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Ricardo Kotscho

Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia. Recebeu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de vários livros.

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Por que tantos jovens ainda querem ser jornalistas, apesar de tudo?

Ricardo Kotscho faz uma avaliação das dificuldades em torno da profissão de jornalista, agravadas no Brasil com a ascesão de Jair Bolsonaro. "Quando um presidente da República se sente à vontade para ofender e humilhar jornalistas quase todos os dias no circo montado no Alvorada, e ninguém reage, estamos vivendo no pior dos mundos", afirma

Jair Bolsonaro conversa com jornalistas no Palácio do Alvorada (Foto: Isac Nóbrega/PR)
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Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia

Ano após ano, os cursos de jornalismo continuam entre os mais procurados pelos jovens que prestam vestibular.

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É difícil explicar esta escolha, diante do tsunami que varreu nossa profissão nos últimos anos, com os passaralhos sobrevoando as poucas redações que restaram vivas.

A categoria está dividida em duas: a dos que já perderam os empregos e a dos que morrem de medo perder os empregos, o que avilta o exercício de um trabalho nobre, nivelando tudo por baixo.

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No vale tudo que se estabeleceu, já não dá para saber quem é repórter e quem é assessor de imprensa, como vimos ainda estes dias com a denúncia da Intercept, que mostrou a promiscuidade entre jornalistas e procuradores da Lava Jato.

É emblemática aquela foto que circulou esta semana na internet, com quatro repórteres garbosos, meninos de recado da República de Curitiba, posando para a posteridade, por terem participado acriticamente dos “vazamentos” da Lava Jato, em que recebiam o prato feito preparado por Sergio Moro.

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Com a revolução da internet, as redes sociais transformaram todo mundo em emissor e receptor de informações e opiniões, e qualquer idiota acha que pode tomar o lugar dos jornalistas profissionais.

Se eles próprios não se dão ao respeito, fazendo qualquer coisa para garantir o salário no final do mês, alegando que estão apenas cumprindo ordens, como exigir dos outros que respeitem nosso ofício, cada vez mais mal pago, sem garantias trabalhistas?

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Já faz algum tempo, quando ministrei um curso de reportagem na PUC de São Paulo, a primeira pergunta que eu fazia aos alunos é essa que está no título: por que vocês querem ser jornalistas?

Poucos tinham noção da realidade do mercado e, mesmo assim, ainda sonhavam em mudar o mundo com suas reportagens.

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“Eu resolvi fazer jornalismo porque sempre quis trabalhar na televisão”, disse uma jovem.

Ao lhe perguntar o motivo, ela não se fez de rogada: “Porque eu não gosto de escrever. Só quero ser apresentadora”.

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Os outros riram com a pretensão da moça, como se fosse possível exercer qualquer função no jornalismo _ ou em qualquer outra profissão _ sem saber escrever.

Nos cursos de jornalismo que se espalharam como mato pelo país inteiro, casos assim são mais comuns do que a gente pensa, a julgar pelo que se lê, ouve e vê, tanto na mídia tradicional como nas redes sociais.

Quando entrei na primeira turma da ECA/USP, em 1967, mesmo ano em que comecei no Estadão, os colegas gostavam muito de ler e escrever, até porque, uma coisa depende da outra.

Além disso, estavam engajados no movimento estudantil mobilizado na resistência à ditadura militar, tomando contato muito cedo com a realidade do país, e dispostos a mudá-la com seu trabalho.

Assim como hoje, não era fácil conseguir um estágio na grande imprensa, mas quem queria mesmo ser jornalista acabava conseguindo, ainda que o trabalho não fosse remunerado, como aconteceu comigo.

Dei sorte de encontrar professores e colegas de redação no Estadão que me mostraram na prática qual devia ser o compromisso do jornalista com a sociedade para dar voz aos setores mais marginalizados e denunciar a desigualdade social que já campeava no país.

É verdade que fui contemporâneo de figuras como Clóvis Rossi, Raul Bastos, Mino Carta, Cláudio Abramo, Samuel Wainer, Alberto Dines, José Hamilton Ribeiro, Sergio de Souza e tantos outros que dignificavam a profissão e sabiam porque e para que eram jornalistas.

No correr dos anos, não ganhamos outras referências com a mesma estatura. Como ele costuma dizer, Mino resolveu criar seus próprios empregos, abrindo novas revistas e o “Jornal da República”.

Não é querer ser saudosista, mas gostaria que tivéssemos hoje mais profissionais que vieram depois deles, como Eliane Brum, Patrícia Campos Mello e Caco Barcellos, repórteres raros, que mantêm vivo o compromisso com a profissão e podem servir de modelo para quem está chegando agora.

O que aprendi nestes meus primeiros 55 anos no jornalismo é que esta não é, ou não deveria ser, uma profissão como qualquer outra.

Exige mais do que conhecimentos básicos e saber escrever: é preciso ter paixão, tesão para fazer de cada pauta uma história única, que pode interessar e ser útil a outras pessoas.

Entre tantos outros motivos, talvez seja por isso que tantos jornais de papel estejam definhando ou morrendo em todo o mundo.

Reproduzir apenas o que já lemos na véspera na internet, sem aprofundar os assuntos, buscando o diferencial apenas nos colunistas, e não na reportagem exclusiva, pode ser um caminho sem volta.

A grande maioria dos jornalistas não está mais nas redações, mas nas assessorias de imprensa, que pagam melhor, ou trabalha por conta própria, cada um com seu blog, fazendo frilas ou se unindo em cooperativas da imprensa alternativa.

Cada um agora pode fazer seu próprio jornal ou programa no Youtube.

O emprego na imprensa como a gente conhecia, com carteira assinada, está acabando - e não tem volta.

A uberização do jornalismo, sem qualquer regulamentação, é a maior ameaça para a nossa sobrevivência como profissionais de imprensa.

Com as ofensivas do governo contra os sindicatos e os direitos trabalhistas, estamos na base do salve-se quem puder, e acabamos dando razão aos que nos atacam nas “entrevistas coletivas” das autoridades e nas redes sociais.

Quando um presidente da República se sente à vontade para ofender e humilhar jornalistas quase todos os dias no circo montado no Alvorada, e ninguém reage, estamos vivendo no pior dos mundos.

Nem nos piores tempos da ditadura militar eu tinha visto nada parecido com o que está acontecendo, desde o primeiro dia desse governo, quando os jornalistas ficaram confinados sem água nem comida no dia da posse do capitão presidente.

E, no entanto, neste momento, milhares de jovens estão se preparando para realizar o grande sonho de suas vidas: prestar vestibular para jornalismo, que para mim, apesar de tudo, ainda é a melhor profissão do mundo.

Só não me perguntem por quê. Poderia responder que não sei fazer outra coisa na vida, mas paixões não têm explicação.

Para exercer qual trabalho, a serviço de quem e com qual objetivo eles querem ser jornalistas?

Às vezes me perguntam se sinto saudades de trabalhar numa redação e tento explicar que não dá para sentir saudades de algo que não existe mais.

Já não há mais lugar para o debate de ideias que podem gerar pautas; os que ficaram estão sempre muito ocupados, e aquela algaravia criativa que produzia grandes jornais e revistas, programas de rádio e televisão, simplesmente desapareceu.

Cada vez mais, o jornalismo deixou de ser um trabalho coletivo de utilidade pública para se tornar uma profissão como outra qualquer.

Quando assisto ao “Profissão Repórter” do Caco Barcelos, chega a me dar esperanças no futuro, mas esse programa é uma exceção, um oásis neste deserto de gente, de liberdade e de ideias.

Fica a pergunta no ar: se ele pode, por que outros pelo menos não tentam?

Tem alguma coisa errada quando alguém como a Eliane Brum, melhor repórter do país, vai trabalhar em Altamira, no Pará, como correspondente do jornal espanhol El País.

Eu não me conformo, mas ela não desistiu do seu sonho.

Vida que segue.

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