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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Pandemia, oportunismo e o canto do quero-quero

Qual a necessidade ou relação da MP 905 com a política de combate à pandemia? O chamado contrato verde amarelo, também apelidado de “bolsa patrão” por permitir que empregadores tenham mais afrouxamento de encargos trabalhistas, vai aumentar a rotatividade e achatar a média salarial das categorias

Carteira Verde e Amarela faz despencar arrecadação. (Foto: Divulgação)
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Por Igor Corrêa Pereira e Alex Saratt*

Ao sul do Brasil é comum o uso da expressão “o canto do quero-quero” para indicar uma situação onde tal como a ave, que nidifica em tocas ao nível do solo e tem seu ninho ameaçado por predadores, se vale da esperta tática de desviar dali o inimigo cantando em lado oposto à localização do ninho. A esperteza costuma funcionar e, caso falhe, é substituída por uma outra ação mais agressiva e direta, o ataque puro e simples ao adversário.

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Mas nos ocupemos do primeiro exemplo: o disfarce, a tapeação, o engano. Parece lícito supor que parte significativa da discussão sobre a pandemia do corona vírus ao Brasil tem servido menos para o enfrentamento, contenção e minimização da doença e de suas vítimas e mais para criar uma nova cortina de fumaça – ou para não perder o link com a expressão – para reeditar politicamente a tática da ave campeira.

Duas situações saltam aos olhos: o sumiço na pauta jornalística quanto à desvalorização do real brasileiro frente ao dólar americano e a aprovação de matérias no Congresso Nacional que, diferente do observado Mundo afora, não tratam de questões emergenciais, tampouco trazem à tona a lógica de “mais Estado, menos Mercado” ou, pelo menos, ”primeiro aos pobres, depois aos ricos”. Os sucessivos recordes na cotação do dólar e a aprovação da MP 905, o chamado “contrato verde e amarelo”, pelo Congresso, ilustram a situação a que referimos.

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Enquanto esse contrato é aprovado literalmente na calada da noite, pois o Congresso aprovou na madrugada de quarta (15/04), as medidas efetivas destinadas a atender a população atingida pelos efeitos da pandemia, particularmente pela suspensão de atividades econômicas, movem-se vagarosamente.  Milhões de pessoas enfrentam dificuldades, tendo inclusive que enfrentar filas quilométricas presenciais se expondo ao vírus, para cadastro e recebimento da renda básica de emergência. Há reclamações, anda, em relação a ajuda esperada por governos estaduais, prefeituras e empresas. Qualquer comparação com as iniciativas tomadas em outros países de economia equivalente à brasileira chega a ser ridícula, seja no montante, seja na celebridade.

Portanto, o que chama a atenção não é outra coisa senão o negacionismo e politização polarizada da pandemia como tática marota para empurrar com a barriga medidas de alcance social e popular, por um lado, e aprovar - a toque de caixa e sem possibilidade de resistência – uma agenda ultraliberal que massacra os direitos justamente da parcela mais frágil e vulnerável, os trabalhadores e trabalhadoras, por outro lado.

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Aliás, cabe questionar: qual a necessidade ou relação da MP 905 com a política de combate à pandemia? O chamado contrato verde amarelo, também apelidado de “bolsa patrão” por permitir que empregadores tenham mais afrouxamento de encargos trabalhistas, vai aumentar a rotatividade e achatar a média salarial das categorias, criando demissão de empregados mais antigos que serão substituídos por empregados mais jovens, ganhando menos e muito mais precarizados. O que isso vai ajudar as pessoas mais vulneráveis nesse momento? 

Outro alerta que precisa ser feito é como o COVID-19 tem sido utilizado para fazer essa medida tramitar sem nenhum barulho. As discussões no Congresso têm sido feitas remotamente e sem a presença da sociedade e sequer de jornalistas, impedidos de entrar com a desculpa de que se cumpre um protocolo de prevenção ao contágio. A manobra é perversa. A sociedade é impedida sequer de entender o que está sendo aprovado, e os parlamentares com isso se arvoram com carta branca para aprovar uma agenda ultraliberal.

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Também é possível se perguntar porque a crise econômica – anterior ao aparecimento da COVID19 – deixou de problematizar o debate nacional. Óbvio que dada a nova situação de recessão mundial parece que o assunto perde seu sentido anterior, mas isso acaba por premiar a incompetência do Governo Bolsonaro que, numa só tacada, aprova seus projetos e livra-se das críticas quanto ao fracasso de sua política econômica.

O fato é que a discussão encontra-se atravessada porque a pauta é definida e determinada a partir daquilo que o Governo Bolsonaro impõe ao debate público, pela mídia corporativa que ainda repercute as ideias ultraliberais, pela reconfiguração da luta política que deslocou o eixo da disputa para o campo das Direitas, pela fragilidade do conjunto da Esquerda – a institucional e a do movimento social – e pela impossibilidade de se fazer a luta nas ruas em tempos de contágio, adoecimento e morte.

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Dureza! A ambiência de resistência parece encontrar-se hoje numa condição de defensiva aguda. Quem via ou vê caracteres regeneradores ou redentores do capitalismo graças a ocorrência do corona vírus ou traços de desobediência civil e levante de massas precisa olhar o caso brasileiro, seja como fim das ilusões ou ponto fora da curva (muito mais o primeiro, sentenciamos).

Reafirmamos: a Frente Ampla é a linha de superação dessa tragédia em curso, mas com a consciência de que nas condições atuais a hegemonia de uma plataforma progressista, inclusiva e desenvolvimentista dificilmente será lograda, restando como ponto comum de interesse o isolamento e derrocada do fascismo em sua versão anauê-tupiniquim. Até isso se concretizar, o oportunismo político vai fazer como o quero-quero gaúcho: cantar do lado oposto ao ninho, enganando a muitos incautos, desatentos e ingênuos.

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