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Weiller Diniz

Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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Tudo que é sórdido desmancha no ar

"Bolsonaro é essa possessão demoníaca, desencarnada das catacumbas medievais para infernizar os brasileiros", diz o jornalista Weiller Diniz

Jair Bolsonaro (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Por Weiller Diniz 

(Publicado originalmente em Os Divergentes) 

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Em 1982, a obra “Tudo que é sólido desmancha no ar”, de Marshall Berman, alcançou uma merecida repercussão no mundo e por aqui também. O livro, pinçando pensadores e escritores modernos ou modernistas e suas eras, refletia, historicamente, sobre o eterno dualismo entre a modernidade e o passado, o velho e o novo, destacando sempre a interdependência e conectividade intrínseca de ambos. Tomou emprestado outra máxima marxista (“o sagrado é sempre profanado”) para defender que a modernidade, independente da embalagem que a reveste e hoje do marketing que a projeta, talvez seja o conceito mais afirmativo da própria transitoriedade e efemeridade, ainda quando ela é inspirada na tentativa farsesca de exterminar o tempo pretérito e entronizar uma nova ordem divorciada do passado.

Um dos fios condutores e inaugurais da narrativa de Berman é o poema trágico “Fausto”, do magistral Wolfgang von Goethe. O demônio Mefistófeles em sua aparição na tragédia, a partir da evocação do próprio Fausto, prenuncia sua índole apocalíptica, aniquiladora: “Eu sou o espírito que tudo nega! E justamente assim é, pois tudo o que nasce merece perecer miseravelmente.” A destruição demoníaca, linha da tragédia fáustica, pode perfeitamente ser transportada para o Brasil contemporâneo para explicar nossa estadia no inferno durante os últimos 3 anos. Bolsonaro é essa possessão demoníaca, desencarnada das catacumbas medievais para infernizar os brasileiros, negar a ciência, incensar o obscurantismo, mentir como os demônios e espalhar os miasmas da morte. Tudo nega, sobretudo a vida, para impor-nos miseravelmente o perecimento. 

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“Eu pertenço à raça que cantava no suplício; não compreendo as leis; não tenho senso moral; sou um bruto: vós vos enganais. Sim, tenho os olhos cerrados para a vossa luz”, descreveu o rebelde Arthur Rimbaud na “Temporada no inferno”, equivalente à nossa atual. Jair Bolsonaro evangeliza diabolicamente nas trevas brasileiras. É aliado de salteadores, protetor de malfeitores, preceptor de infames, sabotador da ciência, idólatra de ditadores, semeador do caos, professante dos golpes traiçoeiros, adversário rugoso das democracias, dublador dos ogros, sacerdote da morte, patrono da mentira, apologista da estupidez, ocioso, rudimentar e tosco. Segue o evangelho das calamidades, flagelos e obscurantismo que mergulhou o País no mais sombrio dos abismos, numa vertigem moral e declínio civilizatório. 

O chamamento simplista para a mudança, a sedução por novos ambientes, a ilusória esperança no porvir, a devoção irrefletida para transformar, de mudar por mudar ou por inquietação, conduzidas pelo terror da desorientação sempre nos legaram desassossegos, ameaças mais graves, novas ambiguidades e desintegrações profundas. Muitos chacoalharam as ruas, incineraram bens públicos e, caoticamente inorgânicos, vociferavam por mudanças. Quais mudanças? Ninguém sabia. A simples mudança, que, em si, anunciava-se como redentora, pacificadora e organizadora. O resultado foi o oposto, operou um caos devastador. Voltamos à vertigem e ao terror no qual tudo é vulnerável, frágil, tudo que é sólido desmancha no ar e abriram-se as mais pestilentas tumbas de legiões centenárias de demônios exterminadores. 

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Hoje sangramos esmaecidos diante das novas faces do eclipse sepulcral, do retrocesso contemporâneo, do descolamento planetário, do sequestro da verdade e da avidez desmedida. Fecharam-se as cortinas e janelas para o mundo e fomos atolados na ignorância, no desprezo, na morte, nas mentiras, no isolamento e no sadismo macabro. O absurdo é tão rotineiro e desproporcional que não choca mais de tanto ser reiterado e todos vão dessensibilizando, se habituando à normalização da esquizofrenia e da insanidade. A inação virou um comando único, rotineiro, inercial, de quem pretende nos condenar à morte e apregoa que ela seja silenciosa, anônima, como nos pequenos e longínquos vilarejos, sem vestígio, sem legado, sem passado, sem protesto. “E daí?”

Eis que foram ressuscitados os fantasmas institucionais, conflitos medievais, selvagerias estridentes, barbáries devastadoras, mesquinhez, dissonâncias, pandemias dizimadoras, preconceitos primitivos, despreparo das toupeiras, abismos econômicos, decadência humana, miséria feudal, vidas estupidificadas, desastres, macarthismo e a atmosfera soturna dos covis mais turvos. As trevas originais que antecederam a criação. Faz-se o verbo irresponsável e lúgubre, sem ação. Somos experimentos desumanizados da tentativa de um afogamento civilizatório, da asfixia e negação absoluta da vida como bem supremo e o desprezo civilizatório, vítimas do bafejo abrasivo das profundezas infernais e suas legiões enfurecidas comandadas por um anticristo batizado Jair Messias Bolsonaro, um mito do extermínio, missionário das trevas, a estampa da morte. 

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A vida, a ciência, a luz, a verdade são implodidas cotidianamente por aqueles que mais recorrentemente professam valores cristãos, sugerindo que há uma seita macabra assassinando o próprio cristianismo. Há uma cratera abissal entre o professado e o praticado. O impulso é da destruição, não da criação. A pulsão da morte recusa a vida. As trevas se expandem esmaecendo a luz. O secretismo sobrepõe a publicidade, onde tudo precisa ser visto e auditável. São cortinas da ilegalidade, véus do arbítrio e segredos vergonhosos. A mentira, a despeito da verdade, a intolerância contra a compaixão, o vício contra a virtude, maldade contra a bondade, ódio contra a fraternidade, o egoísmo contra o altruísmo, conhecimento contra a crença ou a ignorância, a imoralidade contra a retidão, o caos contra a ordem, distúrbio contra o equilíbrio. Celebra-se a morte, despreza-se a vida: o mal opondo-se ao bem. 

Pontifica-se uma doutrina de homogeneização do mal, administrando entorpecentes do ilusório, travestidos de mentira e promessas vazias O universo verdadeiro não é mais o físico, corpóreo e tangível, mas o da simbologia mentirosa, do vão ilusionismo. Uma cosmogonia do caos onde a regência é eclipsar, desintegrar, desagregar, conflitar, guerrear, mentir, matar, esconder, ameaçar, sabotar, tiranizar, oprimir, trapacear, ocultar, estagnar, atormentar, afligir, devastar, arruinar e apequenar. Uma lastimável atmosfera de brutalidades, palidez, flacidez moral, criaturas pantanosas, ogros primitivos esparramando sacrifícios humanos, maldades pessoais, descartando a vida e espalhando amargura, desespero, desintegração premeditada, catástrofes e terror. 

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Um obscurantismo vulcânico nos devolveu aos tempos fuliginosos dos guetos e dos proscritos em um programa intencional de marginalização e perseguição, seja por ideologia, etnia, credo, gênero ou qualquer outra. Não há mérito em se destruir os legados humanistas, iluministas para uma transformação rumo às trevas, em direção ao pior do mundo social, econômico, cultural, intelectual, espiritual, mental, moral e físico. Purgamos em um ambiente miserável, empobrecido, insalubre, tenso e conturbado. Um divórcio litigioso da civilização, um isolamento crepuscular. Viramos subgente, insuscetíveis de graça. Tornar-se medíocre passou a ser moralmente tolerável e a convivência com a estupidez, obrigatória. Houve um rebaixamento generalizado de expectativas e exaltação da desesperança através de antagonismos fáceis e maniqueísmos redutores. A vulgaridade do isso ou aquilo. 

Nesse lodaçal humanitário os obscurantistas e idiotas se sentem em casa, intimamente confortáveis. Suas demências são reverberadas na caixa de som institucional mais poderosa dos sistemas presidencialistas. Opor-se ao caos não o agrava, é uma imposição moral de recuperação da história, que nos pertence coletivamente. Ainda não se perdeu completamente a fé na humanidade e sua capacidade regeneradora, mas chafurdamos em um ceticismo inercial e no recesso do olhar transformador. A simples compreensão do instante, a percepção dessa vertigem já é uma parte importante do renascimento. Sepultar o passado é decretar nossa própria sentença de morte, a autoeliminação. Para que serve um príncipe das trevas como Bolsonaro em qualquer quadrante da história em qualquer pedaço do planeta, senão para destruir pontes da civilidade que implicam no retrocesso e na morte?

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Além de idolatrar facínoras sanguinários como Augusto Pinochet, Alfredo Stroessner, Adolf Hitler, o capitão tem na história mundial uma correspondência com outra figura de memória deletéria, o imperador Nicolau I, da Rússia. Um retrógrado cujo reinado foi assinalado pelo arbítrio, profunda estagnação econômica, políticas administrativas equivocadas e beligerância extrema. Nicolau Jair Bolsonaro mantém um estado permanente de terror, ambiciona criar milícias paraestatais e secretas para oprimir, como já o faz nas redes sociais, cultiva segredos seculares da coisa pública, persegue a academia, adversários, a intelligentsia e conspira contra as liberdades, a ciência e a vida. Sua inação recende a morte e retarda o país, freando o movimento natural pela evolução. Como Nicolau I na Rússia, Bolsonaro atrasou o Brasil em tudo, sobretudo nas vacinas, quando vários integrantes do seu manicômio ministerial se empenhavam em fechar as janelas do Brasil para o mundo, com custos humanos, geopolíticos e econômicos imensos. Deus salve o Brasil do bolsonarismo. O país se tornou estranho, sombrio, imoral, fantasmagórico, invernal, odioso, sepulcral, enfumaçado, crepuscular, hostil e belicista. Somos hoje uma Nação tribal, arcaica, se dissolvendo nas ruínas civilizatórias e nos escombros socioeconômicos que a própria democracia gesta, mas expele. 

Tzvetan Todorov, filósofo e filólogo nascido na autoritária Bulgária, radicado na França e falecido em 2017, escreveu “Os inimigos íntimos da democracia” (2012), que antecipou em 6 anos alguns dos principais diagnósticos sobre a crise da representação popular relatada no renomado “Como morrem as democracias”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. A abordagem de Todorov é mais conceitual. Ele sustenta que o mal surge do bem e o conceito de liberdade, litigado entre direita e esquerda, está, paradoxalmente, no centro desse debate. Todorov, sucintamente, advoga que o uso desmedido da liberdade individual, quando poucos pretendem se sobrepor à vontade comunitária, enseja o populismo, nazismo, fascismo, messianismos e outros impulsos absolutistas. 

A tirania do indivíduo, amparada no uso e abuso das liberdades pessoais e escorada por mandatos eletivos, gesta esse inimigo íntimo que coloca em xeque o próprio conceito da democracia e seus alicerces mais sagrados. A invocada liberdade da expressão também foi comum na gestação do franquismo, do fascismo e do nazismo. Todos os tiranos, algum dia, abusaram dessa palavra – liberdade – para, e em nome dela, perpetrar suas selvagerias. A sabedoria é amiga do bem e sobre ela não prevalece o mal, dizia o Antigo Testamento. Ao final, a civilidade prevalecerá sobre a barbárie bolsonarista, já que tudo que é sórdido também desmancha no ar. O risco é que no intervalo o Brasil se transforme em melancólico e vasto cemitério, onde os vivos serão insuficientes para enterrar seus mortos e os sãos se tornarem zeladores de um país enfermo.

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