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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

35 artigos

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Sete de Setembro: o Grito de Subserviência e M_ _ _ _

O certo é que, por enquanto, o grito de suposta independência está mais para O Grito de Munch, e mesmo não sendo uma carnavalesca raiz, na escolha entre datas, eu prefiro comemorar o carnaval e sua capacidade crítica...

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*aviso: este é um texto escatológico, com termos de esgoto comuns ao desgoverno atual...

Quando fui responsável pela disciplina Estética, Cultura e Meios de Comunicação por alguns anos, como professora de jornalismo, aprendi a respeitar o poder do grotesco, e considero importante falar sobre ele. Para isso, o sete de setembro veio a calhar. Aprendemos na escola que nesta data deve ser comemorada a independência do país. Será verdade!? O assunto é controverso e, dependendo do ponto de vista, pode estar impregnado de grotesco...

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Peço licença para falar de forma breve e simplificada sobre a riqueza da categoria estética do grotesco, que se apresenta sob diversas formas, e pode suscitar efeitos variados. Trabalha principalmente com o estranhamento. Está nas imitações ridículas do real, na mistura do humano com animais, nas deformidades e secreções. O grotesco pode ser poético, com as fadas e sereias; provocar medo e horror, em monstros como Frankenstein; riso, naquilo que for ridículo, como caricaturas e charges. Ainda há o grotesco chocante, que na versão mais alienante pretende apenas capturar a atenção com o choque; e o escatológico, que causa nojo. Às vezes, um efeito soma-se ao outro, aumentando o impacto final. Para nosso tema, podemos dizer que o desgoverno traz a predominância dos grotescos ridículo, chocante e escatológico (referente a excrementos).

Já no sete de setembro, o grotesco corre qual rio subterrâneo. O famoso grito de independência passou para a história na versão polida, limpinha e cheirosa (PSDBista?), em que Dom Pedro I, durante viagem a São Paulo, todo perfumado de flores, empina o cavalo com espada em punho (após ser informado que a imperatriz Leopoldina havia assinado os papéis da independência cinco dias antes, dizem as más línguas). Porém, há uma versão não tão polida, bem sujinha e fedida (certamente divulgada nos “blogs sujos” da época), com Dom Pedro sofrendo de diarréia, aliviando-se em uma moita ao lado do rio Ipiranga, quando teria declarado com veemência (há todo um contexto, não!?) “independência ou merda”! Provavelmente os homens que o acompanhavam não tiveram dúvida, afinal era o príncipe regente, taparam o nariz e fizeram ecoar o grito. Assim nasceu o “novo” Brasil... Seja fake news ou não, a versão se manteve como uma visão subversiva e crítica da data e da suposta independência.  

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Em 1822, porém, O grotesco ainda não era uma estética aceitável, e venceu a versão clássica ou, podemos dizer, global, presente no quadro encomendado pela família real, que idealizou a independência. Os livros de história agradeceram, por permanecerem com as páginas impolutas, e foram distribuídos nas salas de aula, afim de impregnar o imaginário de diversas gerações. Hoje em dia, há quem defenda um revisionismo histórico, chegando ao extremo de afirmar que comemorar o sete de setembro é comemorar a diarréia do príncipe. Para buscar a independência verdadeira, segundo estes rebeldes, seria preciso respirar profundamente toda a M oculta em nossa história, encoberta por diversos espetáculos, criados para entreter e agradar a elite. A diferença é que, no chiqueirinho daquela época, os apoiadores de D. Pedro I tinham um gosto mais clássico...

Essa opção estética foi mantida por muitos períodos seguintes, nos quais a M circulou livre, mas devidamente escondida, o que dificultou o combate à corrupção. Com o golpe contra a Presidenta Dilma, entretanto, inicia o período notadamente diarréico, em que o grotesco transborda do mar de M subterrâneo na votação do golpe dissimulado em impeachment. O destaque mais sólido de então foi o pronunciamento daquele que viria a se tornar despresidente do Brasil, ao citar um reconhecido torturador da ditadura militar, definido por ele como “o pavor de Dilma Roussef”. Por isso o editorial recente da Folha de São Paulo, aliás, não foi apenas manipulador, mas também ofensivo, violento, misógino, canalha e grotesco (no pior sentido).

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Abertas as comportas para a M se espalhar pelo país com o golpe, tivemos a suja-a-jato, e judiciário e PF nada fizeram (já usavam máscaras, que os tornaram incapazes de sentir o cheiro?). O problema é que o nível do mar começou a subir, e já quase cobre o país inteiro. No desgoverno em que nos encontramos, o uso do escatológico está descontrolado. Um exemplo modesto, e até comportado, foi a resposta dada pelo despresidente quando perguntado sobre poluição ambiental, recomendando ao repórter fazer cocô dia sim, dia não, para contribuir com a preservação do meio ambiente...

O auge, até agora, foi a escatológica reunião ministerial vinda a público, em que são citados “os merdas de sempre” - referência aos críticos das saídas do despresidente, nas quais quebra as recomendações da OMS para prevenção ao coronavírus. Ele também eleva a Folha de São Paulo ao patamar de bosta, destacando-a da grande imprensa marrom, e segue em inigualável sequência, com a menção a um b de prefeito, um b de decreto, o b do governador de São Paulo, o m do governador do Rio e o b do prefeito de Manaus...

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Nos diversos discursos, ao usar até três palavras diferentes como sinônimos (cocô, bosta e merda), o despresidente demonstra sentir-se a vontade com o tema, um de seus preferidos, apresentando fluxo admirável do mesmo, escolhendo o vocábulo de acordo com a inspiração do momento. Na reunião, também fez séria advertência aos aliados: “o que os caras querem é a nossa hemorróida”, deixando transparecer que o “mito” já tem sequelas devido ao esforço por produzir declarações diárias tão férteis...

Neste quadro, o que temos a comemorar, enfim!? É necessário, reconhecer que hoje o Brasil tem muito mais subserviência que independência, com uma relação declarada de amor por Trump e a busca recorrente de aconselhamentos e orientações junto aos EUA, que continua a colocar seus interesses em primeiro lugar. Não interessa a eles que o Brasil seja o protagonista de sua própria história... O mergulho no oceano de grotesco escatológico (para ser eufemista) ainda parece sem fim. O mais triste é que, com o surgimento da pandemia, a letra M também pode representar a morte, que se torna banal em um país cuja imprensa coorporativa trata de forma condescendente a incompetência e a desvalorização da vida demonstradas pelo desgoverno.

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Mas faltou falar de uma vertente importante do grotesco: o crítico, que aparece nas caricaturas, charges e sátiras (por isso consideradas perigosas pelo poder instituido), no humor crítico e na “carnavalização” (termo da teoria de Mikhail Bakhtin) que, embora não aborde apenas o carnaval, baseia-se na festa original do mesmo, em que o mundo era colocado de cabeça para baixo, incluindo aí as relações de poder, e o bobo da corte podia imitar o rei. Nossas Escolas de Samba tem dado um show neste ponto, para citar só alguns casos: a Paraíso do Tuiuti marcou o carnaval de 2018, com o vampirão presidente e os manifestoches. Em 2019, a mesma escola usou a lenda cearense do bode Ioiô para criticar o golpe e o clima de alienação. Em 2020, Marcelo Adnet fez sucesso na São Clemente com a sátira ao despresidente (e ainda faz, palmas para ele), e a Mangueira teve o “Messias de Arma na Mão”, ressaltando a contradição gritante do apoio religioso a quem faz apologia da violência...

Uma pergunta importante que surge é: no confronto do grotesco crítico com o golden shower (com que o despresidente tentou roubar a força do carnaval), não será a grande mídia quem determina o que deve ser tolerado ou aceito, com sua capacidade de ampliar ou minimizar incidentes e opiniões!? E ainda: tantos anos de programas voltados para cultivar o gosto pelo grotesco escatológico e alienante (em programas policiais, BBB's e outros) terão criado um público incapaz de aprofundar questionamentos e pensar criticamente? O certo é que, por enquanto, o grito de suposta independência está mais para O Grito de Munch, e mesmo não sendo uma carnavalesca raiz, na escolha entre datas, eu prefiro comemorar o carnaval e sua capacidade crítica...

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