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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Soberania nacional, soberania intelectual

Eduardo Dias da Costa Villas Bôas (Foto: Gustavo Conde)
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Em recente pesquisa, o Datafolha aferiu o comportamento da população com relação a declarações políticas de militares. Aparentemente, a maioria da população entende que os militares têm o direito de se expressar politicamente.

A princípio, pesquisa e direito à manifestação não se discute. São pressupostos básicos da democracia. Ocorre que não é tão simples assim, em se tratando de um momento histórico delicado e no evidente sequestro da democracia que se deu sob as barbas da caserna, da imprensa e da população civil.

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O comandante das Forças Armadas Brasileiras tem dado muitas declarações periódicas aos veículos tradicionais de imprensa ou pelo menos deixado esses veículos se apropriarem de suas falas e co-enunciá-las, produzindo uma estranha leitura híbrida da realidade nacional. É um mecanismo complexo que enseja observação técnica.

Não há razão objetiva para ser contra um militar ter opinião e expressá-la, pelo contrário. O que chama atenção é a natureza do enunciado, o lugar institucional de onde ele sai e o simplismo hierárquico com que ele é dito.

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Diz o general Villas Bôas hoje que “a ideologização dos problemas nacionais” é uma ameaça à democracia. É exatamente o contrário, Sr. general! A ideologização é um processo simbólico elementar da linguagem. Sem ideologização não existe nem sentido e nem língua. Se a ideologização não te agrada, combata-a com a sua ideologização, que é, aliás, o que o Sr. acabou de fazer.

Porque dizer que “a ideologização dos problemas nacionais é uma ameaça à democracia” é uma ideologização de ‘democracia’, de ‘problemas nacionais’ e de ‘ameaça’.

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Ideologização é produzir sentido. Se no exército não se aprende ciências humanas e nem linguística – deveria, porque muitas guerras são vencidas através da linguagem e da semiótica, haja vista os EUA – o uso dos conceitos deste campo do saber deveria ser, no mínimo, passível de alguma revisão técnica por algum subordinado revisor.

O espaço da democracia é, no próprio conceito, o espaço para que se haja embate de ideologizações. E é desse embate que nasce o princípio básico da democracia: uma ideia que vence na batalha do debate público - das eleições - e depois perde democraticamente para uma ideia melhor, produzindo a salvaguarda humanista e democrática que é a alternância de poder (e das ideias).

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O exército pode não ter alternância de ideias, mas o exército e as Forças Armadas de um país soberano deveriam zelar por essa alternância de ideias que caracteriza as sociedades democráticas mundo afora que, ademais, garante a manutenção operacional das forças que têm por obrigação defender o país das ideias violentas do inimigo.

O império das ideias únicas e das ideologizações seletivas é império do totalitarismo no qual o nosso país mergulhou com tanta determinação nesses últimos dois anos.

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Não se iluda dentro da sua própria ideologização, prezado general. Suas falas e declarações dos últimos dois anos são apenas sintoma de uma ideologização muito maior e mais poderosa que a sua própria ilusão de produzir algum enunciado original e dotado de sentido pode imaginar.

O país mergulhou em entropia cognitiva e gostou disso - o sr. e eu, um reles civil pagador de impostos, sabemos disso. Adesistas a esse processo são apenas isso: adesistas. Esse processo sem face e sem fiança autoral é a negação fatal do processo de produção de sentido e de produção de democracia.

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Negar o contraditório das interpretações do mundo real dos discursos, do debate e dos textos é uma prática que foi muito popular nos anos 30 em um determinado país da Europa central, é preciso lembrar. Eles produziram a negação do sentido, como parece que alguns militares de alta patente e parte considerável da elite brasileira fazem neste momento.

Processar as dificuldades óbvias que teremos para nos re-encontrar com a civilidade democrática em níveis tão simplistas e totalitários de compreensão do que seja o universo simbólico é apenas usar a força e insistir na força. Não na força das palavras que pulsam na plurivocalidade que caracteriza a sociedade humana, mas na força bruta e arbitrária da negação, a negação da própria palavra como elemento de redenção de nossas violências atávicas e de nossa pulsão de morte.   

Uma força digna do nome deveria, antes de vaticinar sobre a epistemologia do debate público, preocupar-se com a soberania de um pais continental, como, aliás, está cravado e lavrado em texto constitucional quando o assunto são Forças Armadas.

Forças Armadas combatem e protegem a população de um determinado país, pelo menos nesse momento histórico pelo qual passa a nossa gloriosa e complexa humanidade. O inimigo, como bem já lembrou o ilustre general, pode bem estar encravado dentro das próprias fronteiras, parasitando o Estado e aprofundando o sofrimento da população mais pobre.

Que não se fuja desse destino histórico através de declarações de efeito que fazem agradar segmentos reacionários que buscam apenas a manutenção de seu poder secular. A caserna tem seu sentido e é um sentido importante e fundamental para a manutenção da soberania não apenas nacional, mas da soberania intelectual de uma nação.

Um comandante militar deve inspirar seus liderados militares, não alvoroçar o povo civil e o sentido de democracia consagrado a esse povo com frases soltas que agradam tanto a porção colonizada de um país. Algo está claramente errado aqui.

Militares são inteligentes para traçar estratégias de defesa e de disciplina. Que essa inteligência não se perca tão facilmente no tecido desorganizado em que se transformou a discussão sobre a soberania de um povo e das fronteiras de um país que mal conquistou seu equilíbrio etário-demográfico. Somos ainda um país jovem que merece o respeito pela massa trabalhadora que deu seu sangue para construir o pouco que ainda não foi vendido.

Enquanto um general fala pelo Twitter e pela imprensa, o patrimônio do país e das próprias forças armadas vai sendo entregue aos americanos. A Embraer é apenas um desses patrimônios imprecificáveis – porque foi construído às custas de mais de 50 anos de tecnologia inovadora feita pelos próprios militares.

Algo está errado, é preciso repetir. Deixar-se seduzir por uma força obscura e messiânica que insiste em ditar regras unívocas de interpretação de texto para uma população ferida de morte com o sequestro da democracia é, para dizer o mínimo, o esplendor da autodegradação e do suicídio coletivo.

Não se pode aceitar ser um sintoma mesquinho de um país em chamas. É baixo demais para quem deveria se dar ao respeito de ocupar uma função de liderança institucional de defesa da soberania.

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