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Marcelo Gruman

Doutor em Antropologia Social (MN/UFRJ); especialista em Gestão de Políticas Públicas de Cultura (UnB); atualmente é administrador cultural da Funarte/MinC

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Republiqueta

Republiqueta continuaremos a ser em português mesmo, enquanto decisões monocráticas prejudicarem milhões de pessoas (poderia ser uma única), numa canetada

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Não faz tanto tempo assim. Quando tirávamos o fone do gancho, antes da chegada dos telefones celulares, tínhamos de esperar alguns longos segundos até o "sinal de chamada". Em seguida, discávamos os sete dígitos (que depois viraram oito e que depois viraram nove) e, esperando novamente alguns longos segundos, ouvíamos o sinal de "chamando" ou "ocupado". Para realizarmos chamadas de longa distância, via Embratel, contávamos com a ajuda da telefonista, que intermediava a chamada e, quando lá do outro lado do mundo, respondiam, nos informava que já podíamos falar. Aqui no Rio de Janeiro, havia um número que, dizia-se, a própria companhia estatal- Telerj - liberava para os usuários se comunicarem entre si, uma espécie de linha cruzada oficial antecessora dos chats online.

Uma de nossas diversões de moleque era passar trote utilizando o orelhão que ficava do outro lado da rua, ligávamos para São Paulo, lembro que sempre atendia a mesma pessoa e que a coitada morava na Freguesia do Ó. Sobre trotes, é famoso no Youtube o pornográfico (porque há muitas palavras de "baixo calão") "Trote da Telerj", que deve ter ocorrido em meados da década de 1980, onde um tal de Luís Pareto liga para a Telerj para solicitar um conserto e, ironia das ironias, sua chamada dá "engano" e os rapazes que atendem as diversões ligações se passam por atendentes da companhia telefônica. E, para finalizar as memórias da telefonia à carroça: certa vez, meu avô foi à Telerj contestar a cobrança de duas chamadas feitas para o exterior, para números que desconhecia, uma para o Sri Lanka, outra para a antiga Tchecoslováquia. Não me recordo se ele acabou pagando a fatura, mas virou piada familiar esta estória quando confessei ter sido o autor da traquinagem.

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Ter uma linha telefônica era um luxo, havia lista de espera para adquirir uma e os felizardos donos a declaravam no Imposto de Renda como um bem de família. Nos anos 1990 começamos a sair da idade da pedra comunicacional. Lembro perfeitamente da primeira vez em que tirei o fone do gancho e, imediatamente, ouvi o sinal de discagem ou, já naquele momento, "teclagem", já que tínhamos em casa aparelhos com teclas, não só o dinossáurico com disco. E mais maravilhado ainda fiquei quando, depois de teclar os oito dígitos, ouvi instantaneamente o sinal de "chamando".

Concomitante a essa revolução tecnológica, entramos na era da telefonia celular e a promessa, não cumprida, do então ministro das comunicações, Sergio Motta, de que seria possível comprar um telefone celular no posto de gasolina a preço de banana. Estávamos e continuamos diante de mais um exemplo característico dos tempos modernos, ou pós-modernos como querem muitos, a conhecida compressão tempo-espaço, a instantaneidade da informação e da comunicação. Não há tempo a perder, estamos conectados o tempo todo. Outro dia, vi uma reportagem sobre a rede wi-fi instalada no cume do Monte Fuji, no Japão, permitindo aos turistas tirar "selfies" e enviá-las imediatamente aos amigos. Telefones com câmeras cada vez mais potentes eliminaram a espera da revelação de fotos. A ansiedade, agora, é para tirar o máximo de fotos possível no menor tempo possível, apagar as que não prestam e começar tudo de novo. A inevitável paciência, esperando o filho chegar da balada, foi trocada pela angústia exasperante porque ele não atende o celular de madrugada. Os trotes ingênuos foram trocados pelas ameaças falsas de sequestro relâmpago.

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Muito já se escreveu sobre esta tal de pós-modernidade, também conhecida por sociedade pós-tradicional, na expressão de Anthony Giddens. Ambas as expressões falam de um mundo em que o valor predominante é a mudança, a troca incessante de tudo, a objetificação, a coisificação. O teórico-mor destas ideias é o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e sua noção de liquefação das relações sociais e dos afetos. Vivemos num autêntico supermercado, de onde tiramos das prateleiras as pessoas e as emoções que queremos consumir naquele instante, descartáveis por natureza. No caso da telefonia móvel, o aplicativo de troca de mensagens WhatsApp é a melhor representação da instantaneidade e descarte das relações entre indivíduos. Quem o utiliza reclama, basicamente, da quantidade absurda de mensagens inúteis recebidas diariamente. A prova maior desta produção de lixo é a possibilidade de o usuário "silenciar" um contato ou um grupo de pessoas, ou seja, as mensagens destes "indesejados" são recebidas sem que haja o alerta sonoro.

Por outro lado, muita gente utiliza o aplicativo para transações comerciais, aproveitando o seu baixíssimo custo em comparação às chamadas telefônicas convencionais que, no Brasil, são caríssimas. Assim como o Google, o whatsapp trouxe praticidade à nossa vida cotidiana, facilitou-a sobremaneira. Tirar uma dúvida básica com o pediatra do filho (não sou a favor de consultar por telefone, deixe-se claro), chamar um táxi ou combinar com um grupo de amigos a saída do final de semana com uma ou duas mensagens é uma das maravilhas da humanidade sim.

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Eis que, no Brasil, o whatsapp já foi bloqueado algumas vezes por decisão do poder judiciário. O último bloqueio ocorreu no início desta semana, quando uma juíza de Duque de Caixas, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, determinou que o aplicativo fosse tirado do ar por descumprir uma ordem judicial em processo relativo a tráfico de drogas, por haver negado pedido do Ministério Público para o acesso, em tempo real, às trocas de mensagens de indivíduos que matam e tramam todos os tipos de ilícitos, "sempre acobertados pelos responsáveis legais do aplicativo".

Se é verdade que o whatsapp é usado por gente bem intencionada, também o é que pode ser usada para facilitar o cometimento de atos ilegais e criminosos e, neste ponto, a juíza está coberta de razão ao cobrar dos responsáveis legais as informações solicitadas. No entanto, o bloqueio total do serviço acabou por prejudicar quem nada tinha a ver com a pendenga, nada menos do que cem milhões de pessoas. Gente que teve cerceado seu direito à livre expressão (censura?), seja o envio de um coração para a namorada, a foto de um gatinho ou os números de agência e conta corrente para depósito de um serviço prestado. Jogou-se o bebê fora junto com a água suja. Para a juíza de Duque de Caxias, ao descumprimento da decisão judicial somou-se uma atitude desrespeitosa dos representantes legais do whatsapp com a justiça brasileira. No despacho, há o seguinte trecho:

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"Ao ofício assinado por esta magistrada, contendo a ordem de quebra e interceptação telemáticas das mensagens do aplicativo Whatsapp, a referida empresa respondeu através de e-mail redigido em inglês, como se esta fosse a língua oficial deste país, em total desprezo às leis nacionais, inclusive porque se trata de empresa que possui estabelecida filial no Brasil e, portanto, sujeita às leis e à língua nacional, tratando o país como uma republiqueta com a qual parece estar acostumada a tratar."

Republiqueta continuaremos a ser em português mesmo, enquanto decisões monocráticas prejudicarem milhões de pessoas (poderia ser uma única), numa canetada. Republiqueta continuaremos a ser em português mesmo, enquanto a justiça atuar na lógica maquiavélica de cortar o mal pela raiz (quantos milhões de processos de cidadãos honestos se arrastando há anos nos corredores dos fóruns?) e fazer o bem aos poucos (e para poucos...).

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Nacionalismo numa hora dessas? Brasil, ame-o ou deixe-o?

Que venham as Olimpíadas!

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