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Valério Arcary

Valério Arcary é historiador e membro da Coordenação Nacional do Resistência/PSOL.

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Para onde vamos?

"A unidade na ação contra Bolsonaro não diminui a necessidade de uma Frente Única de Esquerda, ao contrário, exige", escreve o professor aposentado do IFSP Valério Arcary

(Foto: Ueslei Marcelino/Reuters© / Direitos reservados)
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Por Valério Arcary 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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A análise do momento da conjuntura merece considerar quatro fatores chaves que se combinam, mas devem ser avaliados pelo peso específico de cada um deles. Uma análise marxista não pode perder o sentido das proporções.

(1) O primeiro e decisivo, neste momento, é que a pandemia continua em expansão. A extensão do contágio se mantém muito elevada, provavelmente, dez vezes maior do que os números oficiais, e o número de trinta mil mortes esconde uma gigantesca subnotificação, que deve ser, na verdade, mais do dobro. O Brasil está entre os três principais centros da doença no mundo, em função, antes de tudo, do desastre da política do governo Bolsonaro.

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Mas não só do governo federal, embora ele seja o maior responsável. Quando era possível salvar vidas em grande escala, e ganhar tempo, através de uma quarentena total, os governos estaduais escolheram políticas de distanciamento social muito parciais, com raras exceções. Não há testagem em massa nas grandes cidades. Portanto, os dados disponíveis sobre a disseminação são mais do que insuficientes. No entanto, mesmo com a capacidade do sistema de saúde tendo chegado ao limite máximo em capitais do norte e nordeste, e agora em São Paulo e Rio de Janeiro, as duas megaregiões metropolitanas, a maioria dos governos estaduais e das prefeituras decidiu flexibilizar as quarentenas, sob pressão burguesa, pela retomada da vida econômica.

A calamidade sanitária ameaça se transformar em uma catástrofe humanitária, com a projeção de centenas de milhares de mortos em poucos meses. O centro da luta política será a responsabilização do governo Bolsonaro pela tragédia, e tem os seus tempos. Essa aposta tática é a chave da prepararação das condições de derubada do governo.

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(2) A destruição econômica foi confirmada pela divulgação dos dados do primeiro trimestre, que sugerem uma recessão entre 5% e 10% do PIB para 2020, a maior da história. Segundo dados do IBGE, até o mês de abril, cerca de 5 milhões de postos de trabalho foram eliminados em dois meses, a destruição continuou em maio e deve prosseguir em junho e julho, sendo impossível prever qual será a dinâmica até o fim do ano. Além dos trabalhadores, a pequena burguesia está estrangulada pela suspensão parcial da vida econômica que ameaça a falência de milhões de empresas que não conseguem acesso ao crédito. A situação social não é ainda terminal em função do impacto da distribuição para 58 milhões de pessoas do auxílio emergencial.

(3) A dinâmica da evolução da relação política de forças é de crescente debilitamento do governo Bolsonaro, mas evolui mais rapidamente que a mudança na relação social de forças. Este descompasso nos ritmos do desgaste é importante. O governo vem enfraquecendo porque rachou diante da política de Bolsonaro frente à pandemia, com a saída de Mandetta, e depois de Moro; perdeu apoio na maioria dos governadores, e começou a ser acossado por dois inquéritos no STF – a denúncia de intervenção na Polícia Federal e o sobre a indústria de fake news – e um no TSE, ainda que tenha recomposto uma base parlamentar no Congresso através de acordo com parte do Centrão.

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Segundo as pesquisas de opinião, continua aumentando, também, a rejeição ao governo, algo entre 43 e 50%, mesmo se Bolsonaro mantém apoio entre 25 e 33%. Porém, se consideramos, em um grau de abstração mais elevado, a relação social de forças continua desfavorável. Ainda que dividida diante do governo, nenhuma fração da classe dominante se posiciona pela derrubada de Bolsonaro. Prevalece a linha de tentar conter Bolsonaro, diante da fase aguda da pandemia, rejeitando soluções extrema, se posicionando contra um autogolpe, mas também o deslocamento.

As camadas médias estão divididas, porém, a fração da pequena burgueisa proprietária tem uma alinhamento forte com o governo. E embora haja sinais de que uma fúria está se acumulando na juventude trabalhadora e estudantil, e uma maioria na classe trabalhadora organizada se consolidou na oposição, ainda pesa muito a insegurança. O mais importante, todavia, é que as condições de quarentena deixam amputada a possibilidade de Atos de massas, sem riscos inaceitáveis de contágio. A imensa simpatia de massas pelos Atos de vanguarda, como os antifascistas das torcidas, sinaliza uma tendência muito positiva.

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(4) A escalada golpista dos neofascistas, entretanto, não foi interrompida. Amparados em uma interpretação do artigo da Constituição, que admite a convocação das Forças Armadas pelo governo, em função da preservação da ordem social e política, já deixaram claro que procurarão uma legitimação legal do assalto ao poder. E contam com a possível cumplicidade do governo Trump.

A esquerda não pode desdenhar, subestimar ou desconsiderar a gravidade dessas ameaças. Devem ser levadas a sério e denunciadas, diariamente. Os neofascistas ameaçam para assustar, atemorizam para conter, intimidam para se defender. Mas a luta política não se explica, somente, racionalmente, porque opera o papel dos indivíduos.

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Bolsonaro é um messiânico, destemperado, impulsivo, aventureiro. Encurralado, pode partir para o tudo ou nada. Maia é solene, mas medroso, um fraco. Doria é pomposo, mas pusilânime, um inerme. Não é, tampouco, animadora, qualquer expectativa do STF. Toffoli é faustoso, mas frouxo, um covarde. E aqueles que poderiam se contrapor seriam minoria e anulados diante da chantagem de guerra civil.

Ninguém sabe se Bolsonaro teria ou não apoio militar para uma aventura provocativa para impor uma manobra bonapartista, neste momento. O significado do alinhamento das Forças Armadas com Bolsonaro para preservar o mandato não pode ser diminuído. As ameaças de uma provocação são, pelo menos, uma tentativa de blindagem. O fato de o governo estar na defensiva diante das pressões do STF e TSE não anula a possibilidade de tentarem um golpe.

As lições das Diretas Já

São muitas as lições da fase final da luta contra a ditadura militar através da campanha das Diretas Já. Mas é importante recordar todas as lições. A campanha não foi vitoriosa, embora pudesse ter sido. Afinal, foi a maior mobilização política de massas da história contemporânea, com mais de seis milhões nas ruas, quando a população, economicamente, ativa em 1984 não era superior a quarenta milhões. Depois da derrota da emenda Dante de Oliveira em 25 de abril de 1984, o PT ficou sozinho defendendo manter a campanha.

Não é segredo que a chave da manipulação que resultou na eleição da chapa que abriu o caminho para a posse de Sarney foi a divisão da direção do PMDB. Ulysses Guimarães foi traído por Tancredo Neves, que se rendeu. A unidade de ação da esquerda com os partidos liberais contra o governo Figueiredo pode inspirar a unidade de ação da esquerda com as forças que representam o descontentamento na burguesia, e nas camadas médias contra Bolsonaro, evidentemente. Ela é necessária, para vencer. Golpeamos juntos, mas marchamos separados. Um belo exemplo, no meio jurídico, é o Manifesto “Basta”, que sublinha que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade. Mas, a unidade na ação contra Bolsonaro não diminui, ao contrário, exige uma Frente Única de Esquerda.

Cresce uma perigosa pressão pela rendição da esquerda. O Manifesto “Juntos” é uma expressão disso. Sem nem ao menos pedir o impeachment de Bolsonaro, ou outra forma de interrupção do governo, a iniciativa juntou amplos setores (do PSOL a Luciano Huck, passando pelo PT e o PSDB) na defesa de um programa abstrato em defesa da “normalidade democrática” e da “responsabilidade econômica”. Não se posiciona, claramente, contra Bolsonaro, nem defende ação alguma contra o governo. Se fosse um manifesto que pedisse o impeachment seria correto a esquerda apoiá-lo, mesmo que não tivesse sequer uma linha contra a política econômica de Paulo Guedes.

Mas não se trata, infelizmente, sequer de uma unidade de ação democrática contra o perigo de um autogolpe. O manifesto Juntos é o desenho, o embrião de uma Frente Ampla em que a esquerda aceitaria ser força auxiliar do projeto de pressão para tutelar, conter, restringir Bolsonaro. Ou seja, uma tentativa de “normalizar” o governo de extrema direita diante da crise sanitária, econômica e política, para ver se ele pode cumprir o mandato, suspendendo as provocações. Não denuncia o perigo de golpe, nem defende a queda de Bolsonaro, porque seu objetivo é outro.

A Frente Única de Esquerda que surgiu em torno da plataforma das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, da campanha Salvar vidas, Fora Bolsonaro, e a iniciativa do pedido comum de impeachmente, é o ponto de apoio para iniciar mobilizações contra Bolsonaro, apoiando ações nas ruas, com o máximo cuidado de preservação do distanciamento social.

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