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Hélio Rocha

Repórter de meio ambiente e direitos sociais, colaborador do 247

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O “Você fica caladinha!” põe lama nas instituições

Incapaz de usar da sagacidade e do conhecimento das regras do parlamento para manter seu discurso, o Coronel disparou: "Enquanto eu estiver falando, você fica caladinha". O susto foi imediatamente sentido por Betão: "Mas o que é isso, Coronel?". Em seguida, a deputada reassumiu a condução da discussão e disse, claro, que "nenhum homem tem o direito de mandar uma mulher se calar"

O “Você fica caladinha!” põe lama nas instituições
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Dois momentos diferentes marcaram a semana da política mineira, ambos vindos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e capazes de delinear o quão contraditória é a pauta das deputadas e deputados federais e estaduais no Brasil. Também deixam claro, a quem alguma dúvida restar, o quão cínicas e hipócritas são nossas estruturas de Poder: conservadoras de regra e progressistas de ocasião.

O primeiro pode levar a leitora ou leitor à tentação de vê-lo como mais importante, visto envolver mais nitidamente a vida de milhares de mineiras e mineiros: foi aprovado o Projeto de Lei (PL) no 3.676/2016, que endurece as regras para construção de barragens, sobretudo no que diz respeito ao licenciamento e aos métodos de construção, para melhor segurança das estruturas de depósito de rejeitos de minérios (sendo medida mais conhecida a proibição das barragens por "alteamento a montante").

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O segundo, entretanto, possui igual dimensão se considerado o impacto representativo e o que ele revela sobre os homens que ora ocupam o poder (no sentido estrito, visto esta coluna há muito ter abolido o gênero masculino para designações plurais – salvo quando, ainda, cai no equívoco do costume). Isto porque este espaço de discussão parte da premissa de que o mundo é melhor para cada pessoa na medida em que é melhor para todas, para a coletividade, uma vez que nele não vivemos isoladas/os.

Em debate na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia sobre um requerimento sem grande importância (pedia ao governador providências quanto a proventos para servidoras e servidores inativos), o deputado Coronel Sandro (PSL) pediu vistas ao processo e adiamento da votação, no que estava em seu direito. No entanto, ao fazê-lo, utilizou-se do tempo regimental para tergiversar e vender seu peixe como parlamentar, falando ao seu público sobre "ideologização nas escolas" e fazendo exaltação ao regime militar.

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Integrante da mesa, o deputado Roberto Cupolillo (Betão, PT) reclamava da impertinência da argumentação, sendo repreendido pelo Coronel: "você fala na sua vez". Diante do impasse, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que preside a Comissão e por muitos anos foi coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), em nome da ordem usou de sua autoridade e chamou a atenção do deputado para ater-se ao requerimento em discussão (igualmente um procedimento regimental), evitando estrategicamente o debate fetichista da direita sobre cerceamento à liberdade de expressão nas escolas (afinal, para isso o PT lutou pela direção da Comissão, cedendo apoio à chapa do presidente Agostinho Patrus, amplamente criticada nesta coluna).

Em seguida, incapaz de usar da sagacidade e do conhecimento das regras do parlamento para manter seu discurso (o que, de fato, era impossível), o Coronel disparou: "Enquanto eu estiver falando, você fica caladinha". O susto foi imediatamente sentido por Betão: "Mas o que é isso, Coronel?". Em seguida, a deputada reassumiu a condução da discussão e disse, claro, que "nenhum homem tem o direito de mandar uma mulher se calar".

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E a reunião foi suspensa e descambou em bate-boca.

Ocorre que a aprovação do PL 3.676, aquele de que falamos ao início dessa reflexão e que por dois anos foi uma pauta do ex-deputado estadual, hoje federal, Rogério Correia (PT), foi empurrada com a barriga por parlamentares conservadoras/es de regra e aprovada somente agora pelas mesmas forças políticas que subitamente se tornaram, quanto às barragens, progressistas de ocasião. O PL foi aprovado por unanimidade entre 65 presentes na votação, o que indica que muito provavelmente o digníssimo Coronel Sandro, que manda mulher "ficar caladinha", votou em favor das populações pobres e ameaçadas de Minas. A menos que tenha estado entre as 12 ausências, o que não faz diferença: a unanimidade mostra que se ali estivesse um agente da Gestapo, com sua lista de semitas indesejáveis no bolso, do mesmo jeito ele votaria a favor.

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O que se tem, portanto, são indícios de quanto o Parlamento vela interesses econômicos e sociais hegemônicos, em que muito raramente ocorre espaço para que as pautas populares e das minorias repercutam nas Câmaras e Assembleias espalhadas pelo Brasil. O "cala a boca" a Beatriz, com ênfase no diminutivo, é o silenciamento e a inferiorização impostos às mulheres por séculos, além do retrato de uma estrutura parlamentar em que elas não chegam a dez por cento. O "deixa pra depois" ao PL 3.676, por outro lado, é voz ressonante do capital financeiro que tem representatividade em três quartos do Parlamento, quando pouco.

A reunião na Comissão foi interrompida em nome da dignidade de Beatriz Cerqueira e em respeito à luta das mulheres e das professoras e professores que ela representa por meio de 96.824 votos, o dobro dos 48.533 do Coronel. Também em respeito à assertividade com que agiu Betão em defesa de sua colega de Assembleia, partido e bandeira, visto que este também é professor. Fez o que se espera de um homem ciente dos privilégios que tem e aos quais, ao mesmo tempo, busca dar fim em prol da coletividade. Agora, Beatriz, Betão e Sandro são deputados, mas nas urnas dela é a história, a luta e o diálogo com o povo: é uma das deputadas mais votadas de Minas Gerais, a primeira na esquerda. Do Coronel, é o neoconservadorismo de ocasião. Daí a diferença. Há anos se ouve falar em Beatriz Cerqueira quando o assunto são o quadro docente e as mulheres de Minas. O Coronel, descobriu-se agora.

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O PL, aprovado, foi encaminhado ao Palácio Tiradentes, para sanção do governador Romeu Zema (PN). Óbvio, será assinado. Apenas o tempo, porém, há de mostrar se ele é resultado de conscientização e solidariedade da classe política e do empresariado para com as pessoas mais pobres, que trabalham e produzem a riqueza de que desfrutam, ou se tudo não passou do progressismo de ocasião, dada a comoção por Brumadinho (Mariana não fora suficiente). Afinal, não terão sido a Constituição cidadã de 1988, a reforma psiquiátrica, a Lei Maria da Penha, aprovados por Congressos conservadores mediante o progressismo de ocasião?

A julgar pelo que ocorreu a Beatriz, toda solidariedade às minorias, se não vem das ruas e do chão de terra da luta no campo, é passageira e sempre retorna aos bons e velhos conservadorismo, compadrio e patrimonialismo das elites que se alçam à classe política, às casernas e aos tribunais brasileiros. É mais provável que a pressa em aprovar o PL nada tenha a ver com a reação imediata do deputado Betão à violência simbólica cometida à presidente da Comissão (esta reação, sim, em diálogo com as ruas e da militância). A dura lição que a esquerda tem aprendido no pós-golpe de 2016 deve ser incansavelmente revisitada, para que possamos aprender que, sem formação de consciência, não serão mudadas as estruturas conservadoras deste país.

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Estruturas estas que regem nossa atual tragédia e aproximam os aparentemente distantes episódios de Brumadinho e Beatriz Cerqueira, neste palco de ocasião e hipocrisia que se chama Poder Legislativo, mas que poderia se chamar Justiça, Forças Armadas, Polícia Militar, Estado em seu sentido amplo, ao fim e ao cabo.

A quem interessar, segue o link do vídeo (a discussão começa aos 4 minutos): https://youtu.be/3B_yQ-I9STg

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