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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Qual crise?

O grande problema para os capitalistas é que as pessoas não aceitam passivamente essa ideia imposta de fracasso individual. Esse ressentimento gera revolta, que por enquanto está sendo captada em parte pela extrema direita. Mas isso pode ser provisório. As pessoas podem começar a perceber as causas reais de sua derrota individual, e se unir para derrubar o sistema

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Existe um certo consenso de que vivemos uma crise do neoliberalismo, ou mesmo do capitalismo, que estaria sendo agravada pela pandemia. Será? Aqui pretendo lançar alguns elementos breves para tentarmos pensar de um outro jeito. 

41 anos de neoliberalismo

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Nossa conversa de hoje começa mencionando os dois mandatos de Ronald Reagan a frente da presidência dos Estados Unidos. Seu governo ocorreu durante os anos oitenta. Foi o presidente que abriu o caminho para o mundo pós-guerra fria que surgiu depois do colapso da experiência soviética no início dos anos 90. É o início oficial de uma ordem neoliberal e de uma hegemonia do capital financeiro, e o começo do fim de uma ideia de Estado de Bem-Estar Social construída na Europa Ocidental nos anos dourados da guerra fria. 

Os governos do chamado mundo desenvolvido que se seguiram a Reagan,  seja os mais à esquerda, seja os mais a direita, não enfrentaram os postulados básicos estabelecidos por Reagan, que é uma fé inabalável nos mercados e na financeirização da economia como as principais características para a globalização que se intensficava. A questão da distribuição da riqueza e da renda, mesmo para partidos de esquerda como o Democrata dos EUA, o Partido Trabalhista Britânico e o Partido da Social Democracia Alemã, passaram a enfatizar cada vez menos suas críticas e ações a criação de empregos, manutenção da valorização do salário e da renda da classe trabalhadora. 

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Já se passaram 41 anos desde que Reagan assumiu a presidência dos EUA. De lá para cá, o fosso entre os ricos e pobres só aumentou, inclusive e sobretudo nos EUA e na Europa Ocidental. Os Estados Unidos, no início da pandemia, se revelou incapaz sequer de produzir suas próprias máscaras de proteção ao contágio pelo COVID-19. A pobreza já é uma realidade para milhões de estadunidenses. Já é uma cena comum nas grandes metrópoles do país, ver pessoas que tem emprego, não possuírem condições de sequer alugar uma casa, e serem obrigadas a morar dentro de seus próprios carros. 

Enquanto a mídia  colonizada de nosso país mira os holofotes sobre a crise na Venezuela, tenta esconder que é de lá que veio o socorro para falta de oxigênio de Manaus. Enquanto isso, os Estados Unidos mal consegue manter sua combalida democracia, abalada por uma convulsão social provocada pela piora constante das condições de existência de sua classe trabalhadora. Mas eles ainda lideram o bloco hegemônico pelo menos do mundo ocidental. Eles ditam ao mundo uma ideologia da escassez e da crise. 

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Crise do neoliberalismo?

Devemos nos questionar qual crise? A crise dos bancos? Estes, em todo o planeta, quebram recordes de rendimento. A crise das gigantes corporações de tecnologia e comunicação do Vale do Silício? Essas não param de crescer, e a  impor uma contrarrevolução cultural no mundo, que é espalhada pela indústria cinematográfica de Hollywood, pelas mega-plataformas de streaming , pelas redes sociais, pelos programas de reality-shows como o Big Brother, que hoje é reproduzido em mais de 70 países. A mensagem repetida por todo esse aparato é uma só: inevitavelmente há poucas oportunidades de emprego, só os melhores vencerão. Quem fracassar, fracassou por sua própria culpa. Portanto, cada um tem que se virar!

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A tirania do mérito e o resgate do bem-comum

O filósofo político Michael Sandel chama esse imperativo do neoliberalismo de "tirania do mérito". É uma ideia tão poderosa que para ele, hoje sequer é questionada pelos governos de esquerda desses países. No máximo, os governos mais a esquerda defendem que as pessoas teriam que ter melhores condições de competição. Dessa formulação, surge a ideia de cotas raciais e sociais, fundamentalmente nas Universidades. O raciocínio seria que, já que existe poucas vagas, pelo menos vamos permitir que minorias étnicas e sociais tenham chance de competir a um lugar no ensino superior. A Universidade, nesse contexto, adquire a imagem de ser a "grande salvadora" ou garantidora do sucesso individual. Se consigo ter um diploma superior, venci. Se não consigo, sou um fracassado, e a culpa é minha. 

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O problema desse raciocínio é dividir as sociedades em "vencedores" e "perdedores". Isso gera uma arrogância em quem venceu e um ressentimento em quem perdeu, além de uma profunda rivalidade que faz pessoas ressentidas com seu próprio fracasso tentar encontrar a culpa em grupos que estariam sendo favorecidos indevidamente na concorrência. Essa seria uma das causas da ascensão da extrema direita no mundo: os apoiadores de Trump, e outros lideres de extrema direita estariam irritados por terem fracassado nessa disputa meritocrática. 

A proposta de Sandel para esse impasse é a revalorização do trabalho, e não do mérito. A valorização do bem comum, e não do individualismo. isso aparentemente parece um discurso romântico, que se ouve naquelas palestras motivacionais que falam de gratidão e amor. Mas há uma fundamentação consistente nesse argumento. Uma sociedade que é baseada no mérito, inevitavelmente vai ter perdedores. Já uma sociedade baseada no bem comum, espalha o valor e a dignidade a mais pessoas, cada pessoa tem uma função, que não é pressionada pela ideia de vencer ou perder. O trabalho reassume uma função digna. Seja o trabalho de um gari, que limpa as nossas ruas evitando que se espalhem ddoenças, até a função do médico, que salva vidas no hospital. Todos trabalham para o bem comum, não faz sentido dizer que o gari perdeu ou o médico venceu. Todos executam funções que beneficiam a vida da comunidade. 

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Utopia? Romantismo? É exatamente isso que todo o aparato cultural do neoliberalismo quer que pensemos. Mas precisamos nos desafiar a pensar fora dessas normas impostas que dizem que o desemprego é inevitável, e que inevitavelmente a vida é uma imitação do Big Brother, onde uns tentam cancelar os outros. Outra sociabilidade é possível e necessária. O pleno emprego é possível, e isso já foi comprovado por economistas reconhecidos como Michael Kalecki. Ainda no século XX, esse economista comprovou a total possibilidade de uma sociedade inclusive capitalista garantir o pleno emprego, ou seja, todas as pessoas empregadas. Mas ele também demonstrou que o pleno emprego não ocorre por uma opção política, e não econômica. 

A revolução é uma possibilidade histórica

Interessa aos patrões que existam poucas vagas de emprego. Que existam poucas pessoas trabalhando muito e ganhando pouco, e muitas pessoas sem ganhar nada. Isso reduz o poder de barganha da classe trabalhadora, que consegue menos condições de lutar, de fazer greve, de reivindicar melhores condiçóes. Kalecki demonstrou que o desemprego não é uma crise, no sentido de que é algo inesperado pelo sistema. A crise é um projeto, o desemprego e as condições precárias são um projeto. 

O grande problema para os capitalistas é que as pessoas não aceitam passivamente essa ideia imposta de fracasso individual. Esse ressentimento gera revolta, que por enquanto está sendo captada em parte pela extrema direita. Mas isso pode ser provisório. As pessoas podem começar a perceber as causas reais de sua derrota individual, e se unir para derrubar o sistema. As revoltas e revoluções sempre fizeram parte da História. Por mais que tenham desenvolvido tecnologias, tem muita coisa que pode fugir ao seu controle. A humanidade é muito grande, e pode de repente achar um outro caminho. A História não acabou.

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