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Wilson Luiz Muller

Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

33 artigos

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Os galinhas verdes estão de volta

O que se viu no ato de lançamento do novo partido foi um painel, encomendado por líderes do partido, em que aparece o símbolo estilizado de uma ferradura, cravejada com cartuchos de balas de fuzil

(Foto: Reprodução)
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Isso não é um texto de ficção do tipo “de volta ao atraso”. Se na década de 30 do século passado, um cidadão brasileiro tivesse sido congelado e acordasse nos idos do ano de 2019, iria tomar um susto. Reconhecendo de pronto os ideais e as práticas fascistas em vigor, certamente diria: “teria apostado minha cabeça que os galinhas verdes nunca  chegariam a ser uma força política representativa da sociedade; que dirá então que chegassem comandar a república! Podem me mandar de volta ao passado? Era muito melhor ficar trocando socos inofensivos com os galinhas verdes”.

O jornalista João Filho, do site The Intercept Brasil, diz no artigo “Novo projeto de poder de Bolsonaro”, que a Aliança pelo Brasil é o primeiro partido neofascista do país”. O manifesto de fundação do novo partido de Bolsonaro “é um ajuntamento de chavões fascistoides. Não há nada ali que lembre um projeto de país, que pregue a conciliação, que apresente propostas para a economia e para o desenvolvimento social.” [...] “Nos perfis do projeto de apresentação do novo partido de Bolsonaro, as palavras “Deus”, “pátria” e “família” são exibidas. Não parece coincidência o fato de esse ser o lema dos integralistas.” [...] “Inspirados no fascismo italiano, os integralistas são um movimento ultrarreacionário, criado há oito décadas no Brasil para abrigar o ideário fascista. A Ação Integralista Brasileira teve papel fundamental no golpe militar de 64 e hoje apóia o governo Bolsonaro.”

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O símbolo do Integralismo é a letra grega Sigma (∑). Dada a inspiração do passado remoto, aliada à ideia de preservação da tradição, é de se imaginar que o símbolo escolhido para o novo partido tenha o Sigma como inspiração. Bastaria apenas um pequeno ajuste. Girando o símbolo no sentido horário, forma-se a imagem do que ainda permanece um tanto obscuro nas intenções do novo partido. Ademais, a imagem guardaria a necessária fidelidade à estética do grotesco, permitindo a visualização, em primeiríssimo plano, do M de Milícia. As pernas voltadas para dentro, fincadas no tecido – na carne e nas veias - do mapa do Brasil, poderiam ser desenhadas como dois dentes vampirescos a exaurir o território aprisionado.  Seria a expressão acabada da visão integradora – pela força – de uma suástica andante e peçonhenta, adaptada aos trópicos vitimados pela mentira e pela infâmia. Serviria bem o símbolo, ainda, para representar a ação integradora - ou conluio, conivência com os neo-galinhas verdes - da autoproclamada elite econômica e política e da plutocracia serviçal que mama folgada nas tetas do estado enquanto o país afunda. No mais a mais, o símbolo cairia como uma luva para um partido para o qual os conceitos de pátria, deus e família tem o mesmo preço que as garrafadas contendo xaropes milagrosos que prometem a cura de todos os males ao tempo em que envenenam seus incautos e ingênuos pacientes.

Apesar da letra Sigma ser o símbolo mais adequado para o partido da família, o que se viu no ato de lançamento do novo partido foi um painel, encomendado por líderes do partido, em que aparece o símbolo estilizado de uma ferradura, cravejada com cartuchos de balas de fuzil, o que, convenhamos,  também vem a calhar, representando bem os propósitos e a visão de mundo do novo agrupamento. No ato de lançamento do partido neofascista o público gritava “queremos assinar”, em referência às assinaturas necessárias para formalizar o partido, enquanto outros rimavam: “e os esquerdistas, queremos assassinar”.

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Como se vê, os neogalinhas verdes não tem mais interesse em ficar trocando socos com comunistas; preferem uma solução mais rápida e definitiva.

O número do novo partido neofascista é sugestivo: 38. Foi sorte nossa que o MDB já estivesse com o 15. Senão seria AR 15. E não é russo, que isso daí não pode. A principal função do novo agrupamento é lutar contra os terríveis comunistas. Tarefa difícil. Onde achar comunistas nos dias que correm?

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Os integralistas eram conhecidos como camisas verdes por suas roupas, usadas em manifestações públicas. Eram também chamados por seus opositores de “galinhas verdes”. Favoráveis ao liberalismo econômico se opunham ao anarquismo e ao comunismo. Muitos conflitos ocorreram nas ruas durante a década de 1930 quando essas forças se enfrentavam. Na década de 30, os integralistas – fascistas – chegaram a ter um elevado número de adeptos, estimado entre 600 mil e um milhão.

No domingo passado, milhares de morominions e bolsominions tomaram mais uma vez as ruas para mostrar seu inconformismo com a democracia. Em alguns locais marcharam perfilados ao som de hinos de louvor à ditadura, bateram continência para a estátua da liberdade da Havan, abaixo de gritos contra a suprema corte e seus ministros. 

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“Os homens de verde, se precisar, vai pra cima”, anunciava num português bem peculiar o líder de uma dessas tropas, exultando os marchadores a mentalizar a ideia de que estavam pisando a perigosa cabeça de Gilmar Mendes. Ele é o cristo escolhido da hora, símbolo de tudo o que há de negativo numa democracia burguesa minimamente civilizada. Representa Gilmar Mendes, sempre na medieval visão dos galinhas verdes, o maldito STF que acabou de  revogar a revogação da Constituição Federal que havia sido patrocinada pela Lava Jato desde 2016. A decisão teve o efeito colateral – vejam só que coisa! – de libertar Lula e outras pessoas que estavam presas sem que suas sentenças tivessem transitado em julgado, como manda a Constituição. Se toda a tropa dos que marcharam ao redor da estátua da havan foi capaz de sincronizar a ideia da cabeça com o movimento dos seus cascos – ops! pés  - , não restou comprovado, visto a falta de cadência dos marchadores, mas que a ideia de afundar o crânio do Gilmar teve o efeito de calcarem com mais força seus calcanhares no asfalto duro, isso foi visível.

Tudo isso talvez soasse irrelevante não fosse o fato de estarmos vivendo num tempo, como diz o jornalista Nassif, em que a ignorância foi alçada à condição de virtude. No artigo “Bolsonaro é a revanche do homem comum”, Nassif diz que  “Bolsonaro foi a expressão máxima desse estado de espírito, não por qualidades intrínsecas a Estadistas, mas pelo fato de representar a barbárie em estado puro.” [...] “Bolsonaro é a própria personificação da estupidez do homem comum. Essa identificação direta de Bolsonaro com estúpidos de todas as classes sociais produz fenômenos de solidariedade inéditos. Quando seu despreparo é destacado, o bolsonarista comum se sente pessoalmente atingido. Quando um ignorante bolsonarista é desqualificado por um especialista, todos os ignorantes bolsonaristas se sentem atingidos, o ignorante empresário, o ignorante motorista de táxi, o ignorante classe média do interior. A ignorância gera o complexo de inferioridade mais universal que existe, porque pega todo tipo de pessoa, independentemente de sua classe social.”

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Há os que vão dizer que essas coisas patéticas não merecem ser levadas a sério. Será mesmo? Antes desses fatos patéticos virarem realidade, gente em tudo parecida como essa gente que bate continência para a estátua da havan fez coisas tão grotescas quanto essa. Como essa gente grotesca não foi levada a sério, acabou dando um nó na gente séria e sensata.  E como prêmio por sua falta de vergonha de se expor como a síntese de tudo o que há de mais grotesco na condição humana, essa gente ganhou o comando  da  república. Esses marchadores serão com certeza os militantes do novo partido neofascista que está sendo organizado pelo clã Bolsonaro. Quando eles tiverem à sua disposição a máquina da república, certamente deixarão de parecer patéticos. Com poder nas mãos, os patéticos e grotescos não são nem um pouco divertidos.

Os mais otimistas vão dizer que Bolsonaro está isolado, que não terá o apoio necessário de outros partidos. E ele precisa disso para atingir seus propósitos? É previsível que ele faça uma reforma ministerial, defenestrando alguns dos notórios ministros incapazes de realizar qualquer coisa decente, jogando-os na cota das negociações que teve que fazer com a velha política. Escolherá outros de igual quilate, mas passará ano ou mais até que a servil mídia corporativa comece a fazer uma ou outra crítica pontual. Enquanto a agenda econômica tocada por Paulo Guedes – de interesse do grande capital financeiro – continuar sendo implementada, nada indica que Bolsonaro e sua turma, agora 100% afinada com o propósito ditadorial, tenha dificuldades de continuar avançando rumo ao fechamento do regime e à destruição da democracia brasileira.

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Celso Rocha de Barros, em  coluna na Folha de São Paulo, no artigo “O Partido Bolsonarista”, diz que “Criar Aliança pelo Brasil é passo de plano para destruir instituições democráticas. [...] Como no caso de diversas outras medidas de Bolsonaro, ou é golpismo ou é um nível de estupidez jamais visto. E eu não acho que Bolsonaro seja burro. A APB não faz qualquer sentido como partido de governo democrático. Mas, como movimento golpista, chega a ser entediante de tão típico. A máquina será administrada por Eduardo Bolsonaro em nome do pai. Filho de ditador com poder chega a ser um clichê. Eduardo não faz segredo nenhum de sua simpatia pelo autoritarismo do governo húngaro de Viktor Órban, e é o representante no Brasil do charlatão vagabundo Steve Bannon.”

Na verdade, o filho do ditador não será o representante do charlatão Steve Bannon, mas o enrolado com as milícias do Queiroz.

Mas as instituições não vão permitir, insistirão os incorrigíveis otimistas. As instituições estão cooptadas, cara pálida! 

Não se espera das instituições que proíbam as pessoas de fazer coisas patéticas. Marchas como as que temos visto, sejam de galinhas verdes ou não, existem em todos os quadrantes e regimes do mundo. Não é isso que nos coloca às portas do fascismo. O risco vem justamente do fato das instituições do estado democrático de direito perderem a sua capacidade de garantir aquilo que dispõe a Constituição Federal. Quando as instituições permitem que seus principais agentes, por simpatizarem com a agenda dos galinhas verdes, deixam de realizar seu trabalho baseado na lei para agir movidos por suas crenças político-ideológicas, então o próprio Estado escancara as portas convidando o fascismo. Ele entra, se instala e se funde com a própria estrutura do Estado. Ao combinarem atos e omissões,  os agentes do Estado viabilizam – estimulam - o avanço da agenda dos galinhas verdes por dentro das instituições, desmoralizando-as, gerando uma má consciência do não funcionamento da democracia, ideologia que leva em seguida à morte da democracia.

Quando elogiavam a ditadura e a matança dos adversários políticos, falamos que eram polêmicos. 

Quando escreveram que com a democracia não é possível fazer o que seria o necessário, escrevemos que eles têm o português ruim, que não sabem se expressar corretamente.

Quando desenharam sua visão de mundo, respondemos que sua estética é grotesca, que a nossa é mais fina e universal.

Como não entendemos ainda, estão agora fazendo painéis cravejados de cartuchos de balas, anunciando didaticamente onde pretendem chegar. Respondemos fazendo a crítica de uma arte de gosto duvidoso.

Quando quisermos usar as palavras corretas para definir os fatos, quando precisarmos disso, talvez nem o possamos mais fazer.

Quando vamos começar a usar as palavras corretas?

Quando vamos começar a chamar os fascistas de fascistas? Quando vamos começar a denunciar que querem de fato instalar uma ditadura familiar fascista no nosso país?

*Membro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

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