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Rafael Bastos

Professor da Faculdade de Educação da Uerj e do programa de Pós-Graduação e do Laboratório de Políticas Públicas

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Preto empoderado, vindo de São Gonçalo. O drible estrutural de Vinícius Júnior

O planeta está testemunhando o modo brasileiro, que não é impermeável às contradições, de lidar com o combate ao racismo.

Vinicius Junior (Foto: Reprodução/Instagram/@vinijr)
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Este domingo, 21 de maio de 2023, já entrou para a história como um daqueles dias memoráveis em que o futebol demonstra o seu tamanho social e a força de impacto. No centro do gramado, vimos um turbulento jogo entre o Real Madrid e o Valência. No palco, o Estádio Mestalla, na cidade de Valência, na Espanha, parte da torcida, sobretudo a nazi-fascista Yomus,  protagonizou uma terrível cena de racismo  contra o gonçalense (que estudou na Escola Municipal Paulo Freire) Vinícius Júnior, de 22 anos. 

Antes e durante a partida, Vini foi chamado de Mono (macaco em espanhol), quando aos 24 do segundo tempo, saturado, ele foi até perto da arquibancada, apontou para um “torcedor” que gesticulou para ele imitando um macaco e se recusou a continuar jogando, naquele momento. Vale considerar que episódios odiosos similares, contra ele, já vinham ocorrendo, em outras cidades espanholas. Os motivos exatos de tamanhos ataques ainda precisam de mais investigação, mas uma hipótese contundente é que o problema racial, na Espanha, é muito grave e um preto retinto latino, bem sucedido, causa bastante inquietação, na fração racista da sociedade.    

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Este ato do brasileiro não é tão costumeiro, mundo a fora, logo, a quebra de silêncio repercute até então e não sabemos onde isso vai parar. Se for proporcional à força de Vini, deve abalar muitas estruturas ainda. A primeira grande fissura exposta foi demonstrar a contundência do racismo, deste país ibérico, as diversas engrenagens opressoras e a dificuldade deles de reconhecer a questão.  

La Liga, denominação do campeonato espanhol de futebol, foi prontamente apontada como racista, sobretudo, por conta da postura do presidente Javier Tebas. Este atacou Vinícius Júnior, pelo Twitter, acusando-o de manipulador, dentre outras coisas. A imprensa local, outros jogadores e demais racistas já haviam insinuado que ele era provocador, por conta da forma de comemorar gols, dançando etc. O estilo driblador e irreverente, como o dele, também causa irritação ao longo da história, em quem não tem “jogo de cintura”. Não devemos esquecer que esta é uma marca do futebol brasileiro e nos levou ao patamar de admiração futebolística que temos.

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A postura do presidente, que é natural da Costa Rica, custou além de enormes críticas, nas redes sociais, a perda de um dos principais patrocinadores do torneio, o banco Santander, que tem muitas agências, no Brasil, e desfruta de altas taxas de lucro, aqui. Uma hipótese a se pensar é que este banco está preocupado com sua imagem (em geral) e potencial perda de futuros clientes, com características étnico-raciais similares a Vini, no Brasil. 

Tebas tem conexões com o franquismo, é apoiador e eleitor do partido de extrema direita VOX, não surpreende esta posição, porém, a situação, expos também o espectro político da esquerda. Um representante do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de Valência, concedeu uma entrevista à rede de televisão, relevando o caso de racismo. 

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Muitos brasileiros intervieram no debate nas redes, em tom veemente de revolta. Tebas participou de entrevistas, se justificando e se reposicionando, inclusive, concedendo uma exclusiva a uma rede nacional. Jornalistas e pesquisadores foram levantar dados sobre a questão racial, na Espanha. Este exercício de olhar para Europa proporciona muitas alternativas de examinar o próprio racismo no Brasil, a começar pela dificuldade que temos de compreender o quanto o racismo nos estrutura. Por outro ângulo, em comparação com os hispânicos, nós temos consolidado chaves analíticas para pensar e pautar o tema. Este é um assunto cotidiano (direta ou indiretamente) da maioria da nossa população. Este crédito deve ser atribuído também ao movimento negro que tece lutas contundentes, há anos. 

Estamos tendo uma oportunidade de reconstruir nossa lógica colonizada atualmente, tanto no futebol quanto em outras esferas. No caso deste esporte, na América Latina, estamos vendo praticamente uma cópia de todo modelo europeu de gestão. Fica evidente então que eles têm enormes falhas, assim como nós. Por outro lado, se os europeus inventaram o respectivo jogo, nós o recriamos e agregamos um valor incalculável. Isto foi obra do povo preto, fundamentalmente. Tomando este exemplo futebolístico-civilizatório, o legado europeu para à América do Sul, vem sendo de colonização e violência, o caso que estamos discutindo, tensiona a lógica colonizadora e coloca a questão racial num lugar central da trincheira por maior dignidade para os povos historicamente oprimidos. 

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No atual momento, outro recado importante que o Brasil pode dar para o mundo está no campo do combate ao fascismo. Europeus derrotaram experiências autoritárias com guerras, no século XX. No presente, estamos fazendo uma transição da experiência fascista bolsonarista, através do voto e da política. 

Nesta linha, é de se destacar à ação de Lula e do governo federal que foram contundentes na crítica ao episódio e não vacilaram no apoio a Vini Jr. Dando um salto para trás e pensando o papel do movimento negro, ao longo do século XX, assim como as medidas dos governos petistas, no início do Século XXI, o empoderamento e consciência crítico-racial do jovem Vini não seria possível sem este legado ancestral e sem a força da atual conjuntura, que ressignifica o Brasil nas relações internacionais. Assim, um drible no nosso complexo de vira-latas, também é notado. A feição do governo federal atual contempla pessoas cuja origem se aproxima da realidade do atleta, a exemplo da ministra da Igualdade Racial Anielle Franco. Nem mesmo o Rei Pelé pôde fazer e viver isso tudo, enquanto jogava.  

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No meu campo cotidiano de estudos e intervenção, que é a participação política no âmbito educacional, notei um desdobramento deste fato em espaços legislativos, como nas Câmaras Municipais do Rio de Janeiro, de São Gonçalo e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O caso Vini foi pauta muito presente, rendendo menções de solidariedade, repúdios etc. Algo especial me chamou atenção, na cidade natal dele, a Câmara é hegemonicamente bolsonarista, porém a palavra nazismo foi abordada por vereadores da esquerda e da direita, o que é uma baita novidade. A indignação contra o racismo foi generalizada. Em um país tão dividido ultimamente, este tipo de consenso não é nada desprezível. 

Clubes brasileiros e a Confederação Brasileira de Futebol, que geralmente são resistentes a se posicionar politicamente, foram rápidos em apoiar o jogador. É desejável que este aprendizado gringo sirva de lição de casa.                 

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Em suma, direta ou indiretamente, pela via diplomática, o planeta está testemunhando o modo brasileiro, que não é impermeável às contradições, de lidar com o combate ao racismo. São claras demonstrações de que nem Vini, nem nenhum preto e pardo aqui estão sós.

Em um nível micro e macro, ao mesmo tempo, estamos observando e agindo no sentido de desmanchar rígidas estruturas seculares. O ditado popular que atesta que nunca foi só futebol, é mais atual do que nunca.  Que à alegria de Vini seja mais forte do que todo este ódio terrível. Sigamos na luta contra o racismo e toda forma de opressão.   

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