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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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Sem água não há segurança alimentar e nem desenvolvimento

O país está atravessando uma crise hídrica que afeta diretamente o nível dos reservatórios dos subsistemas elétricos, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Responsável por 70% da capacidade dos reservatórios de todo o Sistema Interligado Nacional, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), por exemplo, vem reduzindo rapidamente a quantidade de água armazenada nos últimos anos

(Foto: José Barbacena)
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 O país está atravessando uma crise hídrica que afeta diretamente o nível dos reservatórios dos subsistemas elétricos, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).  Responsável por 70% da capacidade dos reservatórios de todo o Sistema Interligado Nacional, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), por exemplo, vem reduzindo rapidamente a quantidade de água armazenada nos últimos anos. No final de abril, o percentual de água armazenada no referido subsistema, de 34,7%, foi o menor desde 2015, ano da crise hídrica anterior. Os especialistas mencionam que a redução do nível dos reservatórios pode chegar à 10%, o que seria extremamente grave, já que o sistema elétrico brasileiro nunca funcionou abaixo de 15%. 

     Um dos problemas fundamentais nesse debate é a falta de investimentos. O setor vem sendo privatizado desde o governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990. E o setor privado, costumeiramente não investe, ele quer que o setor público assuma todo o custo de expansão do sistema. Essa crise só não se tornou ainda mais dramática até o momento, porque a economia está estagnada. O Brasil está indo, em 2022 para o sétimo ano seguido de recessão ou baixo crescimento. Se estivesse às vésperas de retomar o crescimento, por exemplo, o país teria no fornecimento de energia um grande obstáculo. 

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     O problema de redução da oferta hídrica é estrutural e sua reversão exigiria investimentos pesados, que não vem sendo realizados. Este governo não pretende, e nem tem visão estratégica, para investir em setores fundamentais. O país perdeu 15,7% de superfície de água nos últimos 30 anos, o equivalente a 3,1 milhões de hectares de superfície hídrica, conforme revela um levantamento inédito do MapBiomas (iniciativa do Observatório do Clima, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia com o propósito de mapear anualmente a cobertura e uso do solo do Brasil e monitorar as mudanças do território).

     A água que cada brasileiro consome (ou deixa de consumir) ilustra muito da nossa posição de classe na sociedade, por incrível que isso possa parecer a alguns. Para os pobres, mesmo no país que tem as maiores reservas hídricas do mundo, a falta de água é uma realidade, E o problema deve piorar, com as medidas que vêm sendo tomadas atualmente. Além dessa dimensão de atendimento à população, da necessidade em que água de qualidade chegue igualmente para toda a população (que deveria ser o mínimo que o Estado nacional poderia disponibilizar), há também aspectos de caráter mais estratégicos na Questão da Água. Sem água em quantidade suficiente não há desenvolvimento, não há segurança alimentar, não há indústria. 

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     A água é mais importante que petróleo para o desenvolvimento. Sem petróleo não há desenvolvimento, não há indústria. Mas sem água não há nem produção de alimentos que proporcione segurança alimentar para a população. No limite, sem água não há vida. Um país até sobrevive sem petróleo. Com dificuldades, mas sobrevive, como se observa no mundo. Sem água, não há condições de fazer nada, um país sem o mínimo de provisão de água, não conseguiria ter o mínimo de soberania.  

     A forma como os países acessam a água, assim como suas quantidades, é um problema mundial de caráter: geopolítico, social, econômico e militar. É um problema de segurança nacional também: é impensável um país depender de fornecimento externo de água. Segundo a ONU, 1,1 bilhão pessoas não têm acesso a água tratada e cerca de 1,6 milhão de pessoas morrem no mundo todos os anos em razão de problemas de saúde decorrentes da falta desse recurso. Em função das formas predatórias de utilização dos recursos do planeta, este quadro tende a piorar. 

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     A dificuldade da população pobre ter acesso à agua não é um problema técnico, mas fundamentalmente político. É que resolver os problemas do povo, mesmo os mais essenciais, não é prioridade da esmagadora maioria dos governos. Apesar da abundância de água no planeta, 97,5% dela é salgada. Dos 2,5% de água doce, a maior parte (69%) é de difícil acesso, pois está concentrada nas geleiras, 30% são águas subterrâneas (armazenadas em aquíferos) e 1% encontra-se nos rios. À medida que a demanda por água cresce, as cidades se veem obrigadas a depender das fontes que se encontram mais distantes das cidades e cuja disponibilização para o consumo se torna mais cara. 

A agricultura utiliza aproximadamente 70% da água potável globalmente, a indústria 22% e o consumo doméstico 8%. Nos países atrasados cerca de 90% da água residual (esgoto) flui sem tratamento até os rios, lagos e zonas costeiras. Na América Latina, três quartos da água fecal ou residual (esgoto) voltam para os rios e outras fontes hídricas, criando um sério problema de saúde pública e ambiental. O problema é ainda maior na África e Ásia, mas ele também é grave nos países centrais do capitalismo. Na Europa, por exemplo, só 5 dos 55 rios do Continente são realmente limpos. Na França, desde 1947 a falta d'água é tema dos debates das campanhas eleitorais.

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     Apesar do Brasil deter 12% das reservas de água doce do mundo (a maior reserva do planeta) o país tem quase 35 milhões (80% da população da Argentina) sem acesso a água tratada, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. E mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao sistema de esgoto. Apenas 53% têm o esgoto coletado; e 76% dos dejetos gerados não são tratados, o que resulta em rios urbanos nojentos e periferias insalubres, muitas vezes com águas correndo a céu aberto ou despejadas em riachos. É em função de dados deste tipo que se pode afirmar que o problema do acesso à água não é técnico, e sim uma questão essencialmente política. 

Em função da profusão dos rios e lagos, o Brasil tem um sistema de geração de energia hidrelétrica, considerado o melhor do mundo. E os que deram o golpe de 2016, estão entregando esse verdadeiro patrimônio estratégico, para as multinacionais. E entregam a preço de banana (este é um princípio sagrado das privatizações). No ano passado (24.06.20), o Senado Federal aprovou a lei 4.162/2019, que trata da privatização do setor de saneamento no Brasil.    Segundo essa lei, a partir de março de 2022, todos os contratos de prestação de serviços de saneamento (o que inclui distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos) existentes entre os municípios brasileiros e as estatais de saneamento, em sua maioria, poderão ser revisados e reavaliados. Ao invés de continuarem a existir os contratos de programa, será obrigatório a realização de editais de licitação entre empresas públicas e privadas, o que poderá significar, em menos de um ano, a partir do ano que vem, a privatização da maioria dos serviços de saneamento no país.

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     Também está em discussão no setor elétrico a aprovação do mecanismo que irá impor um preço na água dos reservatórios e vinculará o preço da água ao preço da energia, tornando algo que hoje não está monetizado ao valor potencial da água para produção de energia elétrica. Segundo especialistas, se aprovado esse dispositivo, ao “bebermos água, pagaremos como se estivéssemos bebendo eletricidade” 

     Qual a relação entre todas essas iniciativas? Tudo isso faz parte de uma grande estratégia do Capital para transformar de vez a água em mercadoria e propriedade privada, em todo o Brasil. Logo em seguida ao golpe, em 2016, até as pedras já sabiam que a intenção dos golpistas era destruir no país qualquer resquício de soberania e de serviço público existente. Isso inclui a educação pública, que está sendo desmanchada, todas as estatais rentáveis, e o acesso à água.

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