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Flávio Barbosa

Cronista, psicanalista

28 artigos

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Propriedades da política

Alguém já disse que fora da política o que temos é a barbárie, pois bem, se não fizermos uma leitura precisa disso, o avanço do bolsonarismo será a consolidação por muito tempo da mais grave negação da política

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A política é um agenciamento da linguagem. Ela proporciona, desde que haja sujeitos falantes, que o conflito social seja desenvolvido no campo da palavra e não se resolva exclusivamente no ato da violência, da guerra, da imposição do mais forte como uma espécie de evolucionismo.

Em termos sociais falamos em igualdade não porque um sujeito é igual ao outro, mas para que as diferenças a que se inscreve cada um de nós, e de grupos sociais que possamos estar inseridos, não tenha suprimido o seu direito, e que uma diferença não seja superior a outra gerando os privilégios dos que seriam mais iguais ou mais diferentes. Contudo, sabemos como essas coisas se dão nos diversos arranjos sociais.

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A condição humana é a do conflito porque, reitero, não somos iguais uns aos outros e nem em relação a si mesmo. Jacques Lacan em seu seminário da identificação (1961-62) propôs a fórmula de que A é diferente de A, a saber, que o sujeito sequer é idêntico a si mesmo, portanto que há em relação ao sujeito uma dissimetria do idêntico e não uma igualdade.

Termos a dimensão das nossas diferenças e autodiferença, do que nos singulariza e do que nos coloca perante o outro impõe a nós uma questão ética, a de que precisamos estabelecer pontes, diálogos com o outro a fim de podermos cumprir o real de nossas vidas que é o de viver em sociedade, viver em relação ao outro, pois nenhum de nós é capaz de suprir a si mesmo sozinho, e por mais que nos isolemos, por mais que sejamos solitários, isso não significa que o outro deixa de existir e, tampouco, deixa de ser importante para cada um de nós. 

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O outro é importante e é imprescindível, e como somos todos marcados pela diferença, e ademais somos seres sociais, gregários, então é fundamental desenvolver mecanismos de fala e de linguagem (que é o que nos distingue como espécie) para poder fazer das nossas diferenças uma condição de reconhecimento, direitos, deveres e compromissos. A vida só é possível se manifestar de maneira a mais razoável se tivermos em mente a dimensão desse acontecimento, e nisso a política é um experimento formidável, portanto, se a negamos, se a forcluímos (exclusão), certamente teremos não só a precarização dos laços sociais de que somos cativos, mas veremos que a vida de uma forma geral será precarizada e desde questões subjetivas e sociais quanto ambientais, internacionais e etc.

Sem embargo, como a linguagem se estabelece por negação e paradoxos, o que é a lógica dela, portanto, tudo aquilo que edificamos porta a condição de finitude e destruição, e aí uma advertência importante. Há setores, ideologias, que se servindo da política, produz, no entanto, um discurso que é o da negação da própria política e isso se traduz também na exclusão do outro e, rigorosamente, da diferença que o outro porta. O fascismo, o nazismo, o supremacismo, o totalitarismo, o escravismo, o mercancismo, o fundamentalismo religioso e de outros signos são exemplos medonhos do que estou a dizer.

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Historicamente nós vimos o que essas ideologias foram capazes de promover em termos de brutalidade, violência e destruição. Mas não basta o conhecimento histórico para impedir o progresso dessas ideias em uma sociedade. Não basta as contradições sociais, como as que temos no Brasil em abundância, para imaginar que essas coisas não evoluiriam numa sociedade como a nossa. Portanto, o que estamos a viver no Brasil nesta quadra histórica é uma demonstração cabal do que muitos têm dito em seus distintos campos e saberes, ou seja, a falência da política como instrumento simbólico e do discurso. A ideia banalizada por algumas agências oportunistas de que toda coletividade e força política é a mesma coisa e todo político é igual, igualmente corrupto. E assim apaga-se a diferença na sociedade dando margem para o surgimento dos operadores da não-política, dos agenciadores da ilusão e do negacionismo como bálsamo ao desespero e ao desamparo.

Desde o Golpe de 2016 o elemento mais grave daquela aventura foi uma negação forclusiva da política, ou seja, a política deixou de ser uma ferramenta dialógica para lidarmos com nossas contradições e nossos conflitos em sociedade, havendo um domínio discursivo desde então das inserções imaginárias na pós-verdade, nas fakes News, nas tais instituições que estão funcionando, no domínio gozoso absoluto das lógicas do Mercado, elevado a uma divindade antropomórfica e evidenciadas numa ideologia do liberalismo radical ou neoliberalismo. Dessa excrecência, dessa falência simbólica e ética do discurso político emergiu com força a figura de Jair Bolsonaro e o bolsonarismo, oriundos do esgoto do sistema.

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Compreender essa derrisão do simbólico na constituição do laço social explicitada na política é fundamental para um entendimento mais razoável e crível desse fenômeno do bolsonarismo e sua popularidade entre as massas e as distintas classes sociais, atuando muitas vezes como se o conflito de classe fosse apagado em torno da força “mítica” que nos “governa” e supostamente nos une no ideal do Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.

É um equívoco imaginar que a popularidade desse discurso, e dessas personagens, se dão apenas por razões episódicas, mas de grande apelo de massa dado as condições econômicas e sociais da maioria da população brasileira, tal o auxílio emergencial. É igualmente equivocado imaginar que a popularidade de Bolsonaro sobreviva ou se dissolva doravante simplesmente nos e dos apelos populistas como o de nadar junto a uma malta que o adorava, seja ou não uma situação arranjada, falsificada, como se tem denunciado. Evidente que o conjunto dessas coisas tem peso e força na construção dessa imagem potencializada do mito salvador, messiânico. Essa construção admite sem qualquer pudor a falsificação da realidade como sendo a própria realidade, afinal, o imaginário é também o lugar do engodo.

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Todavia, grifo isso, o mito salvador messiânico, ainda que abjeto pra tantos e por justas razões, contudo, se vivemos um tempo em que há uma derrisão do simbólico, da palavra e da escuta, da mediação e do acordo, da negociação e do diálogo, como meio de agenciamento do conflito, e a política tendo essa propriedade, e se isso é substituído pelas injunções das imagens, do jogo do imaginário como elemento dominante, então esse mito está para além de certas racionalidades que durante muito tempo estabelecemos como plataforma dialógica, analítica e do fazer da política.

Creio que é isso que devemos nos esforçar para retomarmos e resgatarmos nesse processo. É preciso restaurar no ambiente discursivo a política como possibilidade simbólica, onde o imaginário como elemento da linguagem estará sempre presente, mas não como força dominante e absoluta. Um acordo político para tratar dessas questões reunindo neste momento forças contrárias quanto as suas razões e ideologias não significa, a meu ver, uma capitulação política daquilo que as forças progressistas representam historicamente, mas uma articulação e aliança tática, que a despeito da diferença de cada segmento e de suas preservações semânticas inalienáveis, possa significar a retomada da dimensão da política com sua força simbólica e ética, o que Bolsonaro, o bolsonarismo e suas inclinações neofascistas e supremacistas intentam em destruir para se impor autocraticamente.

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Alguém já disse que fora da política o que temos é a barbárie, pois bem, se não fizermos uma leitura precisa disso, o avanço do bolsonarismo será a consolidação por muito tempo da mais grave negação da política, que é a de destituí-la do campo da palavra e da linguagem, restando-nos a destruição e a violência, a pura-violência em ato, a terra arrasada, literalmente.

Não se propõe aqui abolir e muito menos corromper o sentido de nossas diferenças, muito pelo contrário, preservaremos nossas memórias, continuaremos lutando por isso que torna o que somos, as nossas causas, e pela superação de uma sociedade tão opressiva quanto a nossa, incapaz de conviver com as diferenças e respeitar o direito de cada um, de cada segmento ou grupo social a ter uma vida digna e uma existência prometedora, contudo, neste momento, temos de ter como prioridade em nossas lutas o enfrentamento daquilo que se servindo da política, apenas intenta destruí-la, e todas as consequências que isso significa. É hora de reunirmos forças e dar um basta nisso! O resto nós vamos resolvendo em nossas lutas, que, assim como o tempo, não para.

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