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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Para superar a estagnação

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Como ocorre a cada segunda-feira, o Banco Central (BC) divulgou também entre Natal e Ano Novo os resultados de sua tradicional pesquisa Focus no dia 27 de dezembro. Trata-se de um levantamento realizado pelo órgão responsável pela política monetária e pela regulação do sistema financeiro junto à nata das instituições do mundo do financismo. O chamado “Sistema de Expectativas de Mercado” assume claramente a disposição de oferecer aos responsáveis por esse importante ramo da política econômica no setor público a visão e o diagnóstico de quem está do outro lado do balcão - a banca privada.

Assim, todas as orientações acerca da taxa oficial de juros e outros instrumentos da política monetária ficam completamente capturados pelos desejos e pelos interesses do sistema financeiro. O modelo adotado é a confissão mais evidente do desmonte das instituições públicas de planejamento econômico. Os dirigentes de tais instituições privadas passam a balizar ação do governo ao definirem suas expectativas em elementos fundamentais da economia, tais como o crescimento do PIB, os níveis de inflação, a taxa SELIC, a taxa de câmbio, a balança comercial, o resultado fiscal e outras variáveis.  O detalhe é que fazem projeções para o ano em curso e ainda para mais três exercícios à frente. Ou seja, não contentes em chutar e errar descaradamente em seus desejos para o crescimento das atividades ao longo dos próximos meses, arriscam-se a dizer qual será, por exemplo, a taxa de câmbio em 2024. Uma loucura!

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Governo do financismo

Na verdade, a pesquisa é algo parecido a um chá virtual organizado entre comadres que se juntam para discutir algum assunto e para definir o que deveriam fazer de forma coletiva a esse respeito. O próprio BC escolhe quem será convidado a oferecer sua preciosa contribuição para criar as bases que deem fundamentação às deliberações do Comitê de Política Monetária (COPOM) e outras instâncias governamentais.  O modelo está em vigor desde 2001, quando o BC preferiu se ancorar em tais pesquisas e não mais em estudos e modelos preparados por suas equipes próprias de economia. Vejamos o que diz a página da instituição a esse respeito:

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(...) "Atualmente, estão habilitadas cerca de 140 instituições, majoritariamente bancos, gestores de recursos, distribuidoras e corretoras, além de consultorias e outras empresas não-financeiras.” (...)

Ora, ao excluir de forma deliberada os representantes de opiniões que não concordam com aquelas consensuadas no interior do financismo, a agência reguladora faz uma opção que torna os resultados da pesquisa semanal ainda mais frágeis e viesados. Não há nenhuma instituição de pesquisa ou universitária convidada a fornecer suas avaliações, nem entidades que operem fora do universo dos negócios das finanças. Os economistas que pensam de forma diversa da caixinha da ortodoxia estão fora da consulta.

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Ao confundir seus desejos com as perspectivas futuras da economia, os que respondem à pesquisa terminam por comprometer a própria eficácia da política econômica. Assim, por exemplo, em sua torcida cega pela condução da economia sob a batuta de Paulo Guedes, apontavam há 6 meses atrás que a economia iria, finalmente, se acertar e que em 2022 o PIB iria crescer 2,4%. Maravilha, não acham? Como não havia a menor fundamentação objetiva para tal previsão carregada de otimismo, o passar do tempo se encarregou de trazer um pouco mais de realidade aos resultados. E a pesquisa mais recente traz essa projeção para tímidos e modestos 0,40% de crescimento do Produto no ano que vem. E ninguém termina sendo responsabilizado por essa diferença de 500% nas expectativas em menos de um semestre. Por outro lado, a única expectativa em que eles não erram jamais é aquela do patamar da SELIC. É que nesse caso trata-se de uma espécie de profecia auto realizada. Como são obedecidos pelos membros da diretoria do BC em suas exigências, o COPOM termina por sempre referendar as pressões e os lobbies para que a taxa oficial de juros fique de acordo com as determinações do pessoal da Focus. Como eles têm sempre “acertado” nas previsões anteriores, é bastante preocupante quando agora apontam para uma SELIC a 11,50% no ano que vem. Ou seja, os 2,25% somados aos atuais 9,25% aprofundariam ainda mais o quadro recessivo para 2022.

Estagnação acima de tudo.

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Pois é esse mesmo pessoal que se encarrega, por outro lado, de alardear o catastrofismo pelos meios de comunicação a cada vez que ouvem falar em despesa pública não-financeira. No entanto, os gastos com juros da dívida pública podem crescer sem nenhum problema. Ao fazerem a defesa ensandecida de resultados fiscais comprimidos a qualquer custo, impedem que sejam adotadas as chamadas “medidas contracíclicas”, tão necessárias para superar o atual quadro de estagnação de nossa economia. Na verdade, trata-se de aplicar os ensinamentos básicos presentes em qualquer manual razoável de macroeconomia, onde se aprende que nos momentos de baixa da atividade econômica, nos períodos de pasmaceira ou recessão, a melhor alternativa é sempre recuperar os níveis de gasto público. Esse tipo de medida atua justamente contra a tendência do ciclo econômico e colabora para a recuperação das atividades de forma geral. Ou seja, se o programa governamental for bem concebido, ele não tem intrinsecamente nada de irresponsável, demagógico, bolivariano ou aventureiro. Basta consultar as medidas mais recentes adotadas pelo Tesouro norte-americano ou pela Comissão Europeia. O problema é que a obsessão pelo tema da austeridade fiscal de forma irresponsável dominou corações e mentes do mundo empresarial, universitário, das instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial e outros) e dos meios de comunicação durante décadas. E o financismo tupiniquim resiste como pode a fazer essa transição já em curso nesse tipo de ambiente nos países desenvolvidos. Assim, por aqui Paulo Guedes e companhia ainda se mantêm amarrados ao discurso superado pelos seus colegas no ambiente globalizado do próprio sistema financeiro. A ameaça de quebra generalizada em 2008/9 e a mais recente provocada pela pandemia contribuíram para flexibilizar a receita austericida e passou a ser aceita a ideia de que o Estado pode, sim, ser importante para atenuar os efeitos da crise. E isso implica em aumentar as despesas orçamentárias e também o grau de endividamento dos governos. Ou seja, esses temas deixaram de ser tabus interditos e passaram a ser analisados de forma mais objetiva pragmática, no debate do caso a caso. No contexto brasileiro atual, parece não restar mais dúvidas a respeito da necessidade de revogar a matriz de todas estas limitações: a Emenda Constitucional nº 95, que impôs em 2016 o famigerado teto de gastos por vinte longos anos. O bloco do fisiologismo no Congresso nacional já percebeu isso e conseguiu se impor junto a Bolsonaro, obrigando Paulo Guedes a aceitar de forma resignada se converter no patrono de gambiarras, como essa PEC dos Precatórios. Porém, o banqueiro no comando da economia não engana mais ninguém. Seu apego desavergonhado por permanecer apenas mais alguns meses na cadeira concentradora de quatro ministérios o levou a aceitar esse tipo de malandragem institucional. Mas, na verdade, trata-se tão somente de uma artimanha de um fura-teto apenas para manter o teto. Ele não mexe no criminoso Novo Regime Fiscal inserido na Constituição e abre a exceção apenas para atender, em 2022, aos desejos apetitosos das verbas bilionárias das escandalosas Emendas do Relator e para acomodar uma jogada eleitoreira de Bolsonaro. O candidato à reeleição pretende repaginar o exitoso Bolsa Família e criar um monstrengo reduzido - o tal de Auxílio Brasil - para chamar de seu.

Romper o fiscalismo e superar a estagnação.

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Não existe saída possível caso as expectativas do pessoal consultado pela pesquisa Focus se mantenham como a principal referência para definição da política econômica de qualquer governo. A superação da estagnação exige uma mudança de paradigma por parte dos responsáveis pelas políticas públicas, onde a questão da recuperação do protagonismo do Estado e o abandono do dogmatismo fiscalista sejam uma regra absoluta. Isso significa também encampar outra visão a respeito da importância das finanças públicas, que não podem mais ser tratadas como a gestão de recursos dos indivíduos, das famílias ou das empresas. Por mais complexas que sejam as relações econômicas no mundo contemporâneo, os dirigentes políticos deveriam se manifestar de forma a esclarecer e abrir novos horizontes em suas manifestações públicas a esse respeito. O tempo do austericídio já está superado em boa parte do mundo e devemos avançar aqui em nosso país para novos modelos. Nesse sentido, declarações como essa recente do ex presidente Lula não contribuem para tanto:

(...) “Eu aprendi economia com a Dona Lindu. Ela era analfabeta, mas sabia contar dinheiro. Os 8 filhos entregavam seus salários para ela. Aprendi com ela que a gente só deve gastar o que a gente ganha. Bem diferente do Guedes: ele quer só vender a Petrobrás, a Eletrobrás, os Correios” (...)

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Ele já esteve por oito anos à frente do Palácio do Planalto e acompanhou bem de perto os seis seguintes de Dilma Roussef. Conhece como poucos os mecanismos de funcionamento da máquina pública e as opções e possibilidades oferecidas pela política econômica. Ele sabe muito bem que precisará botar esse modelo de cabeça para baixo caso queira promover alguma transformação mais efetiva na vida da maioria da população e na capacidade produtiva do país. Mas tem também a clareza de que não contará desta vez com a ajuda do ambiente de boom das commodities para um eventual novo mandato.

Podemos até compreender o que teria levado o candidato a se manifestar nessa linha. Mas manter esse tipo de comparação das opções macroeconômicas com a economia doméstica não ajuda em nada; pelo contrário, atrapalham e muito. No sentido oposto do que afirmou Lula, o Estado brasileiro pode sim e deve gastar mais do que arrecada, em especial no momento atual. Caso contrário, a manutenção da lógica ainda vigente pode até agradar alguns setores das elites do financismo, mas não as enganará jamais. E a perpetuação do modelo rentista e fiscalista impedirá que seja alcançado o objetivo de superar o quadro estagnacionista atual da forma mais rápida e eficiente possível.

* Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal. 

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