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Marco Aurélio Santana

Professor do Departamento de Sociologia do IFCS-UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade (NETS-UFRJ)

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Quando brecam os apps

O mês de julho de 2020 já entrou para a longa lista de momentos marcantes de luta da classe trabalhadora brasileira. A greve de entregadores e entregadoras ou o #brequedosapps, já em dois atos, agitaram a cena pública

Paralisação de trabalhadores de aplicativos em vários pontos da capital fizeram manifestações, SP 01 07 2020 (Foto: Felipe Campos Mello)
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O mês de julho de 2020 já entrou para a longa lista de momentos marcantes de luta da classe trabalhadora brasileira. A greve de entregadores e entregadoras ou o #brequedosapps, já em dois atos, agitaram a cena pública com sua mobilização que tomou conta de várias capitais do país. Eles/as, hoje, são a ponta mais aguda da luta contra a precarização do trabalho e da vida no país, em um quadro de desproteção social instituído, em linha de continuidade, pelas contrarreformas trabalhista (governo Temer) e previdenciária (governo Bolsonaro). 

O cenário antes da chegada da pandemia já tinha a marca da desproteção social, precarização, informalidade e desemprego. A emergência sanitária deixa isso escancarado e torna mais grave os seus impactos. É por isso que demandas apresentadas por entregadores e entregadoras, ao mesmo tempo em que falam das agruras que passam em sua atividade laboral, lançam luz sobre os processos sociais e de trabalho que foram destituídos e constituídos no Brasil dos últimos anos, além de indicar um horizonte ainda mais sombrio pela frente e as possíveis resistências a ele. 

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A categoria já se fazia presente circulando apressada e anonimamente por nossas cidades, detectável visualmente, de moto, de bikes ou a pé, pelas mochilas de cores fortes e com nomes de empresas de aplicativos de entrega nas costas, garantindo com seu próprio risco a manutenção do isolamento de diversos setores sociais. Contudo, ela marcou o espaço público de forma diferente no último mês, e o fez como sujeito coletivo que demanda aumento da remuneração e melhores condições de trabalho. Ao fazer isso em direção às empresas, o movimento teve impactos em um universo muito mais amplo de espaços e atores sociais, políticos e econômicos, repercutindo nas empresas, na opinião pública e consumidores/as, nos partidos políticos, no meio sindical, no legislativo, no judiciário etc.. Coletivamente, saíram da invisibilidade social, individualizada e anônima, para a visibilidade social e política. 

A pauta apresentada publicamente pelo movimento de entregadores e entregadoras traz pontos como o aumento do valor mínimo da entrega, o aumento do valor por Km percorrido, seguro de roubo, acidente e vida, o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) como álcool em gel e máscaras, auxílio-doença em caso de afastamento por contaminação pela Covid e o fim dos bloqueios e desligamentos indevidos.

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Dadas as clivagens que atravessam a categoria, vários outros pontos surgem aqui e ali, mas esse primeiro conjunto é aquele que tem sido o mais convergente em termos de demandas unitárias possíveis. Esse processo de construção de identidades, bastante disputado em sua formação, não foi e nem está sendo algo fácil, tem sido marcado por uma complexa dinâmica social e política da qual fazem parte, entre outros, trabalhadores e trabalhadoras, diversas entidades que representam ou buscam representar a categoria ou parte de seu contingente, páginas e grupos organizados nas redes sociais, agrupamentos políticos etc., sem falar da própria tentativa de interveniência das empresas nesse processo.

Apesar das falas demonstrarem certo consenso sobre o grau de exploração ao qual estão submetidos/as pelas empresas e acerca do papel central de sua mobilização direta na tentativa de alteração desse quadro, buscando o que seriam resultados “urgentes”, que não se pode “esperar mais”, há um amplo espectro de ideias e práticas no seio da categoria e entre os que estão à frente da organização e mobilização, por exemplo, que vai desde os/as que defendem a CLT, os que querem uma regulação específica até os/as que não querem qualquer tipo de regulação, há os/as que se dizem sem querer envolvimento político até os que esposam as lutas políticas mais gerais como, há os/as que dizem querer afastamento de formas sindicais tradicionais e os que a elas estão filiados… e por aí vai. 

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É preciso lembrar que esses trabalhadores e trabalhadoras estão enfrentando uma luta para lá de desigual. Enfrentam a velha relação de exploração capitalista agora em sua versão algorítmica. As empresas, entre as maiores empregadoras do país, se recusam a aceitar qualquer vínculo enquanto tal com seus/as trabalhadores/as. Se escondem atrás do argumento, insustentável, de que, nesse caso, são meras ferramentas de intermediação entre restaurantes, entregadores/as, consumidores. Entregadores e entregadoras, nessa visão maquiada da realidade, não são seus/as trabalhadores/as, são “prestadores de serviço”… “parceiros”. 

A realidade, para além da “nuvem”, não deixa dúvida sobre o que se passa. A sofisticação hype digital produzindo formas intensas, e nada hypes, de precarização do trabalho e da vida. É uma economia do compartilhamento em que as empresas pouco compartilham de seus enormes ganhos com trabalhadores e trabalhadoras. Nessa gig economy a classe trabalhadora “faz bicos” de 8, 10, 12 horas por dia em troca de baixa remuneração e condições de trabalho precárias. As empresas têm se preocupado mais com publicidade, imagem, acionistas e investidores do que com trabalhadores/as dos/as quais retiram sua riqueza.

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Nem todo mundo acreditava que submetida a tal grau de informalidade e precarização, sob o controle e pressão de sofisticados mecanismos tecnológicos, mas também de relações de trabalho autoritárias já nossas conhecidas, agora pela via do despotismo do algoritmo, obrigada a intensos e extensos ritmos e jornadas de trabalho, no “corre” sem poder parar, pudesse conseguir efetivar um movimento nacional de monta. E conseguiu, independentemente das possíveis comparações entre os impactos dos dois momentos de mobilização, que precisa levar em conta todas as dinâmicas que ocorreram, não apenas no interior da categoria, mas, sobretudo, pela ação das empresas reagindo ao movimento que vinculava suas marcas à degradação do trabalho. 

Os ganhos políticos e organizativos e as repercussões dos #brequedosapps, são bastante sensíveis. Seu movimento já fez mover. Ainda não está dado, estando ainda em disputa, o caminho que será trilhado pela categoria após essas duas mobilizações. Em grande medida ele dependerá de suas escolhas trabalhistas, políticas e organizativas. De todo modo, esse movimento se rebela contra processos que atingem muitos outros setores, incorporando grandes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras, e que tenderão a se espalhar ainda mais. Resta claro que o plano do capital é caminhar a passos largos para a informalidade e a precarização de todo o mundo do trabalho. Isso só foi barrado ao longo da história pela organização e mobilização da classe trabalhadora. Esse passo teve em nosso país, em julho de 2020, um marco importante. Assim, o destino da luta de entregadores e entregadoras contra a precarização do trabalho e da vida pode ajudar a abrir e orientar caminhos para muitos outros setores e movimentos nessa direção.

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