que resolveu comprar as vacinas russas e chinesas, e que é favorável à vacinação. Tarde demais: Lula já atua como embaixador com a Rússia, com a OMS, para obter vacinas. Mas, Lula está decidido a responder ao socorro do povo pobre e trabalhador diante desta tragédia jamais vista no Brasil.

Lula não se esqueceu do presidente cubano Miguel Diaz Canel, nem o presidente Nicolás Maduro. Pois ambos estiveram presentes no seu discurso, na inspiração de soluções de governo frente à Pandemia; a sua visita recente a Cuba, criadora de 100 milhões de vacina Soberana II, lhe permitiu trazer à tona o chamado a formar um Comitê de Crises frente à pandemia, que lá funciona, assim como na Venezuela: “Todo dia devia ter uma voz do Comitê de Crise e toda semana ter uma voz oficial desse comitê orientando a sociedade, visitando as cidades, os hospitais, tentando evitar que faltasse oxigênio como faltou em Manaus

O papel da mídia no lawfare não foi debelado

Lula viveu na pele e sabe os elementos-chave do lawfare: o poder judicial e a mídia. A “justiça” da “República de Curitiba” já balançou, agora é preciso seguir combatendo a mídia infame que a viabilizou. No Brasil, como na Argentina, o poder do lawfare continua no mesmo esquema (Clarin/La Nación) para desestabilizar o governo de Alberto/Cristina. Os fabricantes de mentiras e fakenews, os que envenenam mentes, destroem consciências, com o falso pretexto da anticorrupção e da antipolítica, estão ainda fortemente presentes.  São eles que trabalham para o poder financeiro, acusam, julgam e condenam os opositores pelas manchetes dos jornais e TVs, antes da atuação dos tribunais. Salvador Allende, abatido e preocupado com a mídia, chegou a declarar  antes do golpe contra ele: “los medios de comunicación son los miedos de comunicación” (os meios de comunicação são os medos de comunicação). A Globo mentiu e atemorizou. Lula desmascara o poder econômico-midiático, e dá a entender que algo terá de ser feito para contê-lo, sem limitar o direito de expressão; valorizou o trabalho dos chamados hackers e da mídia alternativa na busca da verdade por meio do que se chamou “operação Vaza Jato” e no combate ao lawfare.

Lula abre uma nova era na batalha política no Brasil. Diante de um quadro em que o setor financeiro e neoliberal procura uma alternativa, buscando reorganizar a chamada centro-direita na área política, para permanecer no poder e criar uma alternativa eleitoral em 2022, usar a autoridade de Lula para afastar o inapresentável Bolsonaro, mantendo intactos o eixo Justiça-Mídia, alicerces do lawfare, o PT e as forças progressistas e de esquerda têm um grande desafio pela frente.  Políticos, sindicatos, intelectuais, juristas constitucionalistas, dirigentes sociais, têm uma tarefa urgente de impedir retrocessos, seja do ponto de vista judicial como midiático. Rebater a inevitável reação midiática e jurídica do poder econômico ainda intacto, partir desse patamar alto da argumentação de Lula para criar um forte movimento de opinião e de mobilização popular para resolver os problemas imediatos de sobrevivência perante o desastre sanitário frente à Pandemia.

Já passou da hora para se constituir uma alternativa midiática, pública e aberta, unindo todos os meios de comunicação da esquerda. A mídia independente, desde já, ao invés de limitar-se à  pauta do debate eleitoral para 2022, deveria reproduzir, difundir, esmiuçar e explicar à cidadania vários pontos estratégicos contidos na entrevista de Lula, nesta aula de economia (passado, presente e futuro) e mecanismos de golpe judicial-midiático, para consolidar uma consciência popular, organizar e lançar pautas programáticas de nação e de resistência. O discurso de Lula não é para ficar nos livros de história, é uma agenda de ação imediata, para iniciar mil caravanas, por terra, pelo éter, e pela internet.

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