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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Uma “ciência” sanitária especial

"Quem se recusa a salvar vidas pela ciência, mas submete a ciência para fazê-la instrumento da sua política sem alma, deve ser retirado do poder", escreve o advogado e ex-ministro da Justiça Tarso Genro

(Foto: Marcos Corrêa/PR | Reuters)
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Por Tarso Genro

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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“Bolsonaro não ignora a ciência, só tem uma visão diferente” – disse o general Walter Braga Netto, ministro (militar) da Casa Civil – na entrevista do dia 15 (quinta-feira), ao defender seu presidente, ex-tenente do Exército Nacional. Este, reformado com base em laudos psiquiátricos foi considerado impedido de prosseguir na sua carreira militar por problemas sérios de conduta, o que liga diretamente o erro do general Walter ao personagem maníaco que ele defende. As experiências de submissão da ciência às necessidades políticas, na história da humanidade, já trouxeram tragédias suficientes que deveriam ter sido absorvidas por todas as pessoas mentalmente sadias.

Ao absolver seu chefe por antecipação, o general Walter apresentou-o em pé de igualdade com cientistas de todo o mundo, embora ao presidente não caiba receitar remédios nem apontar novos planetas, mas sim governar o país, a partir do cargo político que lhe foi delegado pelas urnas. Bolsonaro, portanto, não tem o direito de ter uma “ciência” sanitária especial, que venha do seu temperamento e da sua neurose, nem da sua visão da economia. Por isso – general Braga – Bolsonaro tem é outra visão da política, não da ciência! Ele entende, na verdade, é que a política deve comandar a ciência, como ocorreu em Auschwitz com Hitler e Mengele, bem como com Stalin no caso Lysenko.

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Auschwitz em 1943, no campo de concentração nazista onde o dr. Joseph Mengele – ex-aluno do Professor Ernst Rüdin, defensor de que a medicina poderia eliminar as vidas que perturbassem a purificação da raça – era onde estava o médico Joseph, que prestava os seus serviços ao Estado alemão. Neste Campo, quando os trens dos prisioneiros chegavam, as palavras Recht (direita) e links (esquerda) davam a voz de comando impiedosa aos prisioneiros – a maioria judeus – que orientavam os que iriam para os campos de trabalho escravo ou diretamente para os campos das câmaras de gás. Mas não era só essa divisão.

Um terceiro grupo – com predileção especial para gêmeos na sua formação – era selecionado por Mengele para as suas pesquisas e experiências ditas “científicas”, com cobaias humanas, contra as quais eram cometidas as aberrações mais abjetas e violentas. A lei para “prevenir doenças hereditárias” do Estado nazista – diretamente inspirada pelo professor Rudin – que já fizera milhares de vítimas, aprofundava ali as suas supostas pesquisas científicas antes que a Guerra derrotasse o banditismo nazista, A política de seleção artificial da raça comandava a falsificação da ciência.

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Em 7 de agosto de 1948, na sessão final da Academia de Ciências da URSS, na qual sete dias antes tinha sido lido o informe do biólogo Trofim Lysenko – sobre a “Situação das Ciências Biológicas” – a política de Estado consolidara a ruptura (que vinha década de 20) com a “neutralidade política e ideológica da ciência”. O Estado, naquele momento, assume uma posição de princípio decretando que existe uma “ciência capitalista” e uma “ciência socialista”, concebendo então – partir das formulações de Lysenko – a negação dos genes como elementos biológicos concretos da hereditariedade (leis de Mendel, baseadas nas teorias de Darwin) e assumindo “revogar” aquelas leis. A política assim o quer.

Inspirado no camarada Stálin – o biólogo e agrônomo ucraniano Lysenko – rompera com os pressupostos de quatro séculos de acúmulo científico moderno e o “lysenkismo”, resultado da interferência “filosófica” de Stalin na produção científica da época – com seus textos mecanicistas sobre dialética materialista – arquivara a racionalidade da ciência moderna na URSS, que só vai ser recuperada depois da morte de Nikita Khrushchov. Mas não sem deixar um rastro desastroso na agricultura soviética, que perdurou durante toda a era do socialismo real.

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A questão da “neutralidade” da ciência é um debate filosófico altamente complexo, mas pode ser compreendido de maneira mais simples – independentemente das refinadas posições finais sobre o assunto – a partir dos nexos do método científico com a sua teleologia. Vejamos: as técnicas produtivas e os processos fabris concretos, mais adequados para construir uma boa viga de aço, são uma conquista unitária e processual da ciência moderna. A definição do “para quê”, as vigas serão usadas – na construção de um edifício escolar ou de um campo de concentração – é uma escolha política de quem detém o poder.

No caso da construção de vigas, o método para fabricar uma boa viga de aço da mesma forma como se constrói um suporte de madeira, não pode ser deixado à escolha do poder político, a não ser que se aceite que este pode se desprender de toda a ciência aplicada à metalurgia moderna, desde a primeira Revolução Industrial. Enfrentar uma pandemia e salvar pessoas da morte, todavia passa por dois momentos muito visíveis para os governantes, na época em que vivemos: o primeiro momento é o momento “político”, que permite ao governante ajuizar que, sendo uma questão de Estado – cuja solução dependa da ciência aplicada para resistir a uma catástrofe sanitária – a política de um Estado civilizado pede a palavra final dela, da ciência, já acumulada como conhecimento na história humana; o segundo momento é o momento do uso da “ciência”, como ética da responsabilidade, chamando politicamente os homens de ciência para salvar vidas humanas.

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Quem se recusa a salvar vidas pela ciência, mas submete a ciência para fazê-la instrumento da sua política sem alma e sem ética, deveria ser retirado do poder, no mínimo em homenagem aos mortos que eles nos legam com a sua loucura. A menos que se queira esperar para ouvi-los dizer, mais tarde, como disse Eichmann em Jerusalém: “eu só estava cumprindo ordens!”

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