CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Washington Araújo avatar

Washington Araújo

Jornalista, escritor, professor da UnB, tem 17 livros sobre mídia e direitos humanos. Autor do blog de jornalismo e cultura Cidadaodomundo.org

43 artigos

blog

Um mundo sem intolerância é possível?

O que poderia ser motivo de apreço exatamente por ser diferente termina sendo visto como ameaça ao que é formalmente estabelecido e até corriqueiramente aceito

MEDION DIGITAL CAMERA (Foto: Washington Araújo)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A intolerância à diversidade continua fazendo vítimas à mão cheia.

O que poderia ser motivo de apreço exatamente por ser diferente termina sendo visto como ameaça ao que é formalmente estabelecido e até corriqueiramente aceito.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No campo da religião os exemplos são muitos.

Católicos e evangélicos que se desdenham mutuamente, seguidores da Opus Dei e adeptos da teologia da Libertação que se combatem, isso para ficarmos muito superficialmente apenas no espectro da religião cristã.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Se avançarmos um pouco mais para o Islã então o bicho pega. São xiitas que se opõem abertamente a sunitas, teocracias muçulmanas que combatem califado defendido pelo Estado Islâmico.

No velho judaísmo temos também diversas vertentes que convivem em eterna querela – conservadores e progressistas que se opõem ou defendem a existência de um estado autônomo na Palestina e que se aventuram a seguir ao pé da letra o texto sagrado com cinco milênios de existência em contraposição aos judeus seculares, grande maioria que se contenta apenas em declarar-se judeu em seus documentos oficiais.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No campo dos costumes a situação está sempre em ebulição.

A religião defende, quase todas elas, que a finalidade maior do sexo é assegurar a perpetuação da espécie, portanto, sua missão é principalmente reprodutora.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

De outro lado, o movimento das mulheres – muito mais que o movimento feminista – luta para assegurar à mulher o direito ao próprio corpo.

Neste campo a guerra é total entre os que defendem e os que abominam o aborto, e entre os que concordam e os que consideram o casamento homossexual um desses clamorosos sinais de que o fim dos tempos está próximo.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No campo das liberdades individuais a situação não é menos fácil.

O direito de ter uma crença e poder professá-la quase sempre é questionado. Líderes evangélicos ainda se comprazem em chutar imagens de Nossa Senhora, em clara declaração de guerra ao credo católico apostólico romano. Evangélicos conservadores que perseguem os seguidores do Candomblé, buscam impedir a realização de seus rituais e não consideram seus terreiros como templos. Bahá´ís são perseguidos, presos e mortos na República Islâmica do Irã. Cristãos são decapitados por militantes do tenebroso Estado Islâmico.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O direito à liberdade de expressão ainda é bem mais teórico que prático por parte das crenças religiosas – pensou e publicou, aguente então as consequências repressivas. Tem desde o "silêncio obsequioso" imposto em meados dos anos 1980 pelo Santo Ofício do Vaticano ao então frade franciscano Leonardo Boff até à sumária expulsão dos recalcitrantes dos quadros da Igreja e a recusa por parte do Vaticano das credenciais do embaixador francês por este se declarar homossexual.

Os banidos são os "novos hereges" dos dias que correm: por algo incidental são privados do exercício livre e soberano de sua própria consciência espiritual, exatamente aquela chispa da fé que nos diferencia dos demais reinos da criação e que tem o condão de nos reconectar ao Sagrado.

O direito de ir e vir, mesmo aceito pelo bom senso comezinho, ainda é objeto de numerosos tratados jurídicos e tema de infindáveis discussões no âmbito do direito internacional. Levas de imigrantes africanos e asiáticos são sistematicamente barrados de ingressarem no continente europeu.

Governos de países desenvolvidos colocam em movimento políticas claramente xenófobas, ou seja, primeiro nossos nacionais, segundo, também e, "caso não ameacem nossos sistema de bem-estar social e não fragilizem nossa economia ou roubem o trabalho de nossos compatriotas, então poderemos aceitar alguns estrangeiros em nosso país".

A História quando quer, sabe ser irônica em extremo. Atualmente os países que recusam imigrantes são exatamente aqueles que colonizaram suas pátrias, exploraram e se apropriaram de suas riquezas, destruíram suas culturas e atentaram contra sua autoestima.

Com costumeiro acerto saudamos esse lúcido e inspirado diagnóstico da Casa Universal de Justiça quando, debruçando-se sobre os eventos que marcaram o mundo em 2014, assinalou "tornou-se ainda mais claro que, em diferentes nações, de diferentes maneiras, o consenso social a respeito de ideais que tradicionalmente uniam e unificavam um povo está cada vez mais desgastado e esgotado. Não mais pode oferecer uma defesa confiável contra uma variedade de ideologias interesseiras, intolerantes e tóxicas que se alimentam do descontentamento e do ressentimento. Com um mundo conflitante, parecendo cada dia menos seguro de si mesmo, os proponentes dessas doutrinas destrutivas se tornam mais e mais atrevidos e desavergonhados."

A falta de espiritualidade, que de modo rudimentar, poderia ser percebido na luta do poder pelo poder, na confusão existente entre bem público e bem privado, na luta desenfreada para acumular riquezas, não importando se os meios para alcançá-los são moral e eticamente defensáveis, na sedução imediata que o "mundo do espetáculo" parece oferecer, quando pessoas matam e morrem por alguns minutos de fama e reconhecimento instantâneo – enfim, tudo isso demonstra a que ponto de degradação pode chegar um mundo que cultua o materialismo como se cultua um deus, prega um individualismo exagerado como se estivesse prestes a anunciar um novo Sermão da Montanha ou trazer à luz novas Tábuas da Lei.

O panorama internacional emite sinais do claro mal-estar generalizado em que se debate o atual processo civilizatório. Com certeza pode-se constatar que não será necessário dotar a população mundial com sete e meio bilhões de bolas de cristal para que todos percebam em que encruzilhada e em que beco se saída nos metemos.

A mesma Casa de Justiça tem sido como bússola para parte do mundo ao nos oferecer o diagnóstico completo dos desafios hercúleos que nos confrontam e tanto infelicitam: "Líderes de nações bem intencionados e pessoas de boa vontade estão ao abandono na tentativa de reparar as fraturas evidentes na sociedade, e são impotentes para impedir sua expansão. Os efeitos de tudo isso não são somente vistos diretamente no conflito ou no colapso da ordem. Na desconfiança que põe vizinho contra vizinho e rompe laços familiares, no antagonismo de tanta coisa que passa por discurso social, na leviandade com que apelos a motivações humanas ignóbeis são usados para ganhar poder e acumular riquezas – em tudo isso há um sinal inequívoco de que a força moral que sustenta a sociedade esvaiu-se gravemente."

Mais do que nunca se torna inadiável a percepção de que precisamos ter olhos que veem, ouvidos que ouvem, mentes que pensam e gestos que traduzam em ações nossos mais elevados sentimentos acerca do futuro da humanidade.

Sim, não apenas é possível um mundo sem intolerância, como também esta se mostra a única opção real para assegurar um futuro de paz e tranquilidade para toda a nossa espécie.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO