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Ayrton Centeno

Jornalista

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Um personal shopper para o Judiciário

Movido pelo sentimento cristão de amor ao próximo, pretendo atenuar a brutal pressão psicológica que quem embolsa 200 mil reais por mês certamente sofre

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Comovido pelo espetáculo cívico de centenas de juízes, desembargadores e procuradores batendo à porta do Supremo para defender suas vantagens salariais e protestar diante de projetos que barram aumentos acima do teto, lembrei-me do desembargador José Antonio de Paula Santos Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Sua excelência embolsa auxílio-moradia não obstante possua 60 imóveis na mesma cidade. Outros 215 colegas de Santos Neto têm mais de um imóvel registrado em seu nome, em São Paulo, e também são mensalmente acariciados pelos R$ 4.373,77 do auxílio-moradia.

Lembrei-me ainda do juiz Marcelo Bretas, ferrabrás da Lava-Jato no Rio. Mais exatamente lembrei-me do seu apartamento de 500 m2 no Flamengo, de cujos cinematográficos janelões descortina-se esplêndida vista do Pão de Açúcar. Sua excelência e sua excelentíssima esposa recebem, cada um, auxílio-moradia de R$ 4.373,77 mensais, embora morem juntos. Seu modesto apê abrilhantou as páginas de revista nacional de arte e arquitetura, daquelas que mostram à gentalha como vivem aqueles que ocupam o ápice da cadeia alimentar da democracia brasileira.

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Então, de lembrança em lembrança, senti saudades daquela folha salarial do TRF4 que circulou na web. É para a gente bater no peito cheio de orgulho e gritar para o mundo inteiro ouvir: não há país que pague tão bem os seus magistrados! Fui revê-la ainda inebriado pelos janelões Imax do casal Bretas, a imobiliária de Santos Neto e o regurgitar reivindicatório das togas em efervescência. Da planilha daquele abril dourado de 2015, constam 28 nomes e 28 salários supostamente adornados por balangandãs pecuniários. O mais refulgente deles ultrapassa a casa dos R$ 215 mil. O segundo lugar no pódio segundo atinge os R$ 211 mil e o bronze leva aquele de R$ 208 mil. Diante de tais cifras, impossível não declamar os versos parnasianos de "A Pátria", de Olavo Bilac: "Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!/ Criança! não verás nenhum país como este!"

Com tanto dinheiro só mesmo uma criatura desalmada não ficaria com pena dos nossos juízes. Como gastar tanta grana? Como arranjar tempo para torrar 200 mil mensais? Ou seja, esses pobres coitados têm que, somente num mês, queimar aquilo que um bom vivant que recebe salário mínimo pode empregar 200 meses para dilapidar! Quer dizer, 16 anos e oito meses! Imagine-se o tremendo estresse dos togados a pensar no que despender o vil metal de cada dia.

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Tanta angústia pode levar ao esgotamento psíquico, depressão aguda e a outros males inclusive o suicídio. Isto posto - e aqui abrimos um espaço para os nossos comerciais -- estou me candidatando a personal shopper dos nossos juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores. Enquanto eles compulsam manuais de direito e jurisprudência, mergulhados na colossal tarefa de converter convicções em provas e punir os maus hábitos do populacho, caberia ao personal shopper o trabalho hercúleo de desbaratar seu capital. Patrioticamente, aceito contrato de trabalho intermitente, sem férias, 13º. salário, aviso prévio e outros penduricalhos da ralé que estão destroçando a competitividade do Brasil. Tudo porque a rafuagem não aceita ser esbofeteada pela mão invisível do mercado e fica aí nos atravancando o caminho para o paraíso pós-moderno, algo assim como aqueles desertos aprazíveis de Mad Max.

Movido pelo sentimento cristão de amor ao próximo, pretendo atenuar a brutal pressão psicológica que quem embolsa 200 mil reais por mês certamente sofre. Assumidos pelo personal shopper, os dilemas de administração patrimonial que habitam a mente de nossos luminares sumiriam. Comprar o segundo apê em Miami ou investir em bitcoins? Virar fazendeiro que nem o Gilmar ou colocar mais uma Ferrari na garagem? Adquirir um poço de petróleo no Kuwait ou apostar tudo no vermelho 27 para quebrar a banca em Vegas? São dispersões que hoje tolhem a devoção dos meretíssimos e meritíssimas ao estudo dos processos inquisitoriais e até desencadeiam sintomas incontroláveis de bruxismo.

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Mas não se enganem: um personal shopper de verdade não seria um comprador desmiolado. Além de gerenciar o pecúlio de outrem, identificaria novas oportunidades de negócio. Dizem por aí que nossos doutos embolsam auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-livro, auxílio-escola, auxílio-táxi etc. Porém, tal espectro auxiliar possui lacunas que urgem serem preenchidas sob risco de comprometer a justa prestação jurisdicional. Seria outro encargo de um personal porreta: desbravar novas fronteiras mirando novos ajutórios.

Vale exaltar aqui o desassombro de um pioneiro, o desembargador José Roberto Nalini, presidente do Tribunal de Justiça/SP. Em 2014, durante entrevista na TV, ele expôs a chaga dolorosa que os juízes, por amor ao país, escondem da sociedade. Nalini queixou-se que eles não podem "ir toda hora a Miami comprar terno". São obrigados a meter a mão no bolso para evitar figurinos batidos, sem lantejoulas nem paetês, capazes de destroçar o ibope da TV Justiça e a frequência aos tribunais. Seu brado tornou-se um dos momentos mais lancinantes da televisão brasileira, impelindo às lágrimas milhares de operários, desempregados, domésticas, biscateiros, sem teto e outros abonados.

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Na trilha de Nalini, um personal shopper de verdade jogar-se-ia de corpo e alma na ampliação dos auxílios. Porque não o auxílio-paletó? E o auxílio-viagem para ir a Miami e apresentar-se perante seus súditos trajado de acordo com o último grito da moda? E o auxílio-manicure? Ora, é gênero de primeira necessidade. Como sabemos, o magistrado precisa adequar suas unhas conforme o réu. Se o réu é branco, de boa família, conhece vinhos, fala inglês e é amigo das pessoas certas, as unhas jurídicas devem estar muito aparadas, limadas e perfumadas. Porém, se o réu é um mameluco de fala arrevesada, que engole os esses, carrega isopor nas costas e não tem medo de data vênia e outros parangolés da liturgia, impõe-se que as unhas sejam esculpidas em forma de garra. E tudo isso custa dinheiro!
Inescapável alertar para a urgência urgentíssima do auxílio-cabeleireiro. Recentemente, a ministra Luislinda Valois, do ministério temerário, lastimou-se de tudo que gasta com o fim de embelezar-se. No caso do Supremo, a implantação do auxílio-cabeleireiro incluiria um sistema de pesos e contrapesos para evitar o império da iniquidade.

Veja-se o caso do ministro Luis Fux. Claro está que aquela arquitetura capilar, erigida laboriosamente cada manhã à força de litros de laquê e que tão simpaticamente evoca as lendas do rock and roll dos anos 50, faria jus a um plus no auxílio. Não seria justo que arcasse com despesa extra para apresentar-se ao seu fã-clube. No sentido contrário, seria abusivo que seu colega Alexandre de Moraes auferisse o auxílio-cabeleireiro, coisa que daria margem para os blogs sujos lançarem campanha sórdida denunciando o desperdício do dinheiro público. Mas então, Moraes nada receberia? Nada disso. Para seu caso específico, o legislador criaria o auxílio-sinteko, de forma que o ministro não se sentisse desprestigiado na presença dos confrades da corte.

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Enfim, muitas missões de alto sentido patriótico aguardam pelo personal shopper do Judiciário. Até mesmo porque a pátria foi, é e sempre será a mãe generosa daqueles filhos especiais e mais amados, como bem cantou o poeta Bilac, ao qual agora voltamos: "Boa terra! jamais negou a quem trabalha/O pão que mata a fome, o teto que agasalha.../Quem com o seu suor a fecunda e umedece,/ Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!"

 

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