Ovocracia

O recorde brasileiro no consumo de ovos, conforme ampla divulgação midiática, é um estimador consistente da desgraça brasileira a céu aberto que todos temos testemunhado, ou melhor, muitos têm. 

Está na proporção direta do quilo do contrafilé a assustadores quarenta reais. 

Não temos mais a inflação devastadora das décadas de 1970 e 1980 - aliás, vivemos a estagnação -, mas a ovocracia já era realidade naqueles tempos. Bife era um sonho e, na Era Sarney, era preciso comprá-lo com ágio. A realidade palpável média do brasileiro era asa de galinha, e não foi à toa que, dez anos depois, o grande mote do início do Governo FHC estava no frango a um real. Era um avanço para muitos trabalhadores, ainda que o desemprego - tal como agora - estivesse em voga. 

Mas é bom que se diga: ovo é legal. O problema é quando ele vira a base da alimentação por absoluta falta de alternativas econômicas. A ovocracia é que não é.

Paulo Guedes, ávido por louvar momentos de pavor da vida brasileira, não está nem aí para a ovocracia ou para a subida estratosférica do dólar: ambos são termômetros sinceros da humilhação imposta ao povo brasileiro, alijado dos postos de trabalho e da sobrevivência razoável. Para o ministro, bom mesmo é ameaçar a oposição com o AI-5, a mais vergonhosa e nojenta prática já exercida por governos brasileiros em todos os tempos, através do estupro, tortura e assassinato de opositores à ditadura. 

Por sinal, todo elogiador do AI-5 não passa de um apologista do crime, ainda que nem isso seja novidade no desgoverno de 2019. Pelo contrário, parece honraria. 

Não estivesse o povo brasileiro tão esmagado economicamente, não seria de todo má ideia que os defensores da ditadura recebessem uma verdadeira chuva de ovos - podres - em suas aparições públicas Mas na ovocracia, o alimento em questão passou a ser questão de sobrevivência ou fome - e esta, invisível para no mínimo boa parte dos componentes do atual desgoverno que esfola o país.