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Valério Arcary

Valério Arcary é historiador e membro da Coordenação Nacional do Resistência/PSOL.

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Para onde vai o Brasil?

O" patamar da resistência popular contra Bolsonaro é muito inferior daquela que a classe trabalhadora e o movimento de mulheres conquistaram na Argentina contra Macri, dos movimentos populares e indígenas Chile contra Sebastián Piñera e no Equador contra Lenín Moreno", afirma o professor aposentado do IFSP Valério Arcary

(Foto: Agência Brasil)
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Por Valério Arcary

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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O Brasil não é a Argentina em “câmara lenta”.

1.

A recente derrota de Trump terá repercussões imensas, em função do peso do imperialismo norte-americano, em particular, uma elevação do isolamento internacional do governo Bolsonaro. Muitos se interrogam para onde vai o Brasil nessa nova conjuntura. O MAS venceu as eleições na Bolívia no ano passado. No final de 2019 a chapa Alberto Fernandes/Cristina Kirchner venceu na Argentina. No recente primeiro turno das eleições no Equador um herdeiro político de Rafael Correa venceu o primeiro turno. O destino do governo de extrema-direita está selado? A hipótese de vitória eleitoral de Lula, se puder ser candidato, ou de outra candidatura de esquerda é a mais provável?

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O argumento deste texto é que o desenlace da luta contra Bolsonaro permanece, por enquanto, indefinido. A questão central é relação social de forças reacionária, portanto, muito distinta daquelas nos países vizinhos. O patamar da resistência popular contra Bolsonaro é muito inferior daquela que a classe trabalhadora e o movimento de mulheres conquistaram na Argentina contra Macri, dos movimentos populares e indígenas Chile contra Sebastián Piñera e no Equador contra Lenín Moreno, e dos camponeses-indígenas na Bolívia contra o golpe militar.

2.

O perigo contrarrevolucionário ou ameaça de uma derrota histórica desde o golpe de 2016, representado pelo governo Bolsonaro é diferente e muito maior, qualitativamente, daquele que foi representado por Mauricio Macri na Argentina, Lenín Moreno no Equador, Sebastián Piñera no Chile ou, agora, Luís Lacalle no Uruguai. A subestimação do impacto das derrotas acumuladas desde o golpe de 2016 seria miopia. A construção das condições para derrotar Bolsonaro em 2021 ou nas eleições em 2022, a batalha mais decisiva desde o fim da ditadura, para abrir o caminho para um governo de esquerda, será muito mais difícil do que foi na Argentina, Bolívia e Equador. Mas é possível. As variáveis decisivas como a evolução da pandemia e do quadro recessivo econômico estão em disputa, e podem evoluir, favoravelmente.

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3.

Brasil e Argentina, mas também, Uruguai, apesar de suas especificidades, conheceram uma sucessão de quatro ciclos políticos, relativamente, sincronizados, no último meio século. Este alinhamento dos ciclos na luta de classes impressiona:

(a) a etapa das ditaduras militares nos anos sessenta e setenta, (Brasil entre 1964/84, Argentina em uma sequência, primeiro 1962, uma segunda quartelada em 1966 e, finalmente, o terror 1976/82, Chile 1973/1990 e Uruguai entre 1973/1983), após a vitória da revolução cubana, e as derrotas históricas que sacrificaram uma geração;

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(b) a etapa dos governos de centro-direita liberal nos anos oitenta e noventa, Alfonsín e Sarney da transição para regimes democrático-presidenciais concentrados na necessidade de controlar a onda de ascenso;

(c) a etapa dos governos de centro-direita neoliberais com Menem e FHC que assumiram os ajustes neoliberais e dolarização para controle da superinflação com as privatizações;

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(d) a etapa dos governos denominados progressistas na primeira década dos anos dois mil, kirchnerismo e lulismo, a década kirchnerista entre 2003/2014, os treze anos de governos de coalizão liderados pelo PT (2003/2016) no Brasil, e a sequência de governos da Frente Ampla (2005/20) no Uruguai;

(e) a quinta e última etapa foi aberta pelos golpes institucionais jurídico-parlamentares no Paraguai contra Lugo, no Brasil contra Dilma Rousseff além do golpe na Bolívia contra a reeleição de Evo Morales, e passou pela eleição, mas em processo muito distinto, de Macri e a recente de Lacalle no Uruguai, portanto, é perigoso desconsiderar que ocorreu uma bifurcação com o golpe de 2016 no Brasil.

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4.

Existem conjunturas internacionais se desdobram em ciclos regionais, mas eles devem ser considerados com as incontornáveis mediações. O que define os ciclos são determinações impostas pelo domínio do centro sobre a periferia ou as pressões do capitalismo mundial sobre as suas periferias. A relação da ordem imperialista, estruturada pelo poder da tríade sob a liderança norte-americana em parceria com o Reino Unido, associada à União Europeia e Japão, com o cone sul é distinta da relação com o México, com a América Central, ou com os países andinos.

5.

O Cone Sul da América Latina é um cenário específico que merece ser considerado englobando Brasil e Argentina, as duas nações de maior peso econômico e político, mas, também, Uruguai, Paraguai e, ainda que com algumas especificidades, pela relação com o Peru e o mundo andino, também, o Chile. A Argentina conheceu um processo, incomparavelmente, mais profundo de ruptura, quando da queda da ditadura. No Brasil o aparelho militar-policial permaneceu intacto.

Mas a maior radicalidade do processo de luta de classes na Argentina, quando comparado com o Brasil repousa, em primeiro lugar, em muitas diferenças objetivas. O peso social e político do que significou a construção do PT explica, também, destinos entrelaçados, porém, peculiares. O Brasil não é somente maior e mais complexo ou complicado. As duas principais diferenças são o grau de desigualdade social, que tem raízes históricas na escravidão, e a força política-social da burguesia brasileira. Os ciclos merecem ser reconhecidos, mas não sustentam a conclusão de que a evolução da luta político-social no Brasil é semelhante à da Argentina, só que em câmara lenta.

6.

O destino da luta pelo socialismo no Brasil é indivisível da evolução da situação no cone sul da América Latina. O que acontece na Argentina ou Uruguai tem imensa importância objetiva e deveria repercutir, intensamente, no Brasil e, claro, vice-versa. Só que não é assim. A esquerda brasileira gosta de pensar que é internacionalista, mas não é. Na verdade, as muitas e variadas condições peculiares da luta de classes no Brasil favoreceram outras qualidades, quando em comparação com a esquerda dos países vizinhos, em especial, a argentina. Não estamos entre os mais sectários, talvez.

A esquerda acolheu militantes muito aguerridos, e com grandes habilidades de agitação, mas os excessos retóricos polêmicos não são admirados. Evitamos a frontalidade. A esfera pública de debates é pequena, e a cultura de discussão, em especial, a teórica é rudimentar. Talvez assim se explique porque qualquer dissensão pode degenerar, facilmente, em uma cacofonia. Por isso, as asperezas são evitadas. São em grande medida as “vantagens do atraso”. Somos, também por isso, muito provincianos. O Brasil é, em diferentes dimensões, um país concentrado sobre si mesmo. Mas isso não impediu que, entre alguns trotskistas, tenha se desenvolvido, reativamente, o que podemos descrever como um ultra-internacionalismo. O ultra-internacionalismo é quase uma mentalidade. Uma forma de determinismo que diminui ou desconsidera as especificidades brasileiras.

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