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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

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Que país é este?!

A demora em desencadear uma reação condizente com a gravidade dos fatos dá a entender que as denúncias do The Intercept apenas arranharam a superfície de um imaginário construído por muitos e muitos anos. Será necessário mais tempo e persistência para chegar ao âmago da questão

(Foto: Ricardo Stuckert)
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Em pesquisa Datafolha divulgada no domingo, 07 de julho, 58% dos entrevistados reprovam a conduta de Moro, mas 54% acham que foi justa a prisão de Lula. Como isso é possível? Mesmo quando há reconhecimento da ilegalidade dos atos de Moro, ainda se considera a prisão de Lula justa? A explicação pode estar muito além das informações diárias veiculadas. A demora em desencadear uma reação condizente com a gravidade dos fatos dá a entender que as denúncias do The Intercept apenas arranharam a superfície de  um imaginário construído por muitos e muitos anos. Será necessário mais tempo e persistência para chegar ao âmago da questão, e limpar toda a sujeira incrustada em mentes e corações sob a forma de “convicções” irracionais.

As convicções irracionais vêm do imaginário, onde, aliás, se ancoram os mitos. Há mitos modernos sendo construídos pelo hábil marketing político, que consegue promover a venda de produtos vazios –e até tóxicos. O “mito” assim criado na política atual não é capaz de resistir a muita pressão, é um balão que já está se esvaziando, embora o processo esteja sendo um tanto lento. Por outro lado, há quem esteja inexorável e lentamente se construindo como verdadeiro mito, ou melhor, como lenda viva, por suas qualidades e perseverança. O homem que resiste, ao repetir que não negocia a sua honestidade, que não troca a sua inocência pela liberdade permanece na prisão em Curitiba. Luís Inácio, homem de carne e osso,  paga o preço por se tornar um símbolo ao se contrapor a um sistema que funcionava magistralmente antes de sua chegada à Presidência.

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Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou

São trezentos picaretas com anel de doutor

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Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou

São trezentos picaretas com anel de doutor

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Para aqueles que acompanham as distorções de um sistema judiciário que deveria zelar pela justiça mas se legitima como perpretação de injustiça, Lula é símbolo de democracia, de defesa dos direitos, de esperança para o povo brasileiro. Já para os que acreditam que  a política é suja, e não se alimentam de fontes dignas de informação, Lula é o maior líder de gangue que já existiu. A imagem de um Lula ladrão, construída pela grande mídia e pelo judiciário - que hipervalorizaram delações em detrimento de fatos - colou-se sobre outra matriz, ou “convicção” antiga, a de que todo político é ladrão. Ou seja: na raiz da condenação sumária de Lula por uma parte da população está a amargura de quem se acostumou  a pensar que a corrupção política e os políticos, portanto, são responsáveis por todos seus fracassos pessoais - daí a conveniente apatia. 

Foi o deságue de um canal de esgoto mental construído bem antes da primeira eleição de Lula (e da disseminação das fake news), para o qual a imprensa direcionou os dejetos de um ódio nacional, na formação de um povo que atrelou sua identidade à imagem de roubado, manipulado, enganado. Os coitadinhos que nunca entenderam a possibilidade de uma participação cidadã. A grande mídia e o jornalismo brasileiro é que são, portanto, a base sobre a qual o ódio ao PT se construiu. E foi um trabalho muito demorado, intrinsecamente relacionado à história do jornalismo político nacional. 

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Para compreender melhor, precisamos entender o papel do jornalismo. Ao jornalista cabe, entre outras coisas, “traduzir” linguagens técnicas e transformar explicações difíceis em conteúdo de fácil apreensão. As Faculdades de Jornalismo são responsáveis por dar aos profissionais bagagem para essa tarefa nem sempre assumida por profissionais de outras áreas que abraçam o jornalismo. Aos professores dos cursos superiores de comunicação cabe fazer compreender que é atribuição do jornalista, também, servir de ponte entre o conhecimento especializado e o público em geral. 

Neste âmbito, em cada uma das áreas há aspectos diferentes com que é preciso lidar. Na área científica, por exemplo, a linguagem técnica de cientistas e médicos exige que o jornalista os entreviste sem medo de ser considerado estúpido. É preciso esmiuçar toda a técnica e compreender cada contexto, a fim de trabalhar a linguagem até dar a ela fluidez coloquial ou, pelo menos, torná-la compreensível a todos. Para tal, precisamos conhecer o público. 

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No jornalismo político, a pergunta é: que tipo de cultura política foi historicamente criada no país? A pouca noção de cidadania era um obstáculo para conquistar leitores. Afinal, quanto mais um povo conhece seus direitos, e vislumbra sua capacidade de exigi-los, maior será a importância de manter-se esclarecido sobre como funciona a coisa pública. Do contrário, o tema se torna distante, e passa a ser “chato” ou “difícil”. 

De exemplo em exemplo aprendemos a lição

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Ladrão que ajuda ladrão ainda recebe concessão

De rádio, FM e televisão

Rádio, FM e televisão

A vivência de um povo reprimido também fez a política ser considerada pouco importante ou desagradável – o famoso “ não gosto de política” -. Para as pessoas que pensam assim,  apenas uma parcela privilegiada da população tem acesso às decisões que determinam nosso futuro coletivo. No geral, a impressão que ficou é de que o combate à corrupção deveria obrigatoriamente passar pela vontade de alguns indivíduos de suposto caráter incorruptível – santos e monges!? - e não pela construção de um sistema bem articulado para não ser vulnerável à duvidosa avaliação de caráter de cada indivíduo eleito.  

Sem assumir seu papel na formação política do povo, servindo de fato às elites, o jornalismo político dedicou-se a espetacularizar casos particulares, sem discutir a necessária reforma política – muito mais que a da Previdência -, que poderia reduzir verbas disponíveis e dificultar o desvio de dinheiro público. A espetacularização acabou se tornando o caminho para manter leitores interessados sem ameaçar os donos do poder, e dos meios de comunicação. Hoje, todas as áreas da informação se submetem ao espetáculo, a ponto de o jornalismo se confundir, muitas vezes, com o entretenimento, em um “infotenimento”.  

Na política, as denúncias de corrupção tornaram-se mais e mais frequentes, ocasionalmente destruindo a carreira de alguns, mesmo quando se revelaram infundadas após a investigação. Mas “the show must go on” - e o show sempre serve ao interesse de alguém - , e surgiu a farsa do mensalão, que teve dimensão apoteótica, mesmo não envolvendo desvio de dinheiro público... E aqui estamos nós, em plena e transgênica sociedade do espetáculo, culturalmente formada por BBB's. 

Eles ficaram ofendidos com a afirmação

Que reflete na verdade o sentimento da nação

É lobby, é conchavo, é propina e jeton, 

Variações do mesmo tema sem sair do tom.

Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei

Uma cidade que fabrica sua própria lei

Aonde se vive mais ou menos como na Disneylândia...

Na imaturidade política do público que passou anos alimentando sua falta de consciência com restos pútridos de integridades destroçadas por sucessivas manchetes, a palavra “política” é algo sujo. A passividade dos eleitores, que não exigem o cumprimento de seus direitos sequer a vereadores e prefeitos, ajuda a alimentar a corrupção em grande escala. Se aqueles que estão próximos não são cobrados, que dizer dos que passam a fazer parte da nossa “Disneylândia” política?

Por outro lado, se considerarmos que muitos dos escândalos de corrupção denunciados foram comprovados e a política brasileira realmente tornou-se um mar de lama – ao qual poucos indivíduos e partidos resistem, e merecem todo o nosso reconhecimento-, precisamos admitir que essa lama se alimenta da nossa falta de capacidade em exigir respeito enquanto cidadãos, em reivindicar direitos, em fiscalizar aqueles aos quais delegamos o poder de nos representar. 

Nas favelas, no Senado, 

Sujeira pra todo lado,

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação...

Que país é este!?

Sem a coragem de admitir nossa fraqueza – ou melhor, nossa força-, nunca poderemos modificar a ordem das coisas. Permaneceremos como crianças chorando, sem conseguir  reagir à violência ou, pior ainda, continuaremos acreditando em super heróis fabricados midiaticamente, que irão “nos salvar” de nossa incapacidade mortal. Sim, mortal, pois estamos sendo mortos todos os dias, nas favelas, na cidade, no sertão, no campo, na floresta. De fome, de frio, de balas perdidas ou certeiras, de envenenamento por agrotóxicos, de incêndios criminosos. Somos mortos todos os dias por aqueles que se sentem protegidos ou são sustentados pela poderosa estrutura criada sobre a nossa apatia! E Lula, que se rebelou contra esta resignação, a submissão aos poderosos - esta quase deficiência nacional - ao arriscar-se, como legítimo representante do povo, a ser o melhor Presidente que já tivemos – os índices e o reconhecimento internacional não me deixam mentir -, é quem paga pela nossa apatia. Lula Livre será o resultado de nossa reinvenção como donos de nossa história. Afinal, que país queremos ser!?

*As citações são trechos de  Luís Inácio (300 picaretas), dos Paralamas do Sucesso e Que País é Este?, do Legião Urbana, a quem agradeço pela inspiração. 

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