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Cláudio da Costa Oliveira

Economista aposentado da Petrobras

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Petrobrás vira as costas para seu estatuto ao vender seus ativos e focar apenas em gerar lucro para acionistas

A empresa tende a dar lucro, só que sem a responsabilidade com a economia brasileira e com o desenvolvimento do país. Ela passa a ser uma mera exportadora lucrativa de óleo cru. A Petrobrás vai dar lucro sim, a não ser que o preço do barril despenque muito

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A Petrobrás anunciou a sua revisão de portfólio em exploração e produção e a intenção de vender ainda mais ativos. A decisão movimentou o mercado e causou reações diversas. Hoje (16), vamos ouvir o economista aposentando da companhia, Cláudio Oliveira, que afirma que a postura da petroleira está indo no sentido contrário do que diz o seu próprio estatuto. Segundo Oliveira, a atual administração da estatal deveria priorizar o fornecimento de derivados para o abastecimento nacional ao invés de vender refinarias. Contudo, a companhia está priorizando o pagamento de dividendos para seus acionistas – e para tal, coloca força nos desinvestimentos de ativos lucrativos. “Em 2019, o lucro obtido pela Petrobrás foi alcançado graças à venda de ativos da empresa. Especialmente pela venda da TAG e do controle acionário da BR Distribuidora”, explicou. “A empresa distribuiu mais de R$ 10 bilhões em dividendos. Isso significa dizer que a companhia vendeu ativos para pagar dividendos”, acrescentou. Ele também critica a atual política de paridade de preços de derivados, dizendo que prática similar não existe em lugar nenhum do mundo. Oliveira ainda completou dizendo que “com uma produção entre 4 milhões e 5 milhões de barris por dia no futuro, mesmo só vendendo óleo cru, é claro que a Petrobrás será uma petroleira rentável”, sendo que assumirá um papel de “empresa minimizada frente àquilo do que poderia ser”.

Gostaria de começar nossa entrevista pedindo para explicar como a atual gestão da Petrobrás estaria contrariando o estatuto da companhia.

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Hoje, a Petrobrás é uma empresa administrada por financistas. Eles elegeram como objetivo principal da Petrobrás o atendimento dos acionistas. E quando eles falam em atender acionistas, estão se referindo ao pagamento de dividendos. É disso que financistas entendem. Esse objetivo seria muito bom, caso não afetasse o objetivo da empresa definido em seu estatuto.

O estatuto da Petrobrás, em seu artigo 3°, parágrafo 1°, estabelece, entre outras coisas, que as atividades da companhia obedecerão princípios e diretrizes da lei 9.470 de 1997. Essa lei, por sua vez, no seu artigo 1º, item 3, objetiva proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de produtos. Já no item 5, a lei diz garantir um fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional nos termos do paragrafo 2º do artigo 177 da Constituição. O que este artigo da Constituição determina é que deve existir a garantia do fornecimento de derivados em todo território nacional. Esses são os objetivos que estão escritos no estatuto da Petrobrás.

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Os atuais administradores da empresa trabalham contrariamente ao próprio estatuto da Petrobrás, estabelecendo como meta principal o pagamento de dividendo aos acionistas. Nesse caso, há duas opções: ou se muda o estatuto, colocando que o objetivo da empresa é remunerar os acionistas, ou então a atual diretoria deve ser trocada, já que não esta atendendo ao estatuto da companhia. 

Como a Petrobrás tem agido para conseguir fazer esse pagamento de dividendos?

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Em 2019, o lucro de R$ 40 bilhões obtido pela Petrobrás foi alcançado graças à venda de ativos da empresa. Especialmente pela venda da TAG e do controle acionário da BR Distribuidora – dois ativos altamente lucrativos. Então, grande parte do lucro foi em função desses desinvestimentos. A empresa distribuiu mais de R$ 10 bilhões em dividendos. Isso significa dizer que a Petrobrás vendeu ativos para pagar dividendos. 

O Plano de Negócios 2020-2024 tem um quadro de Usos e Fontes. Nesse quadro, eles apontam para a venda de 30 bilhões de dólares de ativos da empresa. E como Uso, eles mencionam o pagamento de 34 bilhões de dólares em dividendos. Ou seja, tornaram como regra vender ativos para pagar dividendos. 

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Ainda falando do Plano de Negócios 2020-2024, a premissa utilizada foi o preço do barril Brent a US$ 50. A partir de agora, porém, pelo que entendo, eles vão utilizar o preço de US$ 35. Essa diferença de preço reduzirá a geração operacional de caixa. Em um quadro de Usos e Fontes, a fonte principal é a geração operacional de caixa. Quando você reduzir essa geração operacional de caixa e quiser manter o dividendo, terá obrigatoriamente que aumentar a venda de ativos até onde se puder. 

A tabela de Usos se refere aos gastos de investimento, dividendo e os serviços da dívida. Os serviços da dívida não podem ser modificados e os dividendos serão mantidos. Então, eles que diminuem investimento para fechar a conta. Provavelmente, quando apresentarem o Petrobras Day 2020, a gestão da empresa vai apresentar um quadro de Usos e Fontes com redução forte na geração operacional de caixa. E para manter os dividendos, eles vão aumentar a venda de ativos e reduzir os investimentos.  

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A Petrobrás prometeu aos petroleiros a estabilidade de empregos por dois anos, mas também disse que vai continuar a vender mais e mais ativos. Não haveria uma contradição nessa postura?

Eu não acredito na palavra deles. Se a direção da empresa teve a coragem de dizer que resultado de 2019 foi o maior da história, sem considerar que este número foi feito com venda de ativo, é porque eles têm coragem de dizer qualquer coisa. No pronunciamento do presidente da Petrobrás no resultado de 2019, ele cita que a empresa teve um recorde de geração de caixa. Quando, na verdade, o recorde de 2019 foi o de menor geração de caixa dos últimos 10 anos. 

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O número de geração de caixa daquele ano ficou abaixo de 25 bilhões de dólares. Enquanto que nos últimos 10 anos, em nenhum exercício, a Petrobrás teve uma geração inferior abaixo de 25 bilhões de dólares. Então, eu não acredito na palavra de uma pessoa que distorce os números dessa forma. A única intenção que a administração atual da Petrobrás tem a cumprir é pagar dividendo para o mercado, que é o verdadeiro patrão dessa diretoria. 

As pessoas que estão trabalhando atualmente [na gestão] não estão lá para desenvolver a Petrobrás ou atender ao estatuto da empresa. Como que a Petrobrás vai atender o seu estatuto, que determina a venda de combustível de qualidade para o Brasil, se a companhia está colocando à venda suas refinarias e vendeu o controle da BR Distribuidora? Como vão garantir o menor preço para o consumidor se utilizam preço de paridade de importação desde 2016?

A política de preços de paridade de importação (PPI) sempre sofreu muitas críticas dentro do setor de óleo e gás…

O preço de paridade de importação é o mesmo que o custo de importação mais lucro. Ou seja, eles usam o preço no exterior, somam o custo de transporte até o Brasil, custo de internação no país, custo de transporte até a refinaria, seguro para garantir preços e adicionam lucro. Ou seja, esse é o preço mais alto possível. Nenhuma empresa do mundo em nenhum momento usou esse tipo de política. Isso não existe. A Petrobrás está trabalhando contra si mesma. A administração da companhia faz isso porque não trabalham para a Petrobrás e sim para quem está do outro lado [se referindo aos investidores e acionistas].

Com essa postura da empresa, como vê o futuro financeiro da Petrobrás?

O que acontece é que a Petrobrás, entre 2009 e 2014, fez investimentos maciços principalmente no pré-sal. Foram mais de US$ 250 bilhões. Isto é, a Petrobrás investiu US$ 50 bilhões por ano. Imagine a importância disso para a economia do Brasil. Só que esse processo de investimento foi estancado. 

Os projetos de óleo e gás tem uma maturação muito longa do que a indústria comum. Aquilo que foi investido em 2010 começa a apresentar resultados só agora. A gestão atual está usufruindo o benefício que foi plantado no passado. Não foram eles que descobriram o pré-sal. 

As plataformas que vão entrar em atividade são frutos dos investimentos feitos entre 2009 e 2014. Em 1980, a produção do Brasil era de 200 mil por dia. Hoje, só a plataforma FPSO Almirante Tamandaré [sexta unidade do campo de Búzios] terá capacidade de produzir 225 mil barris por dia. 

A empresa tende a dar lucro, só que sem a responsabilidade com a economia brasileira e com o desenvolvimento do país. Ela passa a ser uma mera exportadora lucrativa de óleo cru. A Petrobrás vai dar lucro sim, a não ser que o preço do barril despenque muito. Com uma produção entre 4 milhões e 5 milhões de barris por dia no futuro, mesmo só vendendo óleo cru, é claro que a Petrobrás será uma empresa rentável. Mas assim, ela será uma petroleira minimizada frente àquilo do que poderia ser.

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