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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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Os pobres não são dignos de livros, segundo o desgoverno do Brasil

Tamanha “descoberta” dos economistas de Bolsonaro deseja destruir todo o imenso trabalho de civilização dos professores de escolas públicas. Para escrever temos que serenar a raiva, e filtrar em seu lugar uma prosa madura e refletida. Mas por ora, diante de “os pobres não gostam de ler...” só me ocorre escrever: - Canalhas, calem as suas latrinas!

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Veio da notícia esta semana: 

“Receita Federal diz que pobres não leem e defende aumentar tributação sobre os livros”

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Notem que tamanha “descoberta” dos economistas de Bolsonaro deseja destruir todo o imenso trabalho de civilização dos professores de escolas públicas. A frase anterior merecia além de pontos de exclamação, coquetéis molotov e bombas sobre os gabinetes ministeriais em Brasília na forma petardos em palavras. Percebem a gravidade do que ruminam e defecam as políticas da presidência? 

Mas continuemos a notícia: 

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“A Receita usa dados do IBGE para justificar que a isenção sobre esses itens acaba beneficiando a camada mais rica da população.

‘De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019, famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos’, diz o documento”.

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Compreendem? A canalha avança sobre conquistas sociais com os argumentos mais falsos, descabidos e demagógicos. O que fazem no emprego, quando liberam patrões de seus deveres, “para a criação de mais empregos”, para escravos, deveriam dizer, ou quando estimulam a repressão sobre o pensamento livre, porque defendem a família, deles hipócritas, agora contra os livros alegam que só os ricos leem, e por isso, tributemos os ricos! O que vale dizer, acabemos com o direito ao acesso universal da cultura.

Mas analisemos de perto o que falam os engravatados tecnocratas: 

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“famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos....” 

Para a canalha no poder, consumir é o mesmo que comprar. Os animais não sabem – nem querem saber – que os pobres leem livros que não podem comprar, a saber, consomem livros das bibliotecas, nas bibliotecas, ou emprestados. Mas continuam os magníficos de costas para a população: 

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“... a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos”,

Olhem só: fica um vácuo de brasileiros entre 2 e 10 salários mínimos. Isto é,  os ricos, os muito ricos que ganham a fábula de 3 salários mínimos, devem pagar um livro com tributos dignos da renda de gangsters no Planalto. 

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Eu leio semelhante notícia e fico estarrecido diante da falta de experiência humana dos tecnocratas. Eles não sabem que os ricos não gostam de ler. Mesmo. Sério. Os burgueses chegam a decorar bibliotecas com livros que somente possuem lombadas de autores clássicos, e dentro dos livros, assim como nos próprios cérebros, os conteúdos são páginas em branco. Mais: do ponto de vista da compra de livros, a leitura no Brasil é comprada pela classe média, a baixa classe média. Mas os pobres leem, e como leem de modo distinto!, e como fazem disso uma experiência vital, maior, como o primeiro beijo, a primeira namorada em suas vidas.

Para não ir longe, e contar experiências com os livros desde a minha infância de morador de becos no Recife, ou de livros que persegui durante muito tempo  para ter nas mãos maduras, como o “Pequenos poemas em prosa” de Baudelaire, eu me pergunto: o que diria, diante da patada e coice da Receita Federal, o mestre Arlindo Albuquerque, professor de escola pública? Fale, mestre, por favor e para sempre: 

O mestre nos escolhia como o público ideal para ouvir Jean-Jacques Rousseau. Acreditam nisso, meninos pobres em uma escola pública a ouvir um mestre em voz alta nos contar sobre o prazer de andar a pé? 

“Je n'ai pas besoin de choisir des chemins tout faits, des routes commodes; je passe partout où un homme peut passer; je vois tout ce qu'un homme peut voir; et, ne dépendant que de moi-même, je jouis de toute la liberté dont un homme peut jouir”. 

Com frequência, muitas vezes repetimos um texto que ele nos mandava ler com este gozo: “Sur la liberté de la conscience”. Eram anos de ditadura, sabíamos, e comentava-se, aos murmúrios, que o professor em 1964 fora espancado, preso, porque fizera parte da direção do Serviço Social contra o Mocambo. O texto no livro vinha sempre a calhar, e era em estado de êxtase que o mestre nos fazia ler “Sobre a liberdade da consciência”. 

- Vejam a beleza. Repitam esta frase. O título é uma coisa extraordinária — e silabava em ritmo lento “sur la liberté de la conscience”. 

Esse francês a gente lembra porque uma lição mais funda vinha naquelas aulas do professor Arlindo Albuquerque. Em lugar da conjugação mecânica de verbos ele nos legava um valor permanente de humanidade. Sem trombetas, de bata azul, em um subúrbio que hoje chamam de periférico, de nome Água Fria, ninguém nunca nos falou tão bem sobre a felicidade que é a liberdade de consciência. 

E mais não digo por enquanto, porque para escrever temos que serenar a raiva, e filtrar em seu lugar uma prosa madura e refletida. Mas por ora, diante de “os pobres não gostam de ler...” só me ocorre escrever: 

- Canalhas, calem as suas latrinas! 

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