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Roberto Amaral

Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

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Ou isso ou nada. Eis o bolsonarismo. Até quando?

Ao fim e ao cabo, o governo poderá não nos legar uma ditadura abertamente fascista. Mas tudo fará para isso

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Está em curso no Brasil um projeto totalitário, já sem disfarces, com perigosa contaminação religiosa primitiva, fatal para a democracia. Neste cenário, mais grave que a encenação goebbeliana do secretário defenestrado por acidente de trabalho são os elogios do capitão seu chefe às ideias do auxiliar, pois eles resumem o cerne ideológico do bolsonarismo. Em live gravada pouco antes da presepada, o presidente, declara:

“Ao meu lado, o Roberto Alvim, o nosso secretário de cultura. Depois de décadas, agora temos sim um secretário de verdade. Que atende o interesse da maioria da população brasileira. População conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceito essa missão. Você sabia que não ia ser fácil, né?”

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À noite, o secretario divulgava seu discurso formal e contundentemente nazista, ademais de pobre de qualquer originalidade.

O que vale para a cultura, no discurso do bolsonarismo, vale para a educação (e o capitão fez questão de ler seu pronunciamento ao lado do ainda ministro da educação e do então secretário da cultura).  A cultura e a educação sempre foram (com a comunicação/propaganda) os canais de preferência de atuação ideológica dos projetos autoritários. Assim foi no nazismo e nos fascismos em todas as suas variantes e vertentes, assim foi entre nós na ditadura do Estado Novo, assim igualmente no mandarinato militar. Assim no atual regime.

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O fascismo – qualquer expressão de poder fascista – é binário e divide o mundo entre o bem e o mal, o bom e o mau, o sadio e o doente. Mal, mau, doente são as classificações reservadas aos divergentes.  Por isso, Goebbels, para “salvar” a Alemanha, falava no imperativo de uma arte germânica, de raiz, conservadora, nacionalista, livre de influências e, por isso, “pura”. Ou isso, ou nada

Ou isso ou nada é o que proclama o bolsonarismo; por isso diz poder fechar o STF com um jipe e dois cabos, e retomar as práticas do AI-5 se a população brasileira se der ao luxo de ir às ruas protestar por pão, emprego ou liberdade. Por isso o avanço sobre as instituições científicas e culturais, a destruição da educação pública, o aumento da concentração de renda e da desigualdade social, o descaso pelo desemprego larvar, de par com a destruição da soberania nacional, a renúncia ao exercício de uma política externa própria e a entrega do destino do meio ambiente aos seus agressores. Esse projeto vem desde a posse, quando o ex-deputado do baixo clero anunciou que seu governo não era de fazer, mas de desconstruir, ou seja, desfazer o país para, em cima da terra arrasada, “doente”, construir a sociedade “sadia”.

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A ideia de que o povo precisa ser salvo de uma “cultura doente” é apenas uma variante do discurso segundo o qual o povo precisa ser salvo de uma “política doente”, de uma “democracia doente”. Ao final, “doente” será mesmo o  povo, e ele precisará ser substituído pelo “novo homem”, filho da “nova cultura”. Ou isso ou nada. Eis o bolsonarismo.

A esta altura, pois, discutir o que muda mediante a troca do dramaturgo (que caiu não pelas suas ideias, pois são as do capitão, mas por havê-las exposto de forma inábil) por antiga atriz de novelas da Globo equivale a  tergiversar sobre a questão central e sobre a qual, enquanto podemos, devemos voltar todas as atenções: o projeto reacionário-obscurantista-autoritário marchando para o totalitarismo representado  pelo bolsonarismo, cujo chefe tem Pinochet e Stroessner como ídolos e exemplos, e a ditadura, a tortura e o extermínio de adversários como métodos de conquista e conservação do poder.

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O que significa uma política “conservadora e cristã”, segundo o bolsonarismo, senão  o fechamento de espaços da cultura, das artes e do saber em geral à criação? Senão a promessa de intolerância religiosa, em país multicultural e multirreligioso e em um Estado laico?

NAS MÃOS DE BOLSONARO, O RUMO DA ECONOMIA DO BRASIL

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A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) abençoou o golpe de 1964 e o AI-5, sob o qual sofreram centenas de católicos patriotas.  Até aqui está silente em face do projeto fascista, e setores dominantes do pentecostalismo o animam e apoiam as pautas mais reacionárias do bolsonarismo. A Igreja Católica carrega a tradição de imiscuir-se nas coisas do Estado. Ao preço mesmo da negação dos princípios cristãos, aliou-se a regimes facínoras como o de Mussolini, mediante o Tratado de Latrão (1929)  e apoiou o governo Hitler.

Os judeus de São Paulo, que têm a memória do holocausto (que igualmente imolou, lembremos, ciganos, comunistas, intelectuais, eslavos, deficientes físicos e mentais, homossexuais, negros e testemunhas de Jeová) reagiram ao ataque peçonhento e determinaram a queda do secretário. Mas devem saber que não chegaram nem perto do núcleo mandante – essencialmente antidemocrático – constituído por várias formações de poder e estamentos de classe. Lá estão, além de setores majoritários das forças armadas e do aparelho repressor de uma forma geral, as organizações pentecostais primitivas e, fundamentalmente, o poder econômico em todas as suas expressões, como patrocinador  da “pauta Guedes”, cuja implantação defende, ainda que ao preço da instalação de uma ditadura.

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No país assolado pelo bolsonarismo,  entre os organismos que integram o aparelho repressor – forças armadas, polícias militares e civis etc. – inscreveu-se o Ministério Público, em suas duas instâncias. Não sem razão, o mesmo procurador que denunciou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, de suposto crime de calúnia por criticar o criticável Sergio Moro – figura  central no projeto fascistizante –, agora, atendendo ao mesmo partidarismo e à mesma pusilanimidade, denuncia o jornalista Glenn Greenwald por “interceptação telefônica de autoridades”. A denúncia inaceitável não é peça jurídica, mas simples vindita contra o jornalista, diretor do site The Intercept Brasil, pois, à sua coragem devemos a revelação dos diálogos sórdidos mantidos entre o juiz Moro e os procuradores da República de Curitiba, que, rasgando o direito, defraudando provas, condenaram à prisão, entre outros, o ex-presidente Lula.

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Dos jornalões não se deve esperar muita coisa, mas é fundamental que os jornalistas, como classe, se ponham em defesa do colega, sob pena de que a liberdade de imprensa, como sonha Bolsonaro, volte a ser tratada como era nos tempos da ditadura militar, cuja má memória tanto encanta o capitão afastado das fileiras do exército por mau comportamento.

No dia do vídeo goebbeliano do secretário de cultura a bolsa de valores de São Paulo subiu 1,5%, estabelecendo novo recorde. Os “analistas” foram ouvidos pelos grandes jornais e se apressaram em afirmar que o pronunciamento nazista e a agenda econômica não se misturam. Talvez não saibam que em 1933 os magnatas da indústria alemã decidiram apoiar a campanha de Hitler, empolgados com as promessas de glórias do III Reich. Deu no que deu.

O especialista Samuel Pessôa, sócio da consultora Reliance, nos diz que “o mercado não tem posição política e opera com base na programação de ganhos. Enquanto a economia vai bem, vida que segue” (FSP, 17/1/19). Para o economista-chefe do Banco Fator, o que importa é que o governo “está passando as reformas”. Para outro analista, Ilmar Arbitmann, da Ativa Investimentos, o discurso sobre guerra cultural e arte nacionalista “não interfere na aprovação das reformas, que é a métrica pela qual o mercado vai avaliar o governo”. Eis uma amostra do apreço do dito “mercado” pela nossa democracia.

Para o chamado empresariado brasileiro  pouco importa para onde caminha o país, como quando da decretação do AI-5, que apoiaram, pois seus lucros estão garantidos se garantida estiver a “pauta Guedes” com o atual ou outro preposto, com este ou outro capitão. Nada, exceto alguma tênue ameaça progressista, abala o mercado e o setor financeiro que controla a economia e dita os rumos da política neoliberal, que tem no bolsonarismo sua infantaria.

Desvalido de princípios éticos ou compromissos sociais, o “Mercado” só se vê comprometido com a promessa de ganhos fáceis que lhe ensejam a ciranda financeira e as esperadas privatizações, mesmo que ao preço de derruição da democracia, erroneamente convencidos os empresários de que o fim das liberdades só atingirá os trabalhadores.

Mas que esperar de um empresariado – ainda chamemos assim a malta de especuladores – que, depois de ser liderado por Roberto Simonsen, tem um Paulo Skaf como presidente da Fiesp?

Ao fim e ao cabo, o bolsonarismo poderá não nos legar uma ditadura abertamente fascista. Mas tudo fará para isso. A nós cabe detê-lo e derrotá-lo.

***

Desmonte da cultura – É de apenas 320 milhões de reais o orçamento da Cultura para o exercício de 2020, elaborado pelo atual governo; para 2019 a previsão foi de 2 bilhões. O orçamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para este ano, 73 milhões, é 67% menor que o orçamento de 2019.

Silêncio cúmplice – O ministro da Justiça, que, em função do cargo, devia guardar a Constituição e promover a defesa dos direitos da cidadania, não tem olhos para ver as agressões diárias à ordem jurídica. Não tomou conhecimento, por exemplo, do atentado terrorista à produtora Porta dos Fundos, nem soube do arroubo nazista de seu colega ex-secretário de cultura, e muito menos conheceu o levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas sobre os ataques do bolsonarismo, a começar pelo capitão, à liberdade de imprensa.  Até quando?

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