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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Petrobrás, derivados e as eleições

O Brasil passou a ficar cada vez mais dependente da importação de derivados refinados e tornou-se ainda mais refém da transferência de renda para o exterior

Sede da Petrobras no Centro do Rio. (Foto: © Fernando Frazão/Agência Brasil)
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A guerra na Ucrânia tem provocado um sem número de consequências sobre a realidade brasileira. Apesar da distância física que nos separa do campo de batalha, a invasão russa contribuiu para deixar a nu a incompetência completa de Bolsonaro, também no trato das questões internacionais. A espécie de admiração que o capitão defensor da tortura e da pena de morte alimenta por Putin termina por substituir a idolatria que ele nutria pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump, que também mantinha uma relação de, digamos, “cordialidade” com o líder russo. Tempos complexos esses em que vivemos, onde os fatos e os personagens podem ser, ao mesmo tempo, uma coisa e o seu contrário.

Mas o elemento da geopolítica internacional mais uma vez acaba por colocar em primeiro plano o aspecto energético, como costuma acontecer em momentos de acirramento da beligerância local, regional ou global. As sanções contra a Rússia, anunciadas inicialmente pelos Estados Unidos e depois impostas também pelos demais países membros da Otan, acenderam sinais de alerta por todos os continentes a respeito da capacidade de a maior parte dos países do mundo continuarem recebendo os fluxos de combustíveis, tal como ocorria até momentos antes do início do conflito.

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Para além das equivocadas e desproporcionais medidas decretadas contra o país governado por Putin, a questão do abastecimento de petróleo também ganha destaque e gera maior incerteza quanto ao futuro. A expulsão unilateral promovida contra a Rússia de acesso a mecanismos de fluxo financeiro internacional, a exemplo do Swift, constitui grave arbitrariedade de natureza econômica e diplomática, além de significar o congelamento e o sequestro de centenas de bilhões de dólares das reservas russas acumuladas em divisas internacionais. Muito tem sido comentado a respeito das fortes probabilidades de que tais medidas acabem por promover um efeito bumerangue, a médio prazo, contra o próprio sistema econômico internacional, tal como montado atualmente e liderado pelos Estados Unidos.

Política desastrosa de preços começa em 2016.

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A situação brasileira se reveste de traços dramáticos em função da política irresponsável e criminosa que veio sendo adotada no tocante à Petrobrás desde 2016, logo depois do golpeachment praticado contra Dilma Roussef. Esse foi o momento em que a duplinha dinâmica Michel Temer & Henrique Meirelles assumiu o comando do Brasil e de sua política econômica. Um pouco antes de ter pressionado o Congresso Nacional a aprovar a Emenda Constitucional nº 95 de dezembro de 2016 do teto de gastos, o governo golpista aprovou uma nova política de preços para os derivados de petróleo, que recebeu o tratamento na imprensa de PPI – “preços de paridade de importação”. Lembremos de que esse período estava marcado pelo ataque desproporcional que a nossa maior empresa estatal vinha recebendo da imprensa de forma geral, sempre pautada pelos documentos liberados e versões vazadas pelo comando da operação Lava Jato em Curitiba.

As ligações do juiz Sergio Moro, do promotor Deltan Dallagnol e demais integrantes da força tarefa com o Departamento de Estado norte-americano são hoje mais do que conhecidas. Assim tudo leva a crer que o projeto de destruição do gigante petrolífero brasileiro passou a ser uma missão articulada entre os participantes da operação. No discurso geral de privatização da empresa, destacava-se também a necessidade de evitar o “aparelhamento político” da Petrobrás e o uso de suas políticas de preços de acordo com a conveniência do governo. A solução miraculosa, como sempre, passava pela introdução das chamadas “regras de mercado” para lidar com a empresa. Em termos concretos, o bombardeamento da política de preços administrados levou à adoção dessa tal PPI. Com isso, foi levada ao extremismo a admiração idealizada pelas livres forças de oferta e demanda na definição dos preços de diesel, gasolina e gás de cozinha, dentre os demais derivados de petróleo.

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A opção “jenial” foi a de atrelar as variações de preços internos de tais produtos às oscilações verificadas no preço do petróleo no mercado internacional. Uma loucura! Além disso, esse processo veio combinado a uma política explícita de privatização e dilapidação do patrimônio da Petrobrás, bem como uma orientação para que a mesma reduzisse sua capacidade de refino e aumentasse sua exportação de óleo bruto. Assim, o Brasil passou a ficar cada vez mais dependente da importação de derivados refinados e tornou-se ainda mais refém da transferência de renda para o exterior por conta dessas trocas desiguais. Especializou-se em vender petróleo cru e importar produtos que já haviam passado por algum processo de industrialização e de agregação de valor na escala industrial.

PPI e destruição da Petrobrás.

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Ao longo desses mais de 5 anos de vigência de tal política de preços, o resultado concreto foi a elevação mais do que proporcional dos valores de venda dos derivados, acompanhada de uma redução da produção de bens refinados internamente. Os índices de inflação foram bastante influenciados pelo crescimento dos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha, sendo que o governo apenas lamentava tal impacto e dizia que não havia alternativa que não fosse a submissão aos desejos do todo poderoso “senhor mercado”. Guedes e a “intelligentsia” do financismo tupiniquim, sempre papagaiados pelos colunistas dos grandes meios de comunicação, defendiam a política a todo o custo, ignorando os efeitos sociais e econômicos resultantes da mesma contra a maioria da sociedade.

Pois agora, a situação torna-se ainda mais grave em função do conflito da Ucrânia. As súbitas elevações dos preços do petróleo no mercado internacional de “commodities” terminaram por serem, mais uma vez, transferidas aos consumidores (empresas e famílias) dos derivados. Os impactos terríveis sobre os orçamentos já reduzidos da maioria da nossa população provocam também um efeito de achatamento da já reduzida popularidade de Bolsonaro. As perspectivas de sua reeleição encontram na PPI – ó ingênua coincidência – um enorme obstáculo. Mas para escapar de tal efeito, Bolsonaro precisa encontra algum mecanismo para eliminar ou reduzir os aumentos autorizados por sua equipe em preços tão sensíveis em nossa sociedade. Para isso, tenta promover o desgaste e busca a substituição do atual presidente da empresa, indicado por ele mesmo há pouco mais de um ano atrás, o General Luna e Silva. Mas o militar parece mais interessado em abocanhar os escandalosos bônus milionários, que ele mesmo outorgou a si mesmo e aos demais executivos da empresa, do que atender aos pedidos do chefe.

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Ações na Bolsa de Wall Street: vantagem para quem?

Um dos maiores imbróglios nesse processo todo refere-se à política, iniciada por Fernando Henrique Cardoso em 2000, de lançamento de ações da empresa estatal na Bolsa de Valores de Nova York. Esse deslumbramento com o mundo do financismo internacional teve sequência e até mesmo Lula comandou um processo em 2010, para celebrar o lançamento de mais papéis da Petrobrás a serem oferecidos aos especuladores globais por meio dos leilões de oferta dos títulos em Wall Street. Isso significa que nossa empresa estatal passaria a responder juridicamente à legislação e às decisões da justiça norte-americana, sempre que questionada pelos investidores internacionais. Assim ocorreu em 2018, quando a empresa foi obrigada a fechar um acordo com os mesmos no valor de R$ 3,4 bilhões, em razão de perdas alegadas pelos detentores de títulos por denúncias apresentadas pela Operação Lava Jato. Enquanto a empresa não recuperar sua plena autonomia, toda e qualquer decisão gerencial interna ou medida do governo a seu respeito pode provocar esse tipo de questionamento no exterior.

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Atualmente, no entanto, a situação é exatamente a oposta. Há poucos dias, a direção da Petrobrás anunciou os resultados obtidos em 2021. Os lucros revelaram-se imensos e foram quase integralmente transferidos aos acionistas, sob a forma de dividendos. Entre 2020 e 2021, por exemplo, o lucro da empresa cresceu 1.400%, uma exorbitância fora de propósito de qualquer análise racional. Assim, ficou definido que a quase totalidade dos R$ 107 bilhões apurados como lucro fossem destinados aos detentores dos papéis – na verdade, foi subtraído da capacidade de reinvestimento na empresa um valor total de R$ 101 bi, ou seja, 95% do lucro total. Excelente artigo de Eduardo Costa Pinto nos esclarece que a empresa brasileira registrou, ao longo do ano passado, o maior resultado dentre as principais petroleiras internacionais. E a atual PPI exerceu papel essencial para que esse desempenho fosse alcançado.

Acabar com paridade internacional e recuperar a soberania da Petrobrás.

A proximidade das eleições e o contágio que o efeito dos aumentos pode provocar sobre a tentativa de recuperação de popularidade de Bolsonaro deve trazer alguma novidade ao longo dos próximos dias. Ele já indicou o presidente do Flamengo para presidir o conselho da empresa e tem buscado medidas paliativas, como redução de ICMS (de âmbito estadual), para buscar a atenuação do impacto de elevação de preços. No entanto, como a questão voltou com força à cena política, não deve ser descartado algum tipo de mudança na política de preços a curto prazo. Ainda que não assumidas oficialmente como tal, há articulações para que esse reajuste, associado à guerra na Ucrânia, seja considerado excepcional e, assim, possa ser compensado por algum tipo de medida também considerada extraordinária.

Cabe às oposições demonstrarem o oportunismo de Bolsonaro, que ficou mais de 3 anos sustentando essa política de preços antipopular e antinacional e agora, de repente, resolve alterá-la. Na verdade, o que se faz necessário é recuperar a soberania brasileira de produção e de refino de petróleo, de modo que os nossos preços internos sejam calculados em função dos verdadeiros custos de produção da própria Petrobrás e não por variações verificadas nos preços do barril de óleo brito, tal como definidos pela Opep. Além disso, é fundamental estabelecer que os resultados positivos da empresa devam ser aplicados em recuperação e ampliação de seu investimento e não distribuídos generosamente para seus acionistas nacionais ou estrangeiros.

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