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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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O velho matador cai na estrada

"King Kong em Asunción" tem uma dicção lírica que evoca a ancestralidade latino-americana em contraponto à rispidez e à desagregação da realidade contemporânea

"King Kong en Asunción" (Foto: Divulgação)
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O pernambucano Camilo Cavalcante (A História da Eternidade) tem aqui o seu melhor longa-metragem, na minha opinião. Embalado por uma narração poética no idioma guarani, King Kong en Asunción conta "uma história de ruínas" – a de um velho matador profissional em ação nas profundezas da América do Sul. Na verdade, "o velho" sem nome está em vias de largar o ofício depois de exterminar um homem no ermo alvíssimo do Salar de Uyuni, na Bolívia.

Dali ele sai em longas caminhadas em direção ao Paraguai, onde pretende rever a única mulher que amou e com quem tem uma filha que nunca conheceu. No caminho, é assombrado pelos fantasmas das pessoas que matou e reencontra um barbeiro amigo (Fernando Teixeira) para uma "despedida" com muito álcool e algumas prostitutas. É um personagem emblemático da violência rural, que o traumatizou na infância e plantou o ódio em seu coração. Aos poucos vamos compreendendo as raízes de sua solidão e de sua estreita convivência com a morte. "Às vezes sente que é bicho", informa a narração a cargo da atriz paraguaia Ana Ivanova.

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O velho tem horror aos poderosos a que serve eliminando desafetos. Uma cena na suíte presidencial de um hotel em Assunção ilustra exemplarmente esse desprezo. Uma última encomenda de morte talvez não venha a ser cumprida.

King Kong en Asunción é um road movie deslumbrante pelas estradas do continente. Além do espetacular Salar de Uyuni, o andarilho passa pelo cemitério de trens de Potosí, pelo altiplano e por mercados bolivianos, pelas estradas do Chaco no Paraguai, por antigos pueblitos melancólicos e trechos de grande beleza natural.

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No papel dessa alma perdida no silêncio e na amargura está o ator brasiliense Andrade Júnior, conhecido também por personificar um Papai Noel tradicional em Brasília. Ele faleceu em 2019, antes de ver o filme finalizado. Sua figura corpulenta e atarracada deixa ver um lastro de doçura por trás da impiedade do personagem. Talvez não houvesse forma melhor de dizer adeus ao cinema.

Com o capricho visual e a solidez de mise-en-scène que caracterizam seus filmes, Camilo Cavalcante construiu uma narrativa tênue, mas cativante. O filme tem um punhado de momentos memoráveis e uma dicção lírica que evoca a ancestralidade latino-americana em contraponto à rispidez e à desagregação da realidade contemporânea.

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>> King Kong em Asunción está na HBO Max.

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