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Luciano Cerqueira

Pesquisador do Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES) da Flacso Brasil; Pesquisador associado do Laboratório de Políticas Públicas (LPP-UERJ) e Doutor no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da UERJ

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Só engajamento não basta!

O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse que não falta dinheiro, o que temos de fazer é gerir melhor os recursos e contar com mais engajamento e participação da sociedade. Acho que este argumento não é verdadeiro

Brasília - O ministro da Educação, Mendonça Filho faz um balanço das inscrições do Enem (Wilson Dias/Agência Brasil) (Foto: Luciano Cerqueira)
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No dia 10 de outubro, quase na mesma hora em que deputados e deputadas aprovavam a PEC 241, que retira bilhões da saúde e da educação nos próximos 20 anos, ia ao ar uma entrevista com o Ministro da Educação no programa Roda Viva. No programa, entre outras coisas, o Ministro falou que não falta dinheiro, o que temos de fazer é gerir melhor os recursos e contar com mais engajamento e participação da sociedade. Acho que este argumento não é verdadeiro, pois se formos às escolas públicas (na periferia, comunidade, em bairros de classe média, ou classe média alta, são poucas, mas existem), para vermos o que realmente acontece, vamos observar que falta dinheiro sim e que de engajamento a escola está cheia.

Temos de envolver a sociedade na educação das crianças e dos jovens. Mas que sociedade? O Ministro está falando do pessoal de Higienópolis, Asa Norte, Ipanema, Leblon? Quem são estas pessoas que precisam se envolver mais com a educação pública? Acho que não serão os moradores e moradoras destes bairros que irão se envolver e lutar pela educação pública de qualidade, porque esse grupo está com seus filhos e filhas em ótimas escolas particulares, onde não serão proibidos de aprender sociologia, história e filosofia. Ter contato com estas matérias ajudará os jovens destes bairros a comandar mais facilmente aqueles que serão alijados destas disciplinas, que serão alijados da reflexão, e que serão apenas treinados para o mercado de trabalho.

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Paradoxalmente, a saída das matérias citadas – entre tantas outras alterações no ensino médio – estão sendo propostas por uma reforma que não consultou ninguém, professoras, estudantes, diretoras, intelectuais e etc. Nesta discussão, a participação da sociedade também não seria muito importante?

Vamos partir, então, da ideia de que quem precisa se engajar na luta por uma educação pública de qualidade sejam os pais dos jovens que estão nas escolas públicas. Alguém aqui tem ideia de como as escolas sofrem para levar os responsáveis a uma simples reunião; para que possam ouvir sobre o desenvolvimento escolar do filho ou da filha, ou para simples apresentação de boletim? Ver os responsáveis assistirem uma atividade na escola (seja ela de dança, jogos, exposição e etc.) é o sonho de todo professor. Mas cadê estes responsáveis que parecem não querer saber dos seus filhos e filhas? A grande maioria sai de casa às 6 horas da manhã e volta às 7 da noite, trabalhando 8 horas por dia. A que horas essa sociedade vai se "engajar" com a educação destes jovens? Bem, alguém já sugeriu que estes encontros possam ser realizados no fim de semana, para não atrapalhar a rotina de trabalho dos responsáveis. Digo que sou contra, não acho justo com nenhuma das partes envolvidas. E outra coisa, quem é que garante que os responsáveis irão?

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Outro ponto da fala do Ministro no programa foi a seguinte: o problema não é dinheiro, é gestão. Tem que ter dinheiro sim e também ser bem administrado, claro. É preciso investir para que escolas tenham salas de informática com internet; é preciso ter laboratórios de ciências, com tubos de ensaio e microscópios; é preciso ter bibliotecas, e nelas estantes repletas de grandes obras. Sim. Embora não seja correto condicionar estes equipamentos a uma aprendizagem adequada, pois dá pra fazer muita coisa interessante utilizando outros métodos, mas também não dá para pedir que as crianças vivam só de imaginação: imaginar um mapa, imaginar uma corrida na quadra, imaginar uma dança, imaginar um quadro, imaginar uma bola, imaginar um livro.

Mais importante do que termos dinheiro para estes equipamentos, é termos dinheiro para pagar aquelas pessoas que estão lá, ensinando as crianças e jovens a serem boas pessoas, a serem bons estudantes, a serem bom filhos e filhas e serem bons cidadãos e cidadãs. Muitos professores no Brasil estão ocupados em tornar os meninos e meninas que estão na escola em ótimos estudantes. Porém, alguns não estão preocupados só com isso, estão preocupados em evitar que eles e elas saiam da escola, que não tenham muitas reprovações, que aprendam algo pelo menos para ter um emprego, que não se envolvam com drogas. Em muitas escolas de locais mais carentes, o professor não cuida só da aprendizagem destas crianças, ele é conselheiro, psicólogo, assistente social, médico, orientador vocacional, amigo, pai, mãe, tudo. Eles vão além, cuidam da vida destes jovens. Isso não é pouca coisa!

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E quem é que sabe o que se passa com os professores e professoras nas salas de aula? Em que condições trabalham? Que tipo de estudantes eles recebem? O que faz eles estarem ali? São mesmo uns "privilegiados" como dizem parte dos políticos, da grande mídia e da sociedade?

Muitas escolas públicas estão abandonadas, salas com pichações, janelas quebradas, banheiros sujos, sem ventiladores (ar condicionado é luxo), sem segurança adequada, pouco material didático, sem quadra de esportes, sem refeitório – ou às vezes com refeitório, mas sem merenda – infiltrações, vazamentos e por aí vai. Muitos governos estaduais e municipais estão deixando as escolas virarem construções fantasmas. E não estamos falando só de escolas em bairros periféricos, mas também de escolas tradicionais, algumas com décadas de tradição em seus estados. Todas estão sujeitas a isso. Mas isso é importante? Claro que não, melhorar indicadores, isso é importante. Em que condições? Parece que não vem ao caso.

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Somam-se a isso, estudantes que chegam as escolas com todo tipo de problema: pouco hábito de leitura, problemas com drogas, problemas com autoridade, conciliam trabalho com estudo, chegam com fome e etc. Como trabalhar com essa diversidade toda em uma sala de aula muitas vezes lotada? Como você senta e dá aula numa escola sabendo que na madrugada anterior muitos dos que estão ali não dormiram direito com tiroteio nos locais onde vivem? Que tiveram de passar pela manhã por cápsulas, sangue, marcas de tiro na parede, entre outras coisas. Como tratar da mente e do corpo destes jovens em construção que muitas vezes veem na escola o único local de acolhida? A escola não pode deixar de ser esse local, privilegiado de convivência e acolhida, aos jovens, e para isso tem de ter profissionais, principalmente professores e professoras, motivados.

Diante disso tudo, como ainda é possível educar jovens neste cenário tão adverso?

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Eu lhes digo: paixão e engajamento. Mas isso só não basta! Mesmo desanimadas pelo ataque que sofrem há décadas, que muitas vezes as desanimam e as fazem – até mesmo – adoecer, as pessoas que estão trabalhando na escola (diretora, coordenador, merendeira, professor e etc.) continuam por acreditarem em um mundo melhor para aqueles jovens. Acreditam nisso, caso contrário não estariam ali. E acreditam quando, muitas vezes, os próprios responsáveis não acreditam. Muitos trabalham em condições que sabem não serem as melhores, com equipamentos e salários que estão abaixo daquilo que merecem, mas estão lá, dia após dia, dando o seu melhor. Então quando dizem que não falta dinheiro, eu digo que falta sim e quando dizem que falta engajamento, eu digo que não. Claro, que temos exceções!

Temos os profissionais mais engajados e comprometidos da nossa sociedade dentro das escolas. Seria ótimo se pudéssemos ter os responsáveis ali também, mas não vamos desmerecer aquelas pessoas que estão lutando, por enquanto eu espero, sozinhas.

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Tirar dinheiro da saúde da educação não vai resolver problema do déficit econômico, e vai gerar um enorme déficit social. Nos últimos 12 anos melhoramos um pouco nestas áreas, não chegamos nem perto do ideal, mas foi uma melhora. Agora querem (e vão) começar a desmontar o pouco que foi construído. E como sempre quem paga a conta são os mais pobres, os que mais precisam ficarão sem nada novamente. Serão nossas escolas e nossas universidades públicas, sucateadas e criminalizadas por fazerem pensar, que estarão na linha de frente de mais uma batalha que se aproxima. Temos então de nos juntar a elas na luta contra a falta de recursos para a educação de nossos jovens, de nossos filhos e filhas. Temos de nos juntar para lutar por um Brasil melhor, e para termos um país melhor precisamos de uma educação de qualidade. E uma educação de qualidade não se faz só com engajamento, se faz com recursos financeiros também.

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