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Ricardo Almeida

Consultor em Gestão de Projetos TIC e ativista do movimento Fronteras Culturales

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Um selfie com Mujica

Aprendi com os uruguaios que compartilhar o poder – micro e macro - não é para qualquer um(a)... Ainda mais numa sociedade que gera homens e mulheres egoístas

(Foto: Reuters)
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“Não é só uma mudança do sistema, é uma mudança de cultura, é uma cultura civilizatória. E não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar a vida lutando por ele. Temos que superar o individualismo e criar consciência coletiva para transformar a sociedade.” – José Pepe Mujica

Quantas pessoas você conhece que admiram o Uruguai e o ex-presidente Mujica? Agora me responda: quantas dessas pessoas defenderiam as leis uruguaias e as ideias de Mujica? Não estou me referindo à sua situação social e nem às escolhas de vida que Don Pepe fez após passar 12 anos nas prisões da ditadura. Neste momento de crise ética e política, quero refletir sobre as conquistas dos uruguaios e sobre a dignidade que eles vêm dando para todos nós ao falarem, defenderem e legislarem sobre princípios e valores não monetários. 

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Poucas pessoas sabem que Mujica gosta de ler Sêneca (50 A.C) e diversos livres pensadores do passado e do presente, e pouquíssimas se dão conta de que ele também é fruto de um longo processo histórico vivido pelo seu país. Por exemplo, lá as universidades foram criadas muitas décadas antes do que as brasileiras; há quase cem anos, na Constituição de 1917, o Estado foi separado da influência da Igreja; o presidente colorado José Batlle y Ordóñez incentivou um verdadeiro laicismo radical no país e, há muito tempo não se vê símbolos cristãos nas câmaras de “ediles” (vereadores), nas salas de aula, nos tribunais e nem nos hospitais da rede pública. Todas as religiões são respeitadas, mas na posse dos presidentes o juramento é em nome da Constituição e não da Bíblia. Isso, por si só, já revela a seriedade e a radicalidade da democracia republicana construída pelos hermanos.

Mas tem mais: os uruguaios aboliram a escravidão quarenta e seis anos antes do que o Brasil; o país foi o pioneiro ao permitir o divórcio por iniciativa da mulher em 1913 enquanto que a lei brasileira foi aprovada apenas no final dos anos 70 (cinquenta e sete anos depois); as mulheres uruguaias conquistaram o direito ao voto em 1917 e as brasileiras somente em 1932 (quinze anos depois). Recentemente eles conseguiram avançar ainda mais nos seus direitos civis, com a legalização da relação entre pessoas do mesmo sexo, com a não punição à prática do aborto até a 12ª semana de gestação e se tornaram o primeiro país no mundo a comercializar a marijuana pelo próprio Estado, como política de saúde e de combate ao tráfico de drogas. Nós, brasileiros, em pleno século 21, ainda estamos enfrentando o conservadorismo político e religioso que invadiu o parlamento, as prefeituras, as delegacias de polícia, milhares de residências e milhões de mentes desesperadas e solitárias.

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Do ponto de vista do sistema político, os partidos uruguaios são seculares e o Frente Amplio, fruto da coalizão de várias organizações e de cidadãos independentes, reúne democraticamente toda a esquerda uruguaia desde 1971 e governa o país desde 2005. Essa maturidade política do seu povo dificulta as manobras espúrias e o surgimento de uma bancada que imponha as "leis divinas” e/ou defenda o monopólio da comunicação. Don Pepe Mujica e quase toda a torcida do Penharol e do Nacional sabem disso!

Portanto, um selfie com Mujica deveria levar em conta que além de admirá-lo (o que não está errado!) todo fã precisaria compreender o que ele e o seu povo representam. Os brasileiros, por exemplo, deveriam valorizar os postos Petrobrás e evitar as multinacionais Esso, Shell e Texas Co. Ao comprar produtos orgânicos de produtores locais estariam reconhecendo a importância de fortalecer as cadeias produtivas regionais etc e tal. Enfim, todas as ações do dia-a-dia estariam sendo consideradas como atitudes políticas, e adquirindo um sentido humano, local e universal.

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Como a vida de qualquer pessoa está cheia de provações individuais e coletivas, principalmente para aquelas que assumem um cargo público ou fazem parte de um centro estudantil, desde um policial da esquina até um chef de cozinha, de um dirigente partidário e muito mais de um presidente, as diferentes concepções de poder se manifestam na prática e não apenas nos discursos. Portanto, se quisermos conhecer o verdadeiro grau de liberdade que um homem ou uma mulher defende, basta arrancar-lhes a sua concepção de mulher, ou como cada um(a) se refere ou se relaciona com as mulheres negras e/ou indígenas. E mais: perguntar-lhes se têm algum preconceito homoafetivo ou de religião. 

As concepções de poder estão por toda parte, mas muitas vezes algumas faces e representações ficam ocultas, e se manifestam apenas quando alguém assume um cargo ou uma função coletiva. Nas redes sociais qualquer um(a) se sente o rei ou a rainha da cocada, mas é na vida real que tudo se revela. Não adianta ficar adjetivando os demais ou tratando Don Pepe (ou qualquer político) como uma estrela de rock, pois o nosso desafio é construir uma constelação de organizações autônomas, com a máxima convergência possível, dos olhares e dos saberes que aprenderam a ser solidários e propositivos.

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Aprendi com os uruguaios que compartilhar o poder – micro e macro - não é para qualquer um(a)... Ainda mais numa sociedade que gera homens e mulheres egoístas, em que muitas pessoas já perderam a fé na humanidade e recorrem ao divino, às verdades absolutas ou ao isolamento. Às vezes, é preciso passar por situações difíceis e adversas para aprender com as experiências, se colocar no lugar de outras pessoas que há muito tempo estão em uma situação difícil, até para entender as subjetividades e objetividades de cada cultura existente. 

Por isso, como diz Don Pepe: não adianta apenas uma mudança do sistema, se não mudar a cultura que dá sustentação a este sistema falido. Um futuro de liberdade, igualdade e fraternidade somente será construído por meio de laços firmes e consistentes, pois esses sim serão lembrados pelas novas gerações, daqui a vinte, cinquenta ou cem anos. São as atitudes individuais (não egoístas) nos coletivos que permitem gerar as reflexões necessárias, que irão ampliar as nossas dimensões da consciência. 

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Enquanto, o conservadorismo cultural e político venceu no Brasil, Mujica y nuestros queridos hermanos uruguayos siguen unidos, en defensa de las conquistas y sembrando la esperanza... Porque lá, creio eu, eles têm consciência de classe e não apenas de mandatos e de siglas.

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