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Evilázio Gonzaga Alves

Jornalista, publicitário e especialista em marketing e comunicação digital

48 artigos

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Três trilhões de dólares dos EUA não foram capazes de derrotar uma causa

Nas duas derrotas mais evidentes do império estadunidense no último meio século, uma causa motivou seus adversários

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De acordo com reportagem da Forbes, "Morreram 2.500 militares dos EUA no Afeganistão e quase quatro mil civis prestadores de serviços. E isso nem se compara aos estimados 69 mil policiais militares afegãos, 47 mil civis e 51 mil combatentes da oposição mortos. O custo até agora para cuidar dos 20 mil feridos estadunidenses foi de US$ 300 bilhões, com mais meio trilhão ou mais para vir”.

A revista estadunidense afirma que “os EUA seguirão arcando com custos muito depois que a retirada do Afeganistão, organizada por Biden, for concluída. Naturalmente, o país financiou a guerra do Afeganistão com dinheiro emprestado (Forbes). Pesquisadores da Brown University estimam que já foram pagos mais US$ 500 bilhões em juros (incluídos na soma total de US$ 2,26 trilhões), e eles calculam que, em 2050, apenas o custo dos juros de dívida da guerra afegã pode chegar a US$ 6,5 trilhões. Isso equivale a US$ 20 mil para cada cidadão americano”.

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A maior parte dos U$ 3 trilhões foi gasto na compra de armamento das gigantes da indústria militar dos EUA, como Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman, Raytheon e General Dynamics. Boa parte do dinheiro pagou as forças mercenárias ou foi para as contas dos agentes afegãos dos EUA.

A montanha de dinheiro, que saiu dos cofres públicos estadunidenses, foi um ótimo negócio para o complexo industrial-militar, o poder de fato nos Estados Unidos. Esta quantia estratosférica é apenas uma parte da imensa fortuna consumida pelos EUA, para tumultuar os países do Oriente Médio e da Ásia Central, com o propósito de desestabilizar a região, no flanco sul da Rússia e oeste da China.

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A queda do poder estadunidense chama a atenção para a terrível situação que o Afeganistão vive há décadas. 

Tudo começou quando um governo socialista assumiu o poder no Afeganistão. Na época o socialismo avançou em vários locais, como Angola, Moçambique, Nicarágua e um governo hostil aos Estados Unidos, foi instalado no estratégico Irã. 

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Mesmo com tantos recuos no mundo, o centro das preocupações da geoestratégia estadunidense foram o Irã e o Afeganistão, porque as defecções dos dois países comprometiam o sistema de contenção da União Soviética, na fronteira Sul, que os estadunidenses denominavam como “cordão sanitário”, um conceito estabelecido pelo teórico Nicholas Spyman. A aliança informal com a China, estabelecida por Nixon, completou o “cinturão”, que ia da Turquia, até o leste da China. 

A virada política no Irá e no Afeganistão quebrou o cerco ao flanco sul da União Soviética. 

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REAGAN PLANTOU O TERROR

Para estabilizar mais rapidamente o Afeganistão, o governo soviético enviou tropas para auxiliar o regime socialista, em 15 de maio de 1988.

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O governo Reagan percebeu uma oportunidade, para colocar em prática uma ideia estratégica de Zbigniew Brzezinski, um teórico da geopolítica polonês, naturalizado estadunidense, que tinha sido o principal conselheiro do presidente Jimmy Carter. 

Brzezinski defendeu uma nova estratégia, de cerco "ofensivo" contra a URSS, que consistia no envolvimento da União Soviética em um conflito interminável no Afeganistão, onde os EUA e os países muçulmanos aliados colocariam bilhões de dólares e toneladas de armas para equipar os mujahedins, chamados pelos americanos de "guerreiros da liberdade" na luta contra o comunismo.

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A estratégia funcionou. O Afeganistão entrou em convulsão e a URSS foi obrigada a retirar suas forças do país, após uma guerra desgastante e sem fim. 

Na sequência, o Talibã, termo que pode ser traduzido como “estudantes”, assumiu o poder no Afeganistão. Os integrantes do Talibã são, na sua maioria, filhos de refugiados afegãos, deslocados de suas terras pelos conflitos, entregues ainda crianças por seus pais, para estudar em escolas religiosas, chamadas madrastas e financiadas pela Arábia Saudita. Nas madrastas os jovens recebem treinamento ideológico (religioso) e militar.

Embora financiassem e armassem os guerrilheiros do Talibã, como os de outros grupos, inclusive o que se tornou a Al Qaeda, os EUA não tinham nenhum controle (e nem muita noção) sobre o que era ensinado nas madrastas. As escolas financiadas pela monarquia saudita eram centros de pregação do Wahabismo, um movimento do islamismo sunita, criado no século XVIII, ultraconservador, extremista, austero, fundamentalista e puritano. Os seguidores do Wahabismo pretendem restaurar aquilo que, na sua visão, seria o culto monoteísta puro, e têm grande ressentimento contra os valores ocidentais, principalmente os Estados Unidos, que acusam de ter desrespeitado o solo sagrado do Islã, com suas bases na Arábia Saudita.

No controle do Afeganistão, o Talibã acolheu grupos islâmicos sectários, como a Al Qaeda, que, segundo as informações disponíveis, organizou o ataque de 11 de setembro.

O governo Bush não perdeu tempo, menos de um mês após o ataque de 11 de setembro, começou a invasão do Afeganistão. A rapidez para enviar uma força invasora a um local tão remoto, parece indicar que o esquema do ataque estadunidense já estava preparado, talvez para outro local e foi desviado para o Afeganistão. 

Foi a oportunidade para fincar o poder do império dos Estados Unidos em uma região de alto valor estratégico, o que poderia levar as vendas do sistema industrial-militar a um valor estratosférico.   

Os Estados Unidos travaram uma guerra impelidos por considerações imperiais e alimentadas pelo dinheiro.

Seus adversários tinham uma causa, que concordemos ou não com ela, foi capaz de manter a resistência do Talibã, durante vinte anos, até a vitória.  

PARA CLAUSEWITZ UMA CAUSA FAZ UM EXÉRCITO INVENCÍVEL 

A derrota dos Estados Unidos, mesmo desperdiçando tantas vidas e gastando uma montanha de dinheiro, pode encontrar explicações na afirmação de Carl von Clausewitz de que a guerra se mistura com a política. 

Segundo o britânico John Keegan, que foi professor de história militar na Real Academia Militar de Sandhurst, a tradução de Clausewitz para o inglês é falha. Para Keegan, o que o alemão não pretendeu dizer “continuação”, mas sim que a guerra é misturada à política. 

O oficial prussiano chegou a esta conclusão ao lutar contra os exércitos franceses, que se formaram após a revolução. 

Logo após a abolição da monarquia e a instauração da República Revolucionária, em 1792, a França foi invadida por um exército prussiano. O país estava desorganizado e o velho exército monárquico havia sido dissolvido.

Os franceses convocaram os cidadãos para defender o país. Movidos pelo entusiasmo revolucionário, milhares se apresentaram. Foram rapidamente armados e organizados sob o comando de oficiais que haviam rompido com o antigo regime e foram à batalha. 

No dia 20 de setembro de 1792, foi travada a Batalha de Valmy, quando se enfrentaram as tropas francesas e prussianas, um exército que espelhava a revolução e um exército convencional, criado por monarquias absolutas. (“Batalha de Valmy - Disciplina - Filosofia”)

O resultado militar da batalha é inconcluso, porém os prussianos foram obrigados a recuar, talvez surpresos com a capacidade da República Revolucionária de enviar um poderoso exército de defesa. 

A verdadeira importância desta batalha é a mudança de paradigmas, pois introduz o exército de cidadãos nos conflitos europeus na idade moderna. De 1792 a 1815, a França vai enfrentar quase toda a Europa com este novo tipo de exército, conquistando triunfos mesmo contra formas maiores e melhor armadas. 

Os exércitos franceses eram motivados por uma causa. Mesmo após Napoleão ter se autonomeado imperador, os militares franceses acreditavam que cumpriam a missão de eliminar a aristocracia em todo o continente europeu, em uma espécie de revolução permanente. 

Os exércitos franceses eram politizados ou própria política nos campos de batalha. A história comprova a percepção de Clausewitz, pois nas campanhas secundárias, nas quais a eliminação da aristocracia não se aplicava, o desempenho das forças francesas era inferior, como foi o caso da ocupação da Espanha.   

Enquanto as monarquias absolutas europeias não tinham capacidade para mobilizarem os povos que dirigiam e, por isso, não conseguiam ultrapassar o tipo de recrutamento profissional e mercenário que gerava exércitos de efetivos e lealdade reduzidos, a Revolução Francesa veio alterar esta situação porque o Poder era considerado o intérprete da vontade geral da comunidade e isso conferia-lhe a capacidade de mobilizar recursos humanos leais e materiais numa escala nunca atingida.

Clausewitz confirmou seus conceitos, quando ofereceu serviços ao czar da Rússia, para enfrentar a invasão napoleônica, em 1812. Nos campos de batalha do império czarista, o militar prussiano testemunhou o surgimento de um antidoto contra o fervor revolucionário: o nacionalismo.

A propaganda czarista, contando com ajuda da igreja ortodoxa, conseguiu motivar seus exércitos, compostos por camponeses mantidos no regime medieval de servidão, com um sentido de missão: defender a mãe Rússia.

A extinção da servidão provavelmente seria um dos resultados da invasão francesa, mas só ocorreu em 1861, meio século depois. Os camponeses servos, que lutaram no exército czarista, foram convencidos a assumir uma causa, que era contra os seus interesses, mas para a monarquia dos Romanov, a estratégia funcionou. 

O teórico alemão percebeu a importância das causas, para ampliar a potência dos exércitos, e adotou o nacionalismo como um elemento central, capaz de fortalecer a força militar do seu próprio país, a Prússia.

De fato, o nacionalismo foi a força motriz das maiores transformações, a partir de 1812, na Europa, nas Américas, continente colonizado por europeus e até na Ásia, com a ascensão do Japão. A Itália e a Alemanha se unificaram com base no nacionalismo, a mesma motivação que fez surgirem novos países na Europa Oriental, nos Balcãs e na Escandinávia. 

A obra de Clausewitz, consolidada no livro Da Guerra, teve pouca influência nesses grandes acontecimentos mundiais, exceto na Prússia, onde o oficial foi diretor da Escola Militar de Berlim. Seu livro só foi publicado após sua morte, em 1831 e somente veio a se tornar uma referência, quando o comandante das tropas alemãs na Guerra Franco-Prussiana (1870), Helmuth von Moltke, declarou que Da Guerra era um dos seus livros de cabeceira. 

GRANDES DERROTAS DOS EUA FORAM PARA UMA CAUSA

Nas duas derrotas mais evidentes do império estadunidense no último meio século, seus adversários foram motivados por causas particulares. 

No Vietnã, mais do que o marxismo, o motor foi o nacionalismo.

Recentemente o mundo vê o insucesso do império no Iraque, onde o governo foi conquistado em eleições pelos xiitas aliados do Irã; e na Síria, país que resistiu à tentativa de destruição. No Iraque a defesa do islã se mistura com o nacionalismo e na síria há motivações semelhantes, porém em torno do da corrente alauita do islamismo, aliada aos cristãos e drusos (outro grupo islâmico).  

Agora no Afeganistão, há o islã, mas também o nacionalismo e a defesa do modo de vida tradicional das diferentes tribos que vivem na região. 

A massa dos guerreiros talibãs acredita em uma ideologia medieval, que com muita probabilidade não vai contribuir para o seu país, mas foram esta causa que deu sentido, energia e confiança, para uma resistência de 20 anos contra a maior potência do mundo. 

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