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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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Qual democracia?

"Estrategistas da campanha de Lula precisam encontrar saídas para alguns gargalos que favorecem Bolsonaro. Bolsonaro vem dominando a agenda", diz Fornazieri

(Foto: Elineudo Meira / PT-SP)
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Não se discutirá aqui o livro do ilustre filósofo italiano Norberto Bobbio que tem o mesmo título, mas os movimentos pela defesa da democracia da semana passada. Nunca se falou tanto de democracia o que é positivo. As cartas lidas na Faculdade de Direito e em outros lugares pelo país afora foram importantes na medida em que expressam um acordar da sociedade civil despois de um longo sono. Elas sinalizam de forma explícita aquilo que as pesquisas já mostravam: a sociedade brasileira não aceita golpes autoritários. Sejamos francos: foi um movimento das várias elites – financeiras, industriais, intelectuais etc. Melhor que tenha acontecido do que não tenha acontecido.

Bolsonaro nunca teve e nem terá força para promover um golpe, mesmo que tente uma aventura golpista. Mas tem força para degradar a democracia diariamente e a degradação só não é pior graças às barragens do TSE e do STF. As cartas pela democracia, embora positivas, por demarcarem uma linha que não deve ser cruzada, terão pouco impacto eleitoral já que são semeaduras em terras de convertidos. 

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Nos eventos de leitura, glorificou-se a “união de todos”, a união do capital e do trabalho, o que é importante para a demarcação do território democrático. O conteúdo dos discursos e das cartas enfatizou a defesa das eleições, das urnas eletrônicas, do TSE como juiz, da Constituição e do Estado de Direito. Em síntese, a defesa da democracia. Mas a democracia tem muitos significados e significados muito diferentes para os diversos atores políticos e sociais. Ao menos deveria ter. Na semana passada essas diferenças foram diluídas. A necessidade de derrotar Bolsonaro enseja essa diluição e tem muita gente trabalhando para que a campanha eleitoral, principalmente a campanha de Lula, dilua essas diferenças.

Isto seria um erro, já que o momento conjuntural permite uma campanha ambivalente: enfatizar o compromisso amplo com a democracia e as regras do jogo, mas aprofundar o conteúdo e o programa da democracia que se quer construir. E este conteúdo deve ter uma fisionomia popular e deve ser orientado por uma política de mais igualdade, mas justiça, mais direitos e mais liberdade. Deve ser orientado por um compromisso inarredável com a prioridade assentada nas políticas sociais públicas da educação, da saúde, da cultura, da habitação, do emprego, da renda e da sustentabilidade. Por um compromisso inarredável com reformas estruturais (fiscal, administrativa etc.) que indiquem mais igualdade e menos privilégios para as elites do setor público e do setor privado. 

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O discurso de Lula na pré-campanha, ao menos o que veio a público, está alinhado com a necessidade de qualificar a democracia. Mas a condução política da campanha e das ações conjunturais parece contaminada pelos graves erros e omissões da oposição parlamentar, que secundou Arthur Lira e fez um enfrentamento pífio ao governo. Bolsonaro violou a lei, a Constituição e lançou mão de vários meios de aparelhamento do Estado para fazer sua campanha eleitoral. Em parte, com o apoio da oposição parlamentar que se deixou emparedar e caiu na arapuca do presidente da Câmara. Agora fica até difícil para a campanha denunciar esses expedientes nada republicanos e antidemocráticos que contaminam essa disputa eleitoral. 

As direções partidárias e parlamentares oposicionistas, particularmente as do PT, vêm adotando posturas mais advocatícias do que políticas. Acreditam mais nos tribunais do que nas ruas, mais nos juízes do que no povo. São mais direções de prerrogativas do que de combate político. As prerrogativas legais e constitucionais são importantes para a democracia, mas no nosso país são mais um privilégio das elites do que direitos do povo. 

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O problema da direção advocatícia dos partidos é que há um excesso de mediações, de mesuras, de medos e de fugas. Determinados discursos oposicionistas parecem feitos em lojas de cristais. E este pode ser um problema para a campanha. Nada contra os advogados, mas em partidos, os advogados e os políticos precisam ser políticos. 

É louvável promover atos comemorativos de eventos do passado. Mas parece que a conjuntura está a exigir mais ações constitutivas do presente e do futuro do que comemorações e rememorações do passado. 

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Há muita confusão no contexto das campanhas, até mesmo pitadas de esquizofrenia. Bolsonaro clama em nome de Jesus, mas faz a guerra política. Setores de esquerda não querem saber das religiões, mas pregam a paz, o amor, a mansuetude típicos do Sermão da Montanha. Quase oferecem a face direita quanto lhe batem na esquerda. 

Os estrategistas da campanha de Lula precisam encontrar saídas para alguns gargalos que favorecem Bolsonaro. Bolsonaro vem dominando a agenda do debate político do país nos últimos meses. Até o início de julho dominou o debate com a PEC da reeleição. Há mais tempo domina o debate com suas arruaças antidemocráticas, de ataque aos tribunais superiores e de suspeição das urnas. Ele capturara as reações da oposição, da sociedade civil e da própria mídia – da grande mídia e da mídia alternativa. Essas arruaças conseguem até mesmo intimidar muita gente.

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O segundo gargalo diz respeito ao uso do discurso religioso, moralista e obscurantista pelo bolsonarismo. Esse discurso constitui uma tática de mobilização de afetos que radicalizam o ativismo de extrema-direita e bloqueia qualquer fluidez reflexiva quanto à decisão do voto. Parece que os estrategistas de esquerda não compreenderam até hoje a importância da mobilização dos afetos e o poder do estímulo ao ódio na política. 

O terceiro gargalo se refere a como enfrentar o uso inescrupuloso do aparelhamento do Estado para fins eleitorais. Encontrar uma saída tática para esta investida, como se disse, é difícil por conta dos erros cometidos pela oposição parlamentar. Aqui, no máximo, se conseguirá apenas uma política de redução de danos. 

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Por fim, os estrategistas da campanha precisam dar vasão a uma campanha combativa, mobilizadora dos ativistas, dos militantes e dos movimentos sociais. Uma campanha popular, de mobilização de rua e de organização. Somente uma campanha com este teor poderá influenciar positivamente o caráter progressista do governo Lula. O resgate da democracia não pode ser um impeditivo para o seu aprofundamento. A democracia são as regras do jogo mas também o seu conteúdo social e econômico. A campanha de Lula não pode ser aprisionada por um discurso de uma democracia minimalista e elitista. 

A fantasia desta campanha precisa voltar-se para o futuro. E o futuro está na proposição de uma democracia que resolva os problemas sociais, que produza mais igualdade. A fantasia consiste em conferir um caráter plebeu, tanto à campanha, quanto à democracia. 

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