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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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Os planos públicos de saúde na linha de tiro

"Em função da prolongada crise econômica brasileira, que vai para o oitavo ano (teremos mais uma década perdida), e da onda de retiradas de direitos, que o golpe de 2016 provocou, alguns planos de saúde públicos, especialmente ligados aos municípios, vêm tentando ou simplesmente acabar com o plano, ou mudar a sua forma de custeio, aumentando dramaticamente o peso para os trabalhadores"

(Foto: © Arquivo/Agência Brasil)
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O serviço público de saúde pode ser considerado um divisor de águas em qualquer país, em relação à forma como a população é tratada pela sua classe dominante. O serviço de saúde, depois da segurança alimentar, que está à disposição da população de determinado país, é um termômetro da força de uma população. O acesso à medicina de qualidade, assim como à alimentação, revela como a maioria da população é tratada por quem detém o poder do Dinheiro. 

Para ilustrar, cito uma passagem sobre o sistema de saúde dos EUA, que é considerado uma “porcaria” universal: no documentário Sicko, do documentarista Michael Moore, há uma passagem na qual é relatado um acidente em que o cidadão perde dois dedos numa serra elétrica (médio e anular). A família recolhe os dedos e leva o ferido ao hospital. No local o paciente fica sabendo que a recolocação cirúrgica de um dedo, custará 12.000 dólares e, do outro, 60.000 dólares. O paciente e sua família, sem recursos para custear a cirurgia dos dois dedos, escolhe recolocar o órgão, cujo serviço médico sairá mais barato. Essa passagem ilustra a forma com que o governo dos EUA trata a sua população. Os cartéis da saúde, empresas gigantes que têm grande influência sobre os políticos, fazem o que querem com o povo. No país mais rico da terra, onde sobra tecnologia médica, a maioria da população não tem acesso à serviços decentes e básicos de medicina. 

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Algo semelhante ocorre no Brasil. É possível medir o quanto o governo Bolsonaro é inimigo do povo, através da posição que tem em relação à saúde. Bolsonaro e seus ministros da saúde (cada um pior do que o outro), praticaram durante a pandemia uma política literalmente genocida, ou seja, desenvolveram ações para matar os mais fracos (velhos, pessoas com comorbidades, pobres, etc.). Não se trata de uma impressão, em alguns momentos eles praticamente confessaram isso. O relatório da CPI da Covid-19, pelo menos irá documentar para a história esses acontecimentos.   

Segundo o IBGE existe no país um médico para cada 470 habitantes, mas nas regiões Norte e Nordeste, chega a 1 médico para cada 953 e 750 brasileiros, respectivamente. Conforme dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) há aproximadamente 17 médicos para cada 10 mil habitantes no Brasil, enquanto na Europa esse número chega a 33 (é o dobro). 

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Os usuários do sistema público de saúde reclamam do longo tempo de espera para ser atendido no SUS (Sistema Único de Saúde), razão pela qual uma parte deles (aqueles que dispõem de recursos), recorrem ao sistema privado para resolver o seu problema. Dependendo do tipo de serviço que o paciente necessita, de procedimento de maior ou menor complexidade, e dependendo do local onde resida, o tempo de espera pode significar, por exemplo, a sua morte.  Uma das queixas mais recorrentes nas pesquisas sobre saúde no Brasil é a da falta de leitos. Vimos recentemente que, a falta de leitos de UTI, foi um dos sérios problemas no ápice da pandemia de Covid-19.  

Um outro problema da saúde pública é o sub financiamento do SUS, que se agravou sobremaneira após o golpe de 2016. Desde que a Emenda Constitucional 95, que congelou os recursos da saúde por 20 anos, em termos reais, foi aprovada, em dezembro de 2016, o orçamento para a Saúde tem diminuído cada vez mais. Se em 2019 o governo tivesse aplicado o mesmo patamar que aplicou em 2017 (15% da receita corrente líquida de cada ano), a Saúde teria um orçamento de cerca de R$ 142,8 bilhões, e não R$ 122,6 bilhões aplicados. Ou seja, uma redução de R$ 20,19 bilhões nos recursos em saúde, enquanto a população cresce e envelhece.  

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A pandemia apenas evidenciou ainda mais as mazelas da saúde pública, em função da sobrecarga do sistema, que teve que absorver um grande número de pacientes internados graves. Além da superlotação dos hospitais o Brasil padece da falta de insumos hospitalares, desde a dificuldade para adquirir simples luvas de procedimentos, até anestésicos e outros medicamentos utilizados na sedação de pacientes. 

Nesse quadro extremamente difícil, os planos de saúde no Brasil, tanto para as empresas, quanto para a classe trabalhadora, são bastante valorizados. Em regra, em função dos baixos salários, o plano de saúde é o benefício mais importante ofertado pelo empregador, em função da essencialidade do serviço de saúde e também do custo do plano no conjunto de despesas dos trabalhadores. Esta é uma tendência em todos os países onde o serviço público de saúde deixa a desejar (ou seja, na maioria dos países). Ao mesmo tempo, os planos são um dos elementos de competitividade entre as organizações, sendo extremamente valorizados como estratégia de retenção e atração de talentos, influenciando também na motivação e no engajamento dos trabalhadores.       

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Em função da prolongada crise econômica brasileira, que vai para o oitavo ano (teremos mais uma década perdida), e da onda de retiradas de direitos, que o golpe de 2016 provocou, alguns planos de saúde públicos, especialmente ligados aos municípios, vêm tentando ou simplesmente acabar com o plano, ou mudar a sua forma de custeio, aumentando dramaticamente o peso para os trabalhadores. Em algumas propostas de prefeituras, o custeio deixaria de ser financiado por um percentual de contribuição sobre cada salário para ser uma mensalidade em função da faixa de idade, o que afetará aqueles que mais precisam: pessoas mais velhas e com os salários inferiores.

Algumas prefeituras em Santa Catarina estão propondo a alteração do plano de custeio, passando-se do modelo em que cada trabalhador ou trabalhadora participa com percentual de contribuição em relação ao seu salário para um modelo de mensalidade por faixa etária. Geralmente o financiamento dos planos municipais se dá através de uma contribuição percentual dos salários de cada real ou potencial participante (servidores públicos, comissionados, ACTS, dependentes, pensionistas).

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Essa mudança do custeio do Plano de Saúde, da forma de “contribuição” (como percentual proporcional do salário), para “mensalidade”, que inclusive muda conforma a idade, obviamente penaliza mais os mais velhos e os que ganham menos. É uma evidente regressividade no sistema. Nos sistemas nos quais os beneficiários pagam valores de acordo com a cobertura contratada de serviços e com o salário que ganham, todos contribuem com um mesmo percentual dos salários, porém, aqueles que ganham mais contribuem com uma massa de valor maior, proporcional ao salário ganho e independentemente da idade que tenha. Esse modelo independe de idade, e pessoas de qualquer idade podem fazer uso dos serviços. 

A possibilidade de poder contar com um plano que barateie os custos com a saúde é extremamente importante para os servidores (as), especialmente para quem recebe os salários menores. O índice oficial de inflação se encontra em torno de 10% nos últimos 12 meses, porém a inflação de alimentos, que tem grande peso no orçamento da maioria dos servidores, se encontra em um patamar muito mais elevado, possivelmente próximo aos 30%.  Para o servidor, planos públicos de saúde são uma alternativa intermediária entre as limitações do SUS, que vem sendo sucateado pelo Governo Federal, e os preços proibitivos da saúde privada, que são estabelecidos, na prática, pelos grandes monopólios do setor, que buscam elevados lucros.

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Com os salários baixos praticados no Brasil qualquer elevação mais significativa da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora em dificuldades. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. A comparação do custo dos planos públicos com o custo dos privados, como alguns planos públicos têm feito, está errada. Não podemos achar que estará satisfatório se a mensalidade do plano público ficar mais barata que o plano privado. Obviamente esta não é a comparação correta. Não tem sentido comparar custo de planos coletivos com valores de planos individuais, mesmo porque os planos individuais, em regra, serão mais altos.

A troca de parâmetro de cobrança, de percentual do salário para uma mensalidade fixa, acaba com um princípio fundamental de equidade, que é a prática de percentuais iguais para salários diferentes, de forma a garantir que quem tiver salários maiores, colabora mais com o financiamento do Plano, ao invés de um valor fixo de contribuição, indiscriminada e independentemente do salário recebido. É por analogia a esse princípio que a previdência social dispõe de um Teto Previdenciário. Pelo princípio do Teto, independentemente do salário dos contribuintes, o valor do benefício pago pelo INSS irá oscilar dentro de uma faixa mais estreita. O valor oscila no máximo 5,8 (diferença entre o salário mínimo e o Teto Previdenciário, atualmente de R$ R$ 6.433,57).

É fundamental adotar medidas que enfrentem o problema do aumento da taxa de sinistralidade, em qualquer plano. Mas as medidas devem ser estudadas com calma e dividir o ônus entre os vários atores que sustentam o plano. A necessidade de fazer ajustes num determinado plano de saúde não significa que apenas o servidor deva arcar com o ônus do ajuste. 

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