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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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O SUS nosso de cada dia

Antes da criação do SUS, o acesso à saúde não era universal, nem integral, nem equânime porque os hospitais, postos de saúde e outras instituições que compunham o sistema de saúde só atendiam àqueles que possuíam carteira assinada e seus dependentes

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O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988. Em seu artigo 6º esta estabelece como direitos sociais fundamentais do cidadão brasileiro a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância. O artigo 196 determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado que deve assegurar o acesso universal e igualitário às ações e serviços necessários para a promoção, proteção e recuperação da saúde, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença “e de outros agravos”. 

Os pormenores de funcionamento do SUS e os três princípios básicos de seu funcionamento – universalidade, integralidade e equidade – foram estabelecidos pela Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990). 

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O SUS é resultante das reivindicações do Movimento Sanitarista, também conhecido como Reforma Sanitária, que lutou ao longo dos anos 1970 e 1980 por uma saúde pública de qualidade para todos os brasileiros. A bandeira deste movimento era saúde como direito de todos e dever do Estado.

Antes da criação do SUS, o acesso à saúde não era universal, nem integral, nem equânime porque os hospitais, postos de saúde e outras instituições que compunham o sistema de saúde só atendiam àqueles que possuíam carteira assinada e seus dependentes. Quem não preenchesse este requisito era considerado “indigente”, sem direitos assegurados. Consequentemente, ou não tinha acesso à saúde ou dependia da caridade das Santas Casas da Misericórdia, nas cidades onde esta existia, ou tinham que recorrer aos hospitais universitários e ser atendido por acadêmicos de medicina. O princípio da universalidade faz com que o SUS assista a todos que se encontrem em território brasileiro e necessitem de atendimento médico, mesmo aqueles que não são cidadãos brasileiros. 

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Uma de suas características primordiais do SUS é o investimento em novos tratamentos e novas tecnologias, cujos custos são muito altos e o sistema privado ou não tem recursos para investir nesta área ou não investe porque esta demanda de recursos gera prejuízo ou diminuição da margem de lucro ou, quando investe, repassa o custo integral dos tratamentos e novas tecnologias ao usuário, excluindo a maioria da população do acesso e estes serviços. O SUS pode investir em tecnologia porque a sociedade arca com os custos – isto assegura uma cobertura universal que atinge aqueles que não podem pagar por tratamentos de saúde.

Os três princípios norteadores do SUS procuram colocar em prática o conceito desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) segundo o qual saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”, definição esta que é pautada pelo conceito de qualidade de vida. Para que este conceito seja implementado pelo SUS e o Estado possa assegurar o usufruto da saúde como um direito do cidadão, outras políticas públicas têm que assegurar as condições necessárias ao exercício deste direito: políticas de saneamento, de habitação, de educação, de renda mínima, de geração de empregos etc. que juntas permitirão ao cidadão gozar de boa qualidade de vida.

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A Universalidade assegura que todos tenham direito e acesso à saúde, sobretudo os que mais precisam, e pressupõe ações de assistência, promoção, prevenção e recuperação da saúde.

Por integralidade compreende-se a operacionalização de um sistema de saúde a partir de dois movimentos recíprocos a serem desenvolvidos pelos sujeitos implicados nos processos organizativos e administrativos em saúde: a superação de obstáculos e a implantação de inovações no cotidiano dos serviços de saúde, nas relações entre os níveis de gestão do SUS e nas relações destes com a sociedade. O ser humano deve ser compreendido em sua integralidade: como vive, onde mora, o que come, o que consome. Para isto, o sistema de saúde precisa interagir com os usuários e entendê-los a partir da sua inserção no contexto social, em seu território e dialogar com eles de maneira horizontal.

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O SUS procura oferecer um serviço integral com prioridade nas atividades preventivas e deve estabelecer um conjunto de ações que vão desde a prevenção à assistência curativa em seus diversos níveis de complexidade. 

A promoção da saúde como qualidade de vida depende de o sistema de saúde ir ao território, conhecer as pessoas e saber o que elas consideram como qualidade de vida. Para isso é fundamental a formação de equipes multidisciplinares que visitem os cidadãos em suas moradias, conhecendo o local onde vivem, como vivem e as possíveis ameaças a sua saúde física e mental. Desta maneira, estas equipes podem identificar e combater doenças causadas por falta de boas condições de moradia, bem como doenças como a violência e o desemprego.

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A integralidade não diferencia entre promoção de saúde, educação para a saúde e atenção à saúde; o profissional de saúde atua de maneira a que esta divisão no sistema desapareça. Quando a equipe de saúde vai ao território, ao entrar em contato com o morador ela está promovendo saúde, dando atenção à saúde e educando para a saúde, na medida em que atua de maneira a corrigir certas deficiências na alimentação, na postura ou em qualquer outro nível que possa influenciar negativamente a qualidade de vida do cidadão usuário do SUS. 

A integralidade é fruto do diálogo entre todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participam do SUS, seja a equipe de profissionais e gestores de saúde, sejam os usuários. Este diálogo passa pelo direito à comunicação. A concepção do SUS prevê instrumentos que favorecem e incentivam o diálogo e permitem que os cidadãos possam propor soluções e melhoras para o sistema de saúde. A escuta é importante para o SUS e a estrutura do sistema criou espaços que asseguram a escuta das demandas e a participação dos usuários que os Conselhos de Saúde (nacional, estaduais e municipais), as Conferências de Saúde (nacional, estaduais e municipais). Um sistema de saúde baseado em qualidade de vida precisa ficar atento ao que existe no território e no que precisa ser modificado nele e no próprio sistema de saúde para melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos. Isso só é possível quando há uma comunicação de mão dupla entre o SUS e o cidadão.

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O direito à comunicação como forma de assegurar o direito à saúde reconhece e insere a diversidade característica da população brasileira nas práticas de comunicação, gerando conteúdos comunicacionais específicos para as necessidades de diferentes usuários e, desta maneira, favorecer a universalidade, a integralidade e a equidade. O direito à comunicação dá visibilidade social a grupos sociais invisíveis como a população LGBTQI+, ciganos etc.

A concepção do SUS elaborou um sistema que enfatiza a prevenção, o atendimento primário porque é mais barato atender o cidadão em seu território e prevenir que ele adoeça ou impedir que uma doença crônica evolua do que do que tratá-lo dentro das grandes estruturas de saúde – hospitais e postos de saúde -, cujos custos operacionais são mais elevados. Estas estruturas devem ser acessadas somente nos casos em que os problemas de saúde não possam ser resolvidos pela atenção primária.

Por que uma estrutura tão bem elaborada apresenta tantos problemas operacionais? Primeiro, porque o SUS ainda é muito recente. A Lei Orgânica que o regula é de 1990 e fará trinta anos em 2020. Tem certos elementos desta estrutura que funcionam muito bem e outros que precisam ser aperfeiçoados. Para que isto ocorra, é preciso que o sistema funcione da melhor maneira possível em todos os seus níveis, que suas necessidades sejam supridas de maneira eficaz. 

A universalidade, a integralidade e a equidade só podem ser asseguradas com maiores investimentos no SUS de maneira que este possa oferecer os mesmos serviços oferecidos pelos hospitais de ponta do sistema de saúde privado, destinados ao atendimento daqueles que podem pagar pelos serviços hospitalares. Contudo, as classes dominantes brasileiras vêm colocando em prática um projeto de desmonte do SUS desde o governo Collor, cuja estratégia mais visível e constante é o subfinanciamento do sistema. 

Quando da criação do SUS, estimativas previam que seriam necessários 30% do orçamento da Previdência para que ele funcionasse plenamente, segundo dados revelados pela professora Ligia Bahia, da UFRJ, em entrevista à TV 247 (https://www.youtube.com/watch?time_continue=1876&v=u6nh-SV_wP0&feature=emb_title). De acordo com esta mesma fonte, o orçamento do SUS hoje deveria representar cerca 600 bilhões de reais, mas só atinge a metade deste montante.

Outro problema que ocasiona o subfinanciamento do SUS decorre da fundamental participação dos municípios em sua estrutura. Os municípios financiam e custeiam seus sistemas de saúde de duas maneiras que são o autofinaciamento por meio dos impostos municipais (IPTU, ITBI e ISS), que estão entre os mais sonegados do país devido à corrupção e à falta de estrutura de cobrança eficaz na maioria dos municípios brasileiros; as transferências realizadas pelos Fundos de Saúde, do fundo de saúde federal para o estadual e do estadual para o municipal e é preciso que o cidadão fiscalize o dinheiro que chega até SUS que, não raro, se perde ao longo deste percurso.

Existem outras tentativas de implementação de estratégias de desmonte do SUS, tal como a proposta de criação de planos de saúde populares a baixo custo, custeados pelo erário público no todo ou em parte. Esta ação transferiria dinheiro do SUS para grandes operadoras particulares de seguros de saúde e deixaria o sistema público à míngua. Outra ação predatória é a tentativa de implementar a “dupla porta de entrada” que consiste em transferir a operação dos hospitais da rede pública para instituições privadas que ofereceriam dois tipos de serviço, um de melhor qualidade, para quem pudesse pagar por ele, outro de pior qualidade, gratuito ou a baixo custo, a ser oferecido à maioria dos cidadãos. 

A crise do Covid-19 expõe os riscos da proposta neoliberal para a saúde de maneiras diversas seja pelo alto custo dos exames de detecção do vírus, que nem todos podem pagar, seja pelo aumento dos preços dos produtos necessários ao combate da pandemia, o preço do álcool em gel e das máscaras de proteção, por exemplo, seja pelo desmonte do sistema público de saúde. 

O SUS é financiado com dinheiro dos impostos que nós pagamos e é dever nosso cobrar dos governos investimentos neste sistema. Ao pagarmos um plano de saúde privado estamos sendo bi-tributados porque continuamos a pagar impostos para financiar o SUS. Não podemos mais aceitar isto. O sistema de saúde pública no Brasil é democrático porque é universal, é integral e é equânime e o sistema privado não o é porque norteado pelo lucro e exclui todos aqueles que não podem pagar pelos serviços que disponibiliza.

A quem interessa o desmonte do SUS? Aos proprietários de hospitais e consultórios privados, aos operadores de plano de saúde, com certeza. Mas também aos banqueiros que aumentam seus lucros quando adquirem participações totais ou parciais nas empresas controladoras de planos de saúde ou quando o dinheiro destinado ao SUS é transferido para o pagamento da dívida pública ou para financiar as falcatruas financeiras e fiscais dos bancos privados que atuam no Brasil. Estes, os banqueiros, tenhamos recessão ou expansão econômica, ganham sempre.

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